Isolamento social

Presidente do STJ defende construção de presídios em ilhas

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14 de novembro de 2005, 12h39

O ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça, defendeu, em entrevista ao programa Justiça para todos, da TV Justiça, a criação de presídios a céu aberto, em ilhas oceânicas. “Precisamos pegar algumas ilhas oceânicas e fazer presídios a céu aberto com oficinas, escolas, uma cidade que será habitada por sentenciados, que estarão apartados da sociedade para um processo, uma experiência de ressocialização. Essa gente vai respirar ar puro, em vez de ficar trancafiada como sardinhas enlatadas”, afirmou.

Para Vidigal, a medida seria boa até mesmo para o turismo: “Vamos até estimular o turismo, porque podemos fazer hotéis de trânsito para as famílias visitarem os seus parentes e, se quiserem, poderão até morar lá também”.

O ministro defende que a idéia pode parecer antipática, mas não é absurda. Segundo ele, a Austrália é um dos maiores países do mundo e começou como uma grande penitenciária da Inglaterra. No Brasil, Vidigal afirma que “a ilha de Trindade poderá ser amanhã um grande estado do Brasil. Podemos utilizar outras ilhas também que, inclusive, estão em mãos de particulares”.

Leia a entrevista

Justiça para todos — Ministro, o senhor tem algumas idéias polêmicas, como a criação de presídios em ilhas oceânicas. Seria uma saída?

Vidigal — A sociedade brasileira vive acuada com a questão da segurança, as pessoas fazem mais discursos do que agem. O Brasil não tem, hoje, penitenciária federal. Será inaugurada uma em Campo Grande. O secretário de Política Penitenciária do Ministério da Justiça disse-me que o presídio do Paraná, o primeiro que fizeram, custa em média R$ 30 mil por preso. Isso é loucura! Prende-se o camarada e ele custa R$ 30 mil para o contribuinte? São experiências fracassadas. Precisamos pegar algumas ilhas oceânicas e ali fazer presídios a céu aberto com oficinas, escolas, uma cidade que será habitada por sentenciados, que estarão apartados da sociedade para um processo, uma experiência de ressocialização. Essa gente vai respirar ar puro em vez de ficar trancafiada como sardinhas enlatadas. Vamos até estimular o turismo, porque podemos fazer hotéis de trânsito para as famílias visitarem os seus parentes e, se quiserem, poderão até morar lá também. Vamos estimular experiências de artesanato, de carpintaria, de sapataria. Enfim, colocar os presos em um ofício, em uma profissão ou em uma escola.

Justiça para todos — Alguns acham a idéia antipática.

Vidigal — Precisamos acabar com a questão de o homem público jogar para a arquibancada. Ora, apenas porque a idéia é antipática não a colocarei em discussão? Essa é uma idéia que a turma dos direitos humanos pula lá fora e não quer saber. Mas a Austrália, por exemplo, é um dos maiores países do mundo e começou como uma grande penitenciária da Inglaterra. A ilha de Trindade poderá ser amanhã um grande estado do Brasil. Podemos utilizar outras ilhas também que, inclusive, estão em mãos de particulares.

Justiça para todos — Outra proposta polêmica é quanto à criação de varas agrárias federais. A justiça estadual acha que isso vai acabar tirando a competência dela.

Vidigal — A questão das varas agrárias foi-me sugerida, no começo da minha administração, pelo presidente Lula, que me pediu para providenciar isso. Eu disse: “Ótimo! O senhor sanciona mais uma lei de novas varas e vamos fazer agir.” Criamos um grupo de trabalho com a participação mista de senadores, deputados, pessoas do Executivo e houve uma grande discussão sobre o tema. Enfrentei polêmica com a AMB – Associação dos Magistrados do Brasil. Moral da história: o Conselho aprovou e o Ministério da Justiça pediu o projeto que, até hoje, não foi para a Presidência da República. Senti a vontade do presidente da República em apertar o botão, mas a luz, infelizmente, não acendeu. A idéia morreu no Ministério da Justiça, certamente acionado pelo Ministério da Fazenda. Então, existe uma guerrinha no Brasil, quer dizer, o Governo trabalha sem muito entrosamento. Na administração do STJ, estamos dando exemplo de como administrar a coisa pública pensando no hoje e no amanhã.

Justiça para todos — Agilidade e transparência foram as metas estabelecidas quando assumiu a Presidência do STJ, em abril do ano passado. O senhor ampliou o horário de atendimento do Tribunal, que hoje funciona o dia inteiro, criou a Ouvidoria e está conseguindo acabar com o acúmulo de processos no STJ. Acredita que conseguiu cumprir, pelo menos, grande parte delas?

