Crédito do fotógrafo

Publicação de fotos após demissão de fotógrafo dá indenização

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17 de novembro de 2005, 10h23

Republicação de fotografias por empresa jornalística depois da demissão do fotógrafo gera indenização. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que condenou a Jayme Câmara Irmãos — editora do Jornal de Brasília — a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 26 mil ao repórter fotográfico Cláudio Alves Pereira. Os danos materiais serão apurados na fase de liquidação da sentença.

Segundo os autos, Cláudio Alves ocupou o cargo de editor de fotografia do Jornal de Brasília. Em julho de 1990, o jornalista foi demitido. Desde então, vários de seus trabalhos fotográficos foram republicados pelo jornal, sem os devidos créditos e o pagamento pelos direitos autorais. A empresa jornalística afirmou que republicou todas as fotos com os créditos, como determina a norma legal.

A primeira instância negou o pedido de indenização por danos morais e materiais. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou os pedidos de danos materiais e morais, mas entenderam que o jornal utilizou indevidamente as fotos. Por isso, condenaram o jornal a indenizar o fotógrafo em quantia equivalente a mil exemplares do jornal, a preço do dia.

Cláudio Alves Pereira apresentou Recurso Especial no STJ. Alegou ofensa aos dispositivos legais que protegem a exclusividade do direito de utilização, de publicação e de reprodução da obra artística, estando, dessa forma, protegida pelo direito à propriedade intelectual.

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, com base em voto do relator do processo à época, ministro Antônio de Pádua Ribeiro, concedeu indenização por danos morais e materiais ao repórter fotográfico. A Turma considerou ter havido utilização indevida da obra do fotógrafo.

Os ministros condenaram o jornal a pagar ao ex-empregado R$ 26 mil por danos morais, corrigidos a partir da data do julgamento. Sobre o valor deverá incidir juros de mora de 0,5% ao mês, desde a data da primeira publicação indevida no jornal, nos termos do enunciado da Súmula 54 do Tribunal.

O jornal também foi condenado ao pagamento de danos materiais, a serem apurados em fase de liquidação, nos termos do artigo 1.553 do antigo Código Civil. Por fim, a indenização referente aos direitos autorais foi aumentada do valor de mil para dois mil exemplares, pela publicação indevida de cada uma das fotos.

Leia a decisão

Dcl no RECURSO ESPECIAL Nº 617.130 – DF (2003/0208381-6)

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):

Os embargos de declaração atacam o acórdão da lavra do eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, assim ementado, in verbis:

“DIREITO CIVIL. DIREITO AUTORAL. FOTOGRAFIA. PUBLICAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. OBRA CRIADA NA CONSTÂNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO. DIREITO DE CESSÃO EXCLUSIVO DO AUTOR. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 30 DA LEI 5.988/73 E 28 DA LEI 9.610/98. DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DIREITO. PARCELA DEVIDA.

DIREITOS AUTORAIS. INDENIZAÇÃO.

I – A fotografia, na qual presente técnica e inspiração, e por vezes oportunidade, tem natureza jurídica de obra intelectual, por demandar atividade típica de criação, uma vez que ao autor cumpre escolher o ângulo correto, o melhor filme, lente apropriada, a posição da luz, a melhor localização, da composição da imagem, etc.

II – A propriedade exclusiva da obra artística a que se refere o art. 30 da Lei 5.988/73, com a redação dada ao art. 8 da 9.610/98, impede a cessão não-expressa dos direitos do autor advinda pela simples existência do contrato de trabalho, havendo necessidade, assim, de autorização explícita por parte do criador da obra.

III – O dano moral, tido como lesão à personalidade, à honra de pessoa, mostra-se às vezes de difícil constatação, por atingir os seus reflexos parte muito íntima do indivíduo – o seu interior. Foi visando, então, a uma ampla reparação que o sistema jurídico chegou à conclusão de não se cogitar da prova do prejuízo para demonstrar a violação do moral humano.

IV – Evidenciada a violação aos direitos autorais, devida é a indenização, que, no caso, é majorada.

V – Recurso especial conhecido e parcialmente provido” (fl. 878).

