Papéis trocados

Supremo suspende quebra de sigilo decretada por CPMI

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18 de novembro de 2005, 21h18

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, cassou nesta sexta-feira (18/11) a quebra dos sigilos bancários, fiscal e telefônico da Alexander Forbes Brasil Corretora de Seguros determinada pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios. Não por poucos motivos.

O deputado que pediu a quebra dos sigilos, Carlos Willian (PMDB-MG) trocou a empresa e investiu contra a corretora de seguros localizada em São Paulo, quando a investigada é a Alexander Forbes Resseguros, situada no Rio de Janeiro. A investigação se dá em torno do Instituto de Resseguros (IRB), com a qual a corretora não tem qualquer relação.

O deputado tampouco fundamentou o pedido, como se exige. Os advogados da empresa ainda anexaram ao Mandado de Segurança uma reportagem publicada em O Estado de S.Paulo, dando conta de que o deputado estaria quebrando o sigilo de 33 empresas para acertar-se depois com os empresários.

No que tentou passar por “fundamentação”, o deputado sintetizou seus argumentos em três linhas, afirmando que a corretora está “envolvida, direta ou indiretamente, no caso de possível favorecimento a ‘Brokers’, conforme Relatório Preliminar nº 1 CPMI dos Correios – Subrelatoria do IRB”.

Para o ministro, a argumentação foi “genérica e insuficiente”. O ministro Celso de Mello, contudo, não enveredou por essa seara nem tocou no assunto em sua decisão. Cautelarmente, apenas suspendeu a decisão até que a CPMI responda as questões colocadas por ele.

Carlos Willian é relator da subcomissão que trata do IRB. O ministro Celso de Mello excluiu da lide o deputado, já que o entendimento do STF é no sentido de que iniciativas judiciais contra atos de CPIs só podem ter no pólo passivo o presidente da Comissão.

Leia o despacho do ministro Celso de Mello:

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 25.668-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR

:

MIN. CELSO DE MELLO

IMPETRANTE(S)

:

ALEXANDER FORBES BRASIL CORRETORA DE SEGUROS LTDA

ADVOGADO(A/S)

:

PAULO BEZERRA DE MENEZES REIFF E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S)

:

MARCOS JOAQUIM GONÇALVES ALVES

IMPETRADO(A/S)

:

PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO – CPMI DOS CORREIOS

IMPETRADO(A/S)

:

RELATOR DA SUBCOMISSÃO DE SINDICÂNCIA DO IRB BRASIL RESSEGUROS S/A

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra o Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI/Correios) e o Relator da Subcomissão de Sindicância do IRB Brasil Resseguros S/A, pelo fato de esse órgão de investigação legislativa haver aprovado atransferência dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, desde janeiro de 2002 (…)” (fls. 115), da autora da presente ação mandamental.

A parte ora impetrante, ao postular a invalidação da deliberação em causa, alega que a CPMI dos Correios – ao assim procedertransgrediu o ordenamento positivo, lesando garantias de índole constitucional, notadamente aquela que tem por suporte a cláusula do “due process of law” (CF, art. 5º, LV).

Sustenta-se, ainda, na presente impetração, que o ato alegadamente coator reveste-se de insuperáveis vícios que lhe infirmam a validade jurídico-constitucional, eis que – segundo afirma a impetrante – a decisão da CPMI dos Correios, ora questionada, (a) foi proferidaem face de terceiro que não possui nenhuma relação com o IRB”, (b) emanou de “Poder incompetente, porquanto tal competência é exclusiva do Judiciárioe (c) apresenta-se desprovidade fundamentação, em arrepio ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal” (fls. 26).

Impõe-se examinar, neste ponto, questão preliminar referente à legitimidade passiva “ad causamdo Relator da Subcomissão de Sindicância do IRB Brasil Resseguros S/A, contra quem foi igualmente impetrado o presente writ” mandamental (fls. 03).

E, ao proceder a esse exame, excluo, da relação processual, o referido Relator da Subcomissão, eis que – segundo enfatizado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – somente a Comissão Parlamentar de Inquérito, institucionalmente representada por seu Presidente, dispõe de legitimidade “ad causampara figurar no pólo passivo do processo mandamental (RTJ 169/511-514, Rel. Min. PAULO BROSSARD – RTJ 181/1004-1005, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – MS 23.444/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJU de 02/06/1999 – MS 23.556/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – MS 23.971/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU de 05/06/2001).

Cabe registrar que esse entendimento jurisprudencial encontra apoio em magistério doutrinário (ALEXANDRE ISSA KIMURA, “CPI – Teoria e Prática”, p. 119/121, item n. 5.2, 2001, Juarez de Oliveira), pois – consoante adverte ODACIR KLEIN (“Comissões Parlamentares de Inquérito”, p. 70, 1999, Fabris) – “Tanto no mandado de segurança como no habeas corpus’, o impetrado será, sempre, o Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, e não o do Congresso ou o de suas Casas, visto que a CPI age em nome da instituição parlamentar, recebendo delegação para o exercício da investigação” (grifei).

