Baixaria na TV

Ministério Público faz acordo com RedeTV! e encerra litígio

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16 de novembro de 2005, 19h15

As ações do Ministério Público Federal contra a RedeTV! e o apresentador João Kleber foram encerradas nesta quarta-feira (16/11). O procurador regional de Defesa da Cidadania de São Paulo, Sergio Gardenghi Suiama, protocolou no Tribunal Regional Federal da 3ª Região o acordo entre o MPF e a emissora. O fim da ação contra o apresentador faz parte do acordo.

Com isso, o TRF-3 não deve mais julgar o mérito do Agravo de Instrumento da emissora contra a decisão que havia retirado a emissora do ar, bloqueando o seu sinal na Anatel em São Paulo por 48 horas. Após a rejeição da liminar, foi assinado o acordo entre a RedeTV!, o MPF e as Organizações Não-Governamentais que co-assinaram a Ação Civil Pública.

Pelo acordo, a RedeTV! terá de transmitir 30 programas sobre Direitos Humanos, das 17h às 18h, de segunda a sexta-feira, entre os dias 5 de dezembro e 13 de janeiro. A emissora não poderá vender anúncios nos intervalos dos programas e terá de pagar, divididos em 16 parcelas, R$ 200 mil para a produção dos programas. A primeira parcela vence no dia 30 de novembro. A empresa se compromete ainda a depositar R$ 400 mil no Fundo de Defesa de Direitos Difusos, divididos em 20 parcelas e com correção monetária pelo índice IPCA-IBGE. A multa diária pelo descumprimento do acordo é de R$ 50 mil e não é preciso ser cobrado pela via judicial.

A RedeTV! também garantiu que não vai mais apresentar as “pegadinhas” com ofensas a homossexuais, afrodescendentes, indígenas, mulheres, idosos, crianças e adolescentes e pessoas com deficiência. O quadro não poderá ter também ofensas ou humilhações a pessoas do povo ou xingamentos e palavras de baixo calão. O acordo tira do ar o chamado “Teste de Fidelidade”, do programa noturno de João Kleber, Eu Vi Na TV. Em troca, o apresentador e a União também deixaram de ser réus na ação.

Como o bloqueio do sinal foi feito na Anatel, a emissora só saiu do ar para quem recebe suas imagens por antenas. Os assinantes de TV continuaram acompanhando a programação da emissora normalmente durante as cerca de 24 horas que a RedeTV! ficou fora do ar. Da mesma forma que em outras situações, os oficiais de Justiça não haviam conseguido citar os responsáveis pela emissora.

A juíza Rosana Ferri Vidor, da 2ª Vara Cível Federal em São Paulo, resolveu suspender o sinal da emissora na segunda-feira, depois do MPF ter apresentado informações sobre o descumprimento por parte da RedeTV! da liminar que foi concedida pela própria juíza. O MPF reclamava de dificuldades para citar os responsáveis pela empresa, o descumprimento da decisão judicial de ser colocado um noticiário nacional no lugar do programa Tarde Quente e a falta do depósito do valor para a produção de dez programas educativos como direito de resposta das entidades que se sentiram ofendidas pelas chamadas pegadinhas do programa apresentado, dirigido e produzido por João Kleber.

A RedeTV!, segundo a liminar, teria de depositar R$ 500 mil para a produção dos dez programas. Determinou ainda o pagamento de uma multa diária de R$ 200 mil para o caso de descumprimento da decisão. Diferentemente da decisão judicial, a emissora passou a transmitir no horário o infantil Vila Maluca. O descumprimento da decisão foi publicado pela Consultor Jurídico. O MPF pediu a suspensão do sinal, segundo o pedido, para garantir o respeito à decisão judicial.

A ação é parte de um conjunto de medidas do MPF e de entidades — como a Quem Financia a Baixaria É Contra a Cidadania — contra os programas de conteúdo discriminatório. A entidade faz um ranking quadrimestral de queixas de telespectadores contra programas considerados de baixo nível. Na contagem geral, os dois programas de João Kleber estão entre os mais citados. O Eu Vi na TV também é alvo de procedimento no MPF. O apresentador já se propôs, no MPF e para a entidade, a melhorar a qualidade de seus programas televisivos, mas não cumpriu a promessa.