A teor das razões do recurso:

“Do cotejo do aqui transcrito com o que se contém na peça de interposição do próprio recurso especial julgado pela colenda 3ª Turma do STJ, resta suficientemente comprovado que, lamentavelmente, com todas as vênias cabíveis aos eminentes Ministros, os votos proferidos não se esquadrinharam totalmente a matéria posta em julgamento. Antes, enveredando por questões outras também relevantes, omitiram-se e deixaram de enfrentar a nítida ofensa ao direito federal, perpetrada pelo acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. E note-se que o aqui embargante teve o cuidado de, no momento oportuno, também denunciar omissão perante o tribunal a quo.

É que os art. 21, 25, e 126 da Lei Federal nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973, expressamente referidos e transcritos na petição do recurso especial interposto pelo aqui embargante, dispõe, verbis:

‘Art. 21 – O autor é titular de direito morais e patrimoniais sobre a obra intelectual que produziu.’

‘Art. 25 – São direitos morais do autor: I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a paternidade da obra; II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização da sua obra;’

‘Art. 126 – Quem, na utilização, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo, ou sinal convencional do autor, intérprete ou executante, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhe a identidade:

a) (…)

b) em se tratando de publicação gráfica ou fonográfica, mediante inclusão de errata nos exemplares ainda não distribuídos, sem prejuízo de comunicação, com destaque, por três vezes consecutivas, em jornal, de grande circulação, do domicílio do autor, do editor ou do produtor;’

(…)

Sobre a aplicação de tal norma, vejam, nobres julgadores, que a exemplo do que ocorre com a condenação a pagamento dos honorários advocatícios, que decorrem da mera sucumbência da parte e não depende de pedido expresso, o art. 108 da vigente Lei Federal nº 9.610/98, supra, se impõe no caso dos autos, ainda que não houvesse sido apresentado, como foi (tanto que está aqui transcrito) expresso pedido de condenação da parte vencida, a ‘também publicar as fotografias com o crédito (nome do autor) como pedido na inicial; e impondo, também, ao réu, o ônus da sucumbência, tudo por questão de justiça’ (Apud – pedido-página 28 do presente recurso especial).

Registre-se, por oportuno, que repetidas vezes o acórdão proferido no recurso especial reconhece que as nove (9) fotografias do aqui embargante (único proprietário delas) foram publicadas pela recorrida, deixando de divulgar o nome (crédito) do autor das fotografias. E essa é a única exigência da lei. Condenada a recorrida a indenizar, com foi, impõe-se, por força de lei, que a condenação se estenda, também, à republicação de todas as referidas fotos, por três (3) vezes, com o nome do aqui embargante, como determina a referida norma legal. É o que se impõe ser julgado.

(…)

A simples leitura do acórdão faz prova bastante do manifesto equívoco/contradição cometido por ocasião do julgamento, no que pertine à condenação da recorrida ao pagamento de dano material, representado pela remuneração não percebida pelo autor das fotografias (embargante), que teve sua obra repetidamente veiculada pela embargada, para fins comerciais, sem sua autorização e sem perceber pagamento.

É que, com relação a essa parte do recurso especial, o eminente Ministro Humberto Gomes de Barros (voto-vista), transcrevendo material que cita, deu provimento ao recurso, tendo por evidenciado o dano material suportado pelo aqui embargante, determinando, inclusive, que a apuração se faça na liquidação de sentença, por arbitramento.

(…)

Ora, a leitura do que se contém no referido voto-vista faz prova inconteste de que, no que se refere ao pedido de condenação da recorrida a pagamento de danos materiais, o voto-vista julgou procedente o pedido. E mais, os demais Ministros que votaram a matéria podem também assim haverem entendido que, ao aderirem ao relator (como fez o voto-vista), estavam condenando a recorrida a pagamento de danos materiais; considerando, ainda, que ao que consta do acórdão e sua respectiva certidão, o acórdão foi unânime, resta evidenciado o equívoco/contradição em que ocorreu o julgado. Uma coisa é certa, e absolutamente certa: pelo menos o eminente Ministro Humberto Gomes de Barros acolheu, também neste ponto, o recurso especial interposto.

