O rochedo e o mar

Volume de trabalho preocupa candidatos à Seção de Direito Público

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20 de novembro de 2005, 12h51

A Justiça tem de ser mais rápida, mas também melhor. Vencer o volume de processos, sem comprometer a qualidade das decisões, é a maior preocupação dos desembargadores Sidnei Agostinho Beneti e Márcio Marcondes Machado, os dois candidatos que concorrem à presidência da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. No início deste ano, com a Emenda Constitucional 45, foi instituída a distribuição imediata de recursos, inclusive daqueles que estavam engarrafados. Cada desembargador da Seção recebeu cerca de 1.500 processos.

O desembargador Sidnei Beneti afirma que todos os processos devem ser julgados e bem julgados. “É claro que a quantidade sobre-humana prejudica a qualidade. Mas é preciso ver em que aspecto a qualidade é prejudicada: quanto à substância do julgamento ou quanto à forma do julgamento. Estou convencido de que o imenso número de processos geralmente faz cair apenas a qualidade formal, expositiva”.

De acordo com o desembargador Marcondes Machado, da 14ª Câmara de Direito Público do tribunal, o estado de São Paulo tem condições e situações atípicas. Ele fala da alta demanda para poucos juízes e lembra da greve enfrentada pela Justiça paulista no ano passado de quase 90 dias. “Aos poucos vamos colocar a casa em ordem. A informatização, ainda que não esteja completa, já ajudou, a distribuição imediata também. Precisamos dar tempo ao tempo, pois todos estão trabalhando para melhorar”.

Sidnei Beneti lembra que a distribuição de processos continua constante e em número elevado. “Todos os desembargadores trabalham muito, para vencer o serviço, encontrando forças não se sabe como. O mesmo ocorre com os funcionários do tribunal e dos gabinetes de trabalho”. Beneti também comenta as agruras dos agravos de instrumentos, “numerosos e com andamento em regra mais tormentoso que as apelações, pois implicam várias decisões em cada um, com retornos à mesa de trabalho e juntada de documentos, acrescem-se ao rol”.

Marcondes Machado, que está na magistratura desde 1967 e no TJ paulista desde 1992, acredita que a Justiça de São Paulo tem dois grandes inimigos: a falta de dinheiro e o sistema processual. Para os dois itens, íntimos companheiros da morosidade, o desembargador aponta saídas. A agilização do processo deve vir de uma solução legislativa. “Nossa Justiça como um todo é morosa por causa do nosso sistema processual que comporta muitos recursos. Precisamos de uma simplificação legislativa seja no Direito Penal, seja no Civil. A parte deve ter acesso ao judiciário, mas tudo com uma dosagem do bom senso”.

O desembargador defende uma racionalização do trabalho com investimento. “Tudo é o dinheiro. Para que o tribunal se equipe, se aprimore, é preciso dinheiro, investimento. A verba destinada ao judiciário é muito pequena”.

Sidnei Beneti, da 9ª Câmara de Direito Público do tribunal, também se preocupa com a morosidade que agrava mais ainda o “aumento inimaginável de serviço” com os reflexos da EC 45. “Tenho 33 anos de magistratura. Não pensei que, chegando quase ao fim da careira tivesse de trabalhar tanto assim e em situação de desespero por não ver o fim dos processos”. Atualmente a Seção de Direito Público do TJ tem 17 Câmaras e 83 desembargadores, que segundo os candidatos à presidência da Seção, estão trabalhando dia e noite para dar conta do volume.

Propostas na mesa

Os candidatos à Seção Criminal disseram à reportagem da revista Consultor Jurídico que pretendiam mais participação política no tribunal. Marcondes Machado, de 65 anos, se considera uma pessoa apolítica. Ele não expôs muitos planos para o cargo e também nada prometeu: “não posso prometer agilizar a distribuição, os julgamentos, o aprimoramento da equipe. Posso prometer dar atenção a todos”. Segundo Machado, o juiz tem de se dedicar a sua atividade jurisdicional.