Vidigal — Estou satisfeito porque acertei na escolha da equipe, e o resultado é uma equipe entrosada. O trabalho em conjunto rende muito mais quando vem com uma carga de idealismo, de patriotismo, de compromisso, de sentimento e de responsabilidade. Esse é o segredo do sucesso que estamos colhendo. Para se ter noção, um recurso especial no STJ demorava, em média, dois anos e meio a três ou até a quatro anos. Hoje, a média é de 120 – 150 dias para o trâmite. Ainda é muito, mas, quando conseguirmos a informatização completa do processo judicial, a partir do escritório do advogado até a decisão do trânsito em julgado publicada no Diário da Justiça on-line, teremos uma justiça com a resposta rápida.


Justiça para todos — Havia cerca de 240 mil processos/ano, cuja distribuição o senhor conseguiu esgotar. Este ano o senhor vai conseguir alcançar também esse nível?

Vidigal — Existe uma demanda muito grande, prova de que as pessoas acreditam na Justiça, porque ninguém vai buscar uma justiça se não acreditar nela. Temos 31 ministros na jurisdição e os outros dois na administração. Como presidente também tenho jurisdição, mas não é com o aumento do número de ministros que vamos reduzir essa carga. Temos que aumentar o número de juízes federais, de juízes estaduais, ampliar a Justiça na base, de modo que o juiz, estando mais perto da sociedade, possa decidir, refletindo os anseios mais latentes da sociedade. E com a reforma infraconstitucional, com a reforma das leis procedimentais, iremos, então, reduzir, também, o número de recursos e, diminuindo esse número, faremos com que a Justiça tenha mais tempo para pensar melhor o Direito, realizando melhor a justiça.

Justiça para todos — O senhor foi um árduo defensor da ampliação e da interiorização das varas federais. Sente que a missão está cumprida nesse aspecto ou falta muita coisa?

Vidigal — Falta muita coisa. Até o fim do ano, serão instaladas as 183 varas prometidas para 2005-2008. Com o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil, que tem sido uma aliada muito poderosa da nossa Administração no Congresso Nacional e em outras frentes de batalha, conseguimos antecipar para dezembro deste ano. Já encaminhamos ao Congresso, depois de aprovado pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Pleno do STJ, o projeto de criação de mais 400 varas. Estamos com os recursos na rubrica interiorização da Justiça Federal na proposta de orçamento e eis que, de repente, alguém inseriu na LDO — que é uma lei de eficácia limitada porque só tem vigência por um ano — emenda estabelecendo que as propostas referentes ao Poder Judiciário tinham que ser apreciadas, antes, pelo Conselho Nacional de Justiça. Trata-se de um equívoco. O presidente da Câmara dos Deputados sobresteve o andamento do projeto de criação das 400 varas, que já estava indo muito bem, e o encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça. Quando encaminhei o projeto à Câmara, tive o cuidado de enviá-lo também ao Conselho Nacional de Justiça.

Justiça para todos — Como está agora a situação?

Vidigal — Fiz um ofício ao presidente da Câmara pedindo que reconsidere e peça-o de volta. Ao Conselho Nacional de Justiça lembrei que já tinha encaminhado o projeto, pedindo uma prioridade para que tenhamos esta lei ainda este ano, porque, já no ano que vem teremos, de saída, mais 50 varas ou, pelo menos 20, antes de terminar o meu mandato, no princípio de abril.

Justiça para todos — A criação de novas varas também passa pela instalação dos Juizados Especiais Federais, que é uma forma de jurisdição muito importante?

Vidigal — A cada vara nova teremos, além do juiz titular, o juiz-substituto e o substituto a ele acoplado do Juizado Especial. Agora mesmo implantamos um Juizado Especial Itinerante em Açailândia, no sul do Maranhão. Chega a ser comovente ver aquelas pessoas idosas vindo dos mais distantes pontos do estado, “do interior do mato”, como diz a canção do nosso ministro da Cultura, Gilberto Gil, com uma única esperança: a justiça. E em que justiça? No Juizado Especial sem clientelismo, sem paternalismo, sem esses “ismos” das políticas sociais que se implantam no Brasil, sem aquela coisa da esmola, como dizia Luiz Gonzaga: “Seu doutor uma esmola/ A um homem que é são? Ou lhe mata de vergonha/ Ou vicia o cidadão…”. Fizemos um pacto com a Câmara, com o Senado, com o dr. Jorge Maurique e com o nosso amigo Nelson Machado, que era do Planejamento e agora está na Previdência. Constituímos uma comissão para tratar desse problema. Durante 30 dias, enquanto a comissão estiver trabalhando, o Governo não irá se intrometer nessa questão. O que ocorre é que no Orçamento sempre ficou reservada uma quantia certa para essas causas de pequeno valor. Mas a demanda cresceu muito e não há uma previsão orçamentária. Em todo o Governo, acontece uma coisa curiosa no Brasil: pode mudar o partido — PT, PC do B, qualquer “P” que se coloque —, que mude a cara do presidente, a área econômica será a mesma. Mudam os nomes das pessoas também na área econômica, mas, se formos ver no underground, são as mesmas pessoas. Quando não são as mesmas pessoas, são as mesmas idéias.