Mas o equívoco do acórdão não fica nisso. O equívoco/contradição também se faz presente, explicitamente, no voto do douto Ministro Relator, condutor dos demais quanto a isso (e tratando-se de acórdão unânime, o equívoco se faz presente em todos os votos), na matéria pertinente à tiragem das fotografias. É que, data venia, pelo menos com relação a uma delas, é matéria pacífica nos autos de que a tiragem do jornal foi de 89.000 (oitenta e nove mil) exemplares. E o exemplar (ao vivo) do jornal encontra-se nos autos, com a fotografia indevidamente publicada, e com a confessada tiragem de 89.000 exemplares.

Poder-se-ia, ainda, dizer que a hipótese não é bem contradição, ou de equívoco, mas de pura omissão do julgado em analisar a tiragem (incontroversa nos autos) de uma das fotos (a do menor abandonado). De qualquer sorte, vale a reprodução do que foi dito a respeito no recurso especial julgado, verbis:

(…)

‘Este princípio, deve ser desprezado quanto à fotografia ‘menor abandonado’ publicada em suplemento especial do ‘Jornal de Brasília’ e do Jornal ‘O Popular’. É que nos autos se encontra um exemplar do referido encarte no qual consta, claramente (fls. 56, 57 e 58) que tal edição foi de 89.000 (oitenta e nove mil) exemplares. Assim, com relação a tal publicação ilícita, a base de cálculo da condenação deve ser 89.000 exemplares, e não 1.000 como consta na sentença'” (fls. 890/896).

Em contra-razões sustenta a embargada:

“Primeiramente, não procede o pedido pela ‘republicação de todas as referidas fotos, por três (3) vezes, como o nome do aqui embargante, como determina a referida norma legal’ no jornal da embargada visto que os artigos 21, 25 e 126 da Lei n. 5.988/73 e artigo 108 da Lei n. 9.610/98 não foram objeto de análise pela parte do v. acórdão proferido pelo e. TJDF e sequer ventilados no v. acórdão proferido por esse e. STJ, originário dos embargos de declaração aqui combatido, causa da ausência do necessário prequestionamento.

(…)

Contudo, ainda que não fosse o caso, padece também de plausibilidade o pedido de publicação formulado pelo embargante visto que a embargada foi condenada a indenizar os danos morais causados à parte (parcela fixa e parcela a ser liquidada quando da execução da sentença), não havendo que se falar em complementação/majoração de indenização.

(…)

E mais, de nada adiantaria a determinação da republicação das fotografias inquinadas pelo embargante em razão do tempo decorrido, cuja medida seria inócua, não parecendo lógico a ressurreição de fatos caídos no esquecimento que de nada aproveitaria a quaisquer dos litigantes, além de também ir em sentido contrário ao paradigma utilizado na fundamentação do v. acórdão hostilizado (REsp n. 121.757).

(…)

Ora, se o v. acórdão embargado aplicou corretamente a lei da época do caso concreto (Lei n. 5.988/73), consoante as provas constantes dos autos, não há que se falar em majoração da indenização para a fotografia intitulada ‘menor abandonado’, ainda que alegadamente veiculada em 89.000 edição de encarte jornalístico.

A Lei Federal n. 5.988/73, aplicável à época, orientava em seu artigo 61 que, ‘no silêncio do contrato, considera-se que cada edição constitui dois mil exemplares'” (fls. 908/909).

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):

Os embargos de declaração, que têm propósito declaradamente modificativo, apontam, em suma, os seguintes vícios no acórdão embargado:

a) omissão quanto ao pedido de republicação das fotos por três vezes, agora constando adequadamente o nome do embargante como seu autor;

b) contradição entre o voto do relator e o voto-vista proferido pelo eminente Ministro Humberto Gomes de Barros quanto à condenação ao pagamento de danos materiais;

c) contradição quanto ao valor da indenização pela publicação da foto ‘menor abandonado’, cuja tiragem, comprovada nos autos, foi de 89.000 exemplares. Com razão, em parte.

A omissão do acórdão embargado, quanto ao pedido de republicação das obras fotográficas, por três vezes, com o nome de seu autor, é justificada pela ausência de prequestionamento da matéria. O voto condutor proferido no tribunal a quo deixou de apreciar o aludido pedido, sem que o recorrente tenha oportunamente tentado suprir a omissão por meio de embargos de declaração.