Sobre a participação política no tribunal, o desembargador Sidnei Beneti acredita que será natural devido às novas estruturas das seções. “São todos magistrados com larga experiência, muito tempo de serviço e certamente muitas sugestões importantes surgirão”.

Beneti acredita que, caso venha a ser eleito, só depois de assumir poderá ter uma dimensão do que fazer. “Penso que é preciso conhecer melhor o pensamento dos integrantes da Seção sobre questões administrativas e jurisdicionais”. O desembargador defende que todo o meio jurídico deverá caminhar no sentido de uma doutrina de precedentes, a exemplo de sistemas estrangeiros mais eficazes, que puderem formar jurisprudência estável para a sociedade. A especialização possui papel importante nisso. A Câmara Especial de Falências é um vetor indicativo nesse sentido.

Segundo Beneti, também será necessário descobrir caminhos para enfrentar a situação atual, de produção em larga escala, com tratamento de massa quanto a casos repetitivos ou sazonais, para que passem depressa e permitam mais tempo para os casos individualmente mais profundos. “Os casos repetitivos ou sazonais significam algo como que uma “macro-lide” e devem ser pensados no conjunto. Não faz sentido julgá-los individualmente, um a um, como se fossem individualidades, quando, na verdade, são parte de uma legião. Mas não seria realista se dissesse o que deverá ser feito, sem que tenha assumido a responsabilidade de o fazer”.

O candidato tem alguns pontos para orientação inicial de trabalho, que, entretanto, somente poderá ser desenvolvido após ouvir os desembargadores, em reunião da Seção. Entre esses pontos iniciais: o reexame das “casas” de distribuição, para reorganização segundo os temas de fundo; o planejamento de uma solução para os votos repetitivos; o apoio aos gabinetes de trabalho para produção mais fácil sem perder qualidade; a organização da jurisprudência por temas; o exame inicial de casos para planejar um futuro sistema de “case management”; o implemento de um sistema de informação jurisprudencial funcional, por temas; a funcionalização de cálculos e liquidações, mediante dotação de assessoria técnica aos julgadores; um sistema de atendimento a agravos de instrumento e a liminares urgentes, sem prejudicar a concentração no estudo das apelações, entre outros.

O drama da informatização

Para o desembargador Beneti, a informatização é necessária e inevitável. Significa um avanço muito grande, inclusive para efeitos de dinamização do serviço, acompanhamento correcional, correção de defeitos, promoção de melhoria, disseminação de experiências bem sucedidas e monitoramento de superação de pontos de estrangulamento e de déficit de qualidade.

“Mas é preciso não ser ingênuo, não haja ilusões nessa matéria. A informatização elimina pontos mortos, facilita reprodução de folhas, tornando os autos mais volumosos e também provoca maior quantidade de trabalho. Quando surgiu o computador, imaginou-se que fosse eliminar o escrito e o volume de papéis, mas em muitos casos ocorreu o contrário, porque começou a haver muito mais informação e facilidade de impressão e todos começaram a ajuntar muito mais escritos e papéis”, afirma Beneti.

Sidnei Beneti, de 61 anos, nasceu em Ribeirão Preto, é casado e tem três filhos. É doutor em Direito Processual pela USP, em que lecionou Prática Civil e Instituições Judiciárias. Professor Titular de Direito Processual da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (licenciado), é torcedor do Botafogo de Ribeirão Preto e do Palmeiras. Já publicou seis livros jurídicos e numerosos artigos.

O desembargador Marcondes Machado está na segunda instância desde 1984. Foi professor de Direito Processual Civil por dez anos. Chegou a começar um mestrado com o professor Arruda Alvim, mas teve de abandonar para se dedicar à carreira de juiz. Machado é torcedor do Flamengo no Rio e do Corinthians em São Paulo. É um excelente nadador. O desembargador guarda uma máxima de autoria própria dentro do coração: “A pior coisa é a injustiça. O juiz não pode ser irresponsável”.

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