Combate à omissão

Judiciário pode mandar Executivo implementar políticas públicas

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23 de novembro de 2005, 12h14

O Judiciário não pode elaborar políticas públicas, mas pode compelir o poder público a implementá-las caso estejam previstas na Constituição. Esse entendimento, que até agora era adotado por apenas dois ministros do Supremo Tribunal Federal — Celso de Mello e Marco Aurélio — passou a ser acompanhado, essa semana, por todos os integrantes da 2ª Turma do STF.

A Turma, formada pelos ministros Carlos Velloso, Celso de Mello, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, decidiu que o município de Santo André (SP) deve garantir a matrícula de um menino de quatro anos na creche pública administrada pela prefeitura. O entendimento é o de que é obrigação do município garantir o acesso à creche a crianças de até seis anos de idade, independentemente da oportunidade e conveniência do poder público.

O município de Santo André entrou com Agravo Regimental pedindo que a Turma derrubasse a decisão monocrática do ministro Celso de Mello, que já havia determinado a matrícula do garoto. “Quando a proposta da Constituição Federal impõe o implemento de políticas públicas, e o poder público se mantém inerte e omisso, é legitimo sob a perspectiva constitucional garantir o direito à educação e atendimento em creches. O direito não pode se submeter a mero juízo de conveniência do Poder Executivo”, fundamentou Celso de Mello.

A abrangência da decisão pode ser gigantesca. O entendimento pode ser estendido para casos de omissões históricas do Executivo como moradia, transporte ou saneamento básico. A tese pode até mesmo se ampliar ao dispositivo que garante ao trabalhador direito a salário mínimo “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.

Segundo o professor de Direito Constitucional da Universidade Mackenzie, João Antonio Wiegerinck, o Judiciário pode sim exigir que o Executivo ou o Legislativo cumpram com seu dever.No caso em questão, segundo Wiegerinck, não há qualquer conflito de competência ou interferência de um poder em outro porque o Judiciário só está fazendo com que o que está escrito na Constituição, e que foi validado anteriormente, se cumpra.

Histórico

O Ministério Público entrou com Ação Civil Pública contra o município Santo André, que se recusava a matricular a criança, de quatro anos. Desde que o menino tinha nove meses de idade os pais tentavam obter vaga em uma das creches municipais onde pudessem deixar o filho enquanto trabalhavam.

O juiz de primeira instância decidiu que o pedido era procedente, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a decisão. Para o TJ paulista, o direito constitucional das crianças está sujeito à avaliação do município. O MP recorreu ao Supremo.

O ministro Celso de Mello deu provimento ao Recurso Extraordinário. Embora o município tenha argumentado que não tem recursos financeiros para assegurar a matrícula de milhares de crianças em cerca de 15 creches municipais, o ministro do STF ressaltou que o artigo 208, inciso IV da Constituição, obriga o Estado a criar condições objetivas para o acesso e atendimento a essas crianças.

Segundo Celso de Mello, a Constituição delineou um “nítido programa a ser implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis — notadamente aquelas que visem a fazer cessar, em favor da infância carente, a injusta situação de exclusão social e de desigual acesso às oportunidades de atendimento em creche e pré-escola”. Na avaliação do ministro, o descumprimento dessa meta deve ser qualificado como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao poder público.

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