Mas tem razão o embargante no que diz respeito à contradição havida entre o voto proferido pelo eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, que não teria reconhecido o direito à indenização por danos materiais, e o voto-vista proferido pelo eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, que transcreveu em sua fundamentação ementa da lavra do eminente relator, em que fora acolhido o pedido de danos materiais, cuja apuração inclusive fora remetida para liquidação de sentença.

Da consulta às notas taquigráficas relativas à sessão de julgamento do recurso especial, que passam a integrar este voto, verifica-se que realmente o voto e a ementa do relator juntados aos autos não refletem o que ficou decidido pela egrégia Terceira Turma.

Delas constaram como parte dispositiva do julgado, in “Conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para acolher em parte o pedido e condenar a recorrida a pagar ao recorrente, a título de danos morais, a importância de vinte e seis mil reais, corrigidos a partir desta data, sob a qual incidirão juros de mora de 0,5% ao mês, desde a data da primeira publicação indevida no jornal da recorrida, nos termos do enunciado da Súmula 54 deste Tribunal, condenando-a, ainda, ao pagamento de danos materiais, a ser apurado em fase de liquidação por arbitramento, nos termos do art. 1.553 do antigo Código Civil, bem como majorar a indenização referente aos direitos autorais para dois mil exemplares, pela publicação indevida de cada uma das fotos. Tendo em vista a sucumbência mínima do autor, condeno a ré a pagar as custas processuais e a verba advocatícia, que fixo em 10% sobre o valor da condenação.”

Ao passo que do voto juntado aos autos constou como parte dispositiva: “Em face do exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para acolher, em parte, o pedido inicial e condenar a recorrida a pagar ao recorrente, a título de danos morais, a importância de R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais), corrigida a partir desta data e sobre o qual incidirão juros de mora de meio por cento ao mês desde a data da primeira publicação indevida no jornal da recorrida, nos termos do enunciado n. 54 da Súmula do STJ, bem como para majorar a indenização referente aos direitos autorais para 2.000 (dois mil) exemplares pela publicação indevida de cada uma das fotos. Tendo em vista a sucumbência mínima do autor, condeno a ré a pagar as custas processuais e a verba advocatícia que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação” (fl. 873).

Tendo em vista que todos os demais integrantes da Terceira Turma acompanharam o relator também no que diz respeito à procedência do pedido de condenação à indenização por danos materiais, bem como à sua apuração por meio de liquidação, deve valer o que foi julgado pela Turma, e não o que erroneamente constou do voto e ementa juntados aos autos.

O que, finalmente, o embargante chama de contradição não tem essa natureza. Com efeito, não obstante as razões de apelação tenham procurado demonstrar que a foto do menor abandonado, cuja publicação teve tiragem certa de 89.000 exemplares, merecia tratamento diferente daquele dado às demais fotos (fl. 610), o tribunal a quo nada decidiu a respeito, embora tivesse sido provocado por embargos de declaração (fls. 799/800 e fls. 806/807). À míngua de indicação de contrariedade ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, já não há o que fazer nesta instância.

Voto, por isso, no sentido de acolher os embargos de declaração em parte, para dar ao voto condutor do acórdão embargado a seguinte parte dispositiva:

Conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para acolher, em parte, o pedido e condenar a recorrida a pagar ao recorrente, a título de danos morais, a importância de R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais), corrigidos a partir desta data, sobre as quais incidirão juros de mora de 0,5% ao mês, desde a data da primeira publicação indevida no jornal da recorrida, nos termos do enunciado da Súmula 54 deste Tribunal, condenando-a, ainda, ao pagamento de danos materiais, a ser apurado em fase de liquidação por arbitramento, nos termos do art. 1.553 do antigo Código Civil, bem como para majorar a indenização referente aos direitos autorais para dois mil exemplares, pela publicação indevida de cada uma das fotos. Tendo em vista a sucumbência mínima do autor, condeno a ré a pagar as custas processuais e a verba advocatícia, que fixo em 10% sobre o valor da condenação.

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