Os autores da ação também expediram uma recomendação à Móveis Marabrás, sugerindo que a empresa pare de patrocinar programas como os do apresentador. Em um outro procedimento, os procuradores investigam a falta de fiscalização do Ministério das Comunicações sobre a programação das concessionárias de sinal televisivo. A empresa aceitou o pedido e não vai mais anunciar no programa.

Além da RedeTV!, a Rede Globo, a TV Gazeta, a Rede Record e a Rede Mulher já foram acionadas na Justiça por causa de sua programação. O Ministério Público Federal em Brasília recomendou que a Globo retirasse do ar quadros do Zorra Total de conteúdo homofóbico, assim como do programa do apresentador Sérgio Mallandro, da TV Gazeta. No caso das redes Record e Mulher, ambas controladas pela Igreja Universal do Reino de Deus, a reclamação é contra os programas religiosos que discriminam as religiões afro-brasileiras e seus praticantes. Nesse caso, a Justiça já concedeu o direito de resposta, que ainda não foi apresentado por causa de um recurso no STJ que adiou a exibição até o julgamento de um pedido de reconsideração das emissoras no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Leia a integra do acordo entre o MPF e a RedeTV!

TERMO DE ACORDO JUDICIAL

Pelo presente instrumento, de um lado o

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador Regional dos Direitos do Cidadão infra-assinado, e as organizações da sociedade civil já qualificadas nos autos, neste ato representadas por seus advogados;

INTERVOZES – COLETIVO BRASIL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL;

CENTRO DE DIREITOS HUMANOS;

ASSOCIAÇÃO DA PARADA DO ORGULHO DOS GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS E TRANSGÊNEROS DE SÃO PAULO;

ASSOCIAÇÃO DE INCENTIVO À EDUCAÇÃO E SAÚDE DE SÃO PAULO – AIESSP;

AÇÃO BROTAR PELA CIDADANIA E DIVERSIDADE SEXUAL – ABCDS;

e IDENTIDADE – GRUPO DE AÇÃO PELA CIDADANIA HOMOSSEXUAL;

doravante denominados simplesmente AUTORES;

e de outro TV ÔMEGA LTDA., neste ato representado por sua procuradora, Dra. Virgínia da Silveira Galante Fraga, inscrita na OAB/SP sob o nº 195.488, que declara, sob responsabilidade criminal, ter poderes para a prática deste assento, doravante denominada simplesmente RÉ;

celebram o presente acordo, em plantão judicial, com fundamento no art. 269, inciso III, do Código de Processo Civil, relativamente aos autos da ação civil pública n.º 2005.61.00.24137-3, distribuída perante a 2ª Vara Federa Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, para pôr fim ao processo com julgamento de mérito, nos seguintes termos:

CLÁUSULA PRIMEIRA. A Ré acima indicada se obriga a:

a) exibir em rede nacional (NET) 30 programas com conteúdo de direitos humanos apresentados pelos Autores em formato Betacam, de segunda a sexta-feira, no horário das 17 às 18 horas, no período de 05 de dezembro de 2005 a 13 de janeiro de 2005;

b) se abster de exibir, durante a exibição dos programas indicados na alínea anterior, qualquer intervalo comercial ou campanha publicitária;

c) depositar, em conta-corrente a ser indicada pelos Autores, a título de verba de produção dos programas referidos na alínea anterior, a importância de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), em dezesseis parcelas iguais de R$ 12.500,00 (doze mil e quinhentos reais), com vencimento nos dias 30 e 10 de cada mês, a partir do dia 30 de novembro de 2005;

d) depositar, na conta-corrente do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, instituído pela Lei Federal n.º 7.347/85, a importância de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), em vinte parcelas de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), monetariamente corrigidas pelo índice IPCA-IBGE, com vencimento nos dias 10.07.06; 10.08.06; 10.09.06; 10.10.06; 10.03.07; 10.04.07; 10.05.07; 10.06.07; 10.07.07; 10.08.07; 10.09.07; 10.10.07; 10.03.08; 10.04.08; 10.05.08; 10.06.08; 10.07.08; 10.08.08; 10.09.08 e 10.10.08;