Passo, desse modo, a apreciar o pedido de medida liminar.

A jurisprudência constitucional firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o alcance da norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República, reconhece assistir, a qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, o poder de decretar, “ex auctoritate propria”, a quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, desde que o faça em ato adequadamente fundamentado, do qual conste referência a fatos concretos que justifiquem a configuração, “hic et nunc”, de causa provável, apta a legitimar a medida excepcional da “disclosure” (RTJ 173/805, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 174/844, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 177/229, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 178/263, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – MS 23.619/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, v.g.):

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO QUEBRA DE SIGILOINOCORRÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FATOS CONCRETOS REFERENTES À PESSOA INVESTIGADA – NULIDADE DA DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR – MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.

A QUEBRA DO SIGILO, POR ATO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO, DEVE SER NECESSARIAMENTE FUNDAMENTADA, SOB PENA DE INVALIDADE.

– A Comissão Parlamentar de Inquérito – que dispõe de competência constitucional para ordenar a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico das pessoas sob investigação do Poder Legislativo – somente poderá praticar tal ato, que se reveste de gravíssimas conseqüências, se justificar, de modo adequado, e sempre mediante indicação concreta de fatos específicos, a necessidade de adoção dessa medida excepcional. Precedentes.

A QUEBRA DE SIGILO – QUE SE APÓIA EM FUNDAMENTOS GENÉRICOS E QUE NÃO INDICA FATOS CONCRETOS E PRECISOS REFERENTES À PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO – CONSTITUI ATO EIVADO DE NULIDADE.

A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o texto da Constituição, quando fundada em deliberações emanadas de CPI, cujo suporte decisório apóia-se em formulações genéricas, muitas vezes padronizadas, que não veiculam a necessária e específica indicação da causa provável, que constitui pressuposto de legitimação essencial à válida ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Carta Política.

(MS 23.964/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Esse entendimento que encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (UADI LAMMÊGO BULOS, “Comissão Parlamentar de Inquérito”, p. 253/257, item n. 2, 2001, Saraiva; ODACIR KLEIN, “Comissões Parlamentares de Inquérito”, p. 67/68, 1999, Fabris Editor; ALEXANDRE ISSA KIMURA, “CPI – Teoria e Prática”, p. 73/81, item n. 3.6, 2001, Ed. Juarez de Oliveira; ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 387, item n. 2.5.1, 18ª ed., 2005, Atlas; OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, “CPI ao Pé da Letra”, p. 131/134, item n. 90, 2001, Millennium; LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES, “Comissões Parlamentares de Inquérito – Poderes de Investigação”, p. 73, item n. 2, e p. 123/126, item n. 7, 2001, Juarez de Oliveira) – repele deliberações de Comissões Parlamentares de Inquérito, que, cingindo-se a meras presunções, ou a referências destituídas “do mínimo necessário de suporte informativo”, ou, ainda, a afirmações vagas e genéricas, nestas fundamentam a medida extraordinária da quebra de sigilo, em claro desrespeito ao modelo institucional de poderes limitados e ao sistema de garantias subjetivas estabelecidos no estatuto constitucional (MS 23.668/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI).

Assentadas tais premissas, necessárias ao exame do pleito, cabe verificar se o ato alegadamente coator ajusta-se, ou não, aos padrões mínimos fixados pela jurisprudência constitucional desta Suprema Corte.

Entendo que não, ao menos em juízo de estrita delibação.

Com efeito, a CPMI dos Correios, ao acolher o Requerimento nº 1219/2005, formulado pelo Deputado Carlos Willian, autorizou a transferência de dados reservados concernentes aos registros bancários, fiscais e telefônicos da ora impetrante – cuja quebra de sigilo foi decretada por esse órgão de investigação parlamentar -, apoiando-se, para tanto, em pedido assim fundamentado (fls. 115):

Por estar envolvida, direta ou indiretamente, no caso de possível favorecimento a ‘Brokers’, conforme Relatório Preliminar nº 1 CPMI dos Correios – Subrelatoria do IRB.

O exame dessa fundamentação – que é genérica e insuficiente – permite reconhecer, na deliberação que nela se apoiou, uma aparente transgressão ao mandamento constitucional que impõe, aos atos de “disclosure”, a necessária observância, por parte de qualquer órgão estatal (como uma CPI, p. ex.), do dever de motivar a adoção de medida tão extraordinária como a que ora se impugna nesta sede mandamental.

É preciso advertir que a quebra de sigilo não se pode converter em instrumento de devassa indiscriminada dos dados – bancários, fiscais e/ou telefônicos – postos sob a esfera de proteção da cláusula constitucional que resguarda a intimidade, inclusive aquela de caráter financeiro, que se mostra inerente às pessoas em geral.

Não se pode desconsiderar, no exame dessa questão, que a cláusula de sigilo que protege os registros bancários, fiscais e telefônicos reflete uma expressiva projeção da garantia fundamental da intimidade – da intimidade financeira das pessoas, em particular -, que não deve ser exposta, enquanto valor constitucional que é (VÂNIA SICILIANO AIETA, “A Garantia da Intimidade como Direito Fundamental”, p. 143/147, 1999, Lumen Juris), a intervenções estatais ou a intrusões do Poder Público, quando desvestidas de causa provável ou destituídas de base jurídica idônea.

Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a cláusula constitucional que outorgapoderes de investigação próprios das autoridades judiciais” a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CF, art. 58, § 3º) traz, quanto a esta, o reconhecimento da necessidade de que os seus poderes somente devem ser exercidos de maneira compatível com a natureza do regime e com respeito (indeclinável) aos princípios consagrados na Constituição da República.

A deliberação parlamentar questionada nesta sede mandamental, no entanto – ao aprovar o Requerimento nº 1219/2005, que apresenta fundamentação desvestida da necessária referência a fatos concretos capazes de justificar a “disclosure” -, parece incidir, ao menos em juízo de incompleta cognição, na censura que esta Suprema Corte proclamou em situações assemelhadas, com apoio em precedentes firmados por seu E. Plenário, como resulta claro de julgamento consubstanciado em acórdão assim ementado:

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITOQUEBRA DE SIGILOAUSÊNCIA DE INDICAÇÃO CONCRETA DE CAUSA PROVÁVEL – NULIDADE DA DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR – MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO.

A QUEBRA DE SIGILO NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE DEVASSA INDISCRIMINADA, SOB PENA DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INTIMIDADE.

A quebra de sigilo, para legitimar-se em face do sistema jurídico-constitucional brasileiro, necessita apoiar-se em decisão revestida de fundamentação adequada, que encontre apoio concreto em suporte fático idôneo, sob pena de invalidade do ato estatal que a decreta.

A ruptura da esfera de intimidade de qualquer pessoa – quando ausente a hipótese configuradora de causa provável revela-se incompatível com o modelo consagrado na Constituição da República, pois a quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. Não fosse assim, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada, que daria, ao Estado – não obstante a ausência de quaisquer indícios concretos – o poder de vasculhar registros sigilosos alheios, em ordem a viabilizar, mediante a ilícita utilização do procedimento de devassa indiscriminada (que nem mesmo o Judiciário pode ordenar), o acesso a dado supostamente impregnado de relevo jurídico-probatório, em função dos elementos informativos que viessem a ser eventualmente descobertos.

(RTJ 182/560, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Por tais razões, e considerados os elementos que me foram apresentados, entendo caracterizada, na espécie, em juízo de sumária cognição, a plausibilidade jurídica da pretensão mandamental deduzida pela ora impetrante, reconhecendo concorrer, ainda, o requisito pertinente ao “periculum in mora”.

Sendo assim, defiro o pedido de medida liminar, para suspender, cautelarmente, até a prestação de informações pelo órgão ora apontado como coator, a eficácia da deliberação da CPMI dos Correios, que, ao acolher o Requerimento nº 1219/2005, formulado pelo Deputado Carlos Willian, ordenou a transferência dos registros fiscais, bancários e telefônicos da ora impetrante.

Caso os documentos e informações em questão já tenham sido entregues à CPMI dos Correios, por efeito da quebra (e transferência) de sigilo da ora impetrante, determino sejam eles lacrados e mantidos sob a guarda do eminente Presidente da referida Comissão Parlamentar de Inquérito, que não poderá utilizá-los nem encaminhá-los a qualquer outro órgão estatal, até nova deliberação do Supremo Tribunal Federal, a ocorrer quando da prestação de informações a esta Corte.

2. Comunique-se, com urgência (Presidente da CPMI dos Correios, Presidente do Banco Central do Brasil, Secretário-Geral da Receita Federal do Brasil, Presidente da ANATEL e as empresas concessionárias Telefonica, Embratel, Vivo, Claro e Tim), encaminhando-se-lhes cópia da presente decisão, para efeito de imediato cumprimento.

3. Requisitem-se informações ao órgão ora apontado como coator, solicitando-lhe cópia da deliberação que ordenou a quebra e/ou a transferência dos registros bancários, fiscais e telefônicos da ora impetrante, bem assim da Ata referente aos trabalhos da Sessão em que se formalizou a decisão questionada nesta sede mandamental.

Publique-se.

Brasília, 18 de novembro de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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