e) se abster de exibir, no quadro “Pegadinhas” ou outro similar, ofensas a homossexuais, afrodescendentes, mulheres, idosos, pessoas com deficiência, indígenas, crianças e adolescentes;

f) se abster de exibir, no quadro “Pegadinhas” ou outro similar, ofensas ou humilhações a pessoas comuns do povo;

g) se abster de exibir, no quadro “Pegadinhas” ou outro similar, xingamentos ou palavras de baixo calão;

h) se abster de exibir, no quadro “Teste de Fidelidade” ou outro similar, mulheres sendo “testadas” por atores do programa;

i) se abster de exibir, no quadro “Teste de Fidelidade” ou outro similar, xingamentos e ofensas morais ou físicas a mulheres, homossexuais, afrodescendentes, idosos, pessoas com deficiência, indígenas, crianças e adolescentes;

j) cumprir fielmente a classificação indicativa realizada pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação – DJCTQ, órgão integrante da Secretaria Nacional de Justiça;

l) desistir, no prazo de 24 horas da homologação judicial do presente acordo, do agravo de instrumento n.º 2005.03.00.089359-2, interposto perante o E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e distribuído ao Desembargador Carlos Muta, e de qualquer recurso que impugne o objeto da presente ação.

Parágrafo único. O atraso não superior a dois dias úteis no depósito dos valores referidos nas alíneas “b” e “c” da presente cláusula não importarão na incidência da multa prevista na cláusula terceira, desde que a mora não se repita por mais de dois meses consecutivos.

CLÁUSULA SEGUNDA. Os Autores, por seu turno, obrigam-se a:

a) entregar, na sede da emissora, no departamento de cinema, os programas de direitos humanos produzidos nas condições indicadas na alínea “a” da cláusula primeira;

b) se abster de fazer, nos programas de direitos humanos acima referidos, referências ou comentários negativos à emissora;

c) utilizar os recursos referidos na alínea “b” da cláusula primeira exclusivamente na produção, criação e edição dos programas de direitos humanos acima referidos, sendo facultado à Ré exigir, a qualquer momento, a prestação de contas dos valores gastos;

d) requerer, após a homologação judicial do presente acordo, a imediata e urgente revogação da decisão que ordenou a interrupção do sinal da emissora.

Parágrafo único: Na eventualidade da fita entregue à emissora apresentar algum defeito de ordem técnica que comprometa a qualidade do material a ser exibido, a emissora deverá repetir o programa divulgado no dia útil imediatamente anterior.

CLÁUSULA TERCEIRA . Na hipótese de descumprimento de quaisquer das obrigações contidas no presente termo, haverá a incidência de multa cominatória no valor de R$ 50.000,00, por dia de descumprimento, sem prejuízo da execução judicial da obrigação inadimplida.

CLÁUSULA QUARTA. O presente termo produzirá seus regulares efeitos a partir da homologação pelo juízo, e constitui, para todos os fins, título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do Código de Processo Civil.

Parágrafo único: a celebração do presente acordo não importa em reconhecimento do pedido pela Ré da ação.

CLÁUSULA QUINTA . Os Autores desistem expressamente da ação em relação aos réus JOÃO FERREIRA FILHO e UNIÃO, não se aplicando o § 4º do art. 267 do Código de Processo Civil, porque ainda não decorrido o prazo para a resposta, não importando, a desistência, de forma alguma, em renúncia ao direito em relação aos dois réus acima indicados.

E, por estarem justos e acordados, celebram o presente termo, o qual será submetido à homologação judicial de imediato, pondo fim ao processo judicial, com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, inciso III, do Código de Processo Civil.

São Paulo, 15 de novembro de 2005.

SERGIO GARDENGHI SUIAMA

Procurador da República

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão

FERNANDO DE OLIVEIRA CAMARGO

OAB/SP 144.638

PAULO TAVARES MARIANTE

OAB/SP 89.915

VIRGÍNIA DA SILVEIRA GALANTE FRAGA

OAB/SP 195.488

Advogada TV ÔMEGA

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