Justiça para todos — Quais são essas idéias?

Vidigal — Fechar o caixa, segurar o dinheiro, aumentar impostos. Então, viram que o Juizado Especial estava dando uma demanda orçamentária já além do previsto. É claro! Compreende-se que ninguém pode governar sem previsão orçamentária. Temos que encontrar uma maneira de podermos aumentar as chamadas RPVs, que são as Requisições de Pagamento de Valores, em vez de remeter por precatório para o ano seguinte, quando já devíamos ter acabado com todo e qualquer precatório. Essa é uma idéia que também defendo, substituindo a dívida do Poder Público por um título judicial, que o juiz emite, e a pessoa o vende na praça, na bolsa, com deságio, enfim, mas essa pessoa viu o direito dela ser reconhecido e, então, resgatará o seu crédito junto a quem estiver interessado.


Justiça para todos — Antes de encerrar, é inevitável tocar no assunto de que o senhor, recentemente, foi alvo de ataques de uma revista de grande circulação. Como o senhor responde a isso?

Vidigal — Avisei aos amigos, familiares, parentes e aderentes que todos estivessem preparados, porque o ser humano é capaz de muitos pecados. E um dos mais graves que a humanidade comete contra si própria é o da inveja. Sempre que você desponta, começa a fazer alguma coisa e não tem medo de decidir, você é alvo da inveja, e é muito curioso que nós, magistrados, juízes federais, juízes de primeiro grau, aliás todos os juízes, quando decidimos, as pessoas não respeitam essa decisão, pois ainda não estamos em um patamar civilizatório para isso. Citei a frase de Shakespeare: “Se você não quiser sofrer nenhum ataque, não seja nada, não faça nada. Mas, se você fizer alguma coisa e se for alguma coisa, você sofrerá ataque”. Infelizmente, isso faz parte da vida pública. Creio que o homem público tem satisfações a dar à sociedade, por mais injusto que seja o ataque que ele sofra. E lamento que no Brasil a honra das pessoas não esteja valendo nada. Para resgatarmos a cidadania brasileira, para que possamos ter um projeto de nação, não podemos ser um povo e não podemos ascender ao patamar de grande nação se não tivermos dignidade, o valor da dignidade. E o respeito à dignidade começa pela defesa dos valores fundamentais da pessoa humana, e o primeiro valor chama-se “honra”. No Brasil, ninguém respeita a honra de ninguém. A própria lei prescreve rapidamente, porque a pena máxima é de dois anos, e as questões referentes à honra seguem para o Juizado Especial.

Justiça para todos — Qual a sua proposta?

Vidigal — Proponho que, no Brasil, os crimes contra a honra sejam imprescritíveis, porque sendo imprescritíveis todos contarão até dez antes de ofender a honra do outro. A história de indenização por dano moral é bobagem. O dano moral, no caso dos “coleguinhas” jornalistas, por exemplo, tem que atacar a credibilidade deles. Não há como tomar o dinheiro deles, porque nem têm, são mal pagos. Então, que se ataque a credibilidade. O crime imprescritível daria uma potencialidade maior nas ações. As pessoas contariam até mil antes de fazer algo.

Justiça para todos — O seu mandato termina em abril do próximo ano. O senhor tem o sentimento de missão cumprida? O que pretende fazer depois, dedicar-se à poesia?

Vidigal — Terei direito a dois meses de férias, que acho pouco. Depois vou pensar, porque estou cada vez mais atento à lição do Eclesiastes: “Todas as coisas têm o seu tempo”. Então, depois da Presidência do STJ, virá um novo tempo. Tudo o que temos a fazer é estar prontos para o que vem. Não posso sonhar em ir à lua, se não estiver na Nasa. Não posso sonhar em dar mais contribuição ao meu País, se não estiver perto do território onde as contribuições possam ser convocadas. Quanto à poesia, como dizia Rubem Braga em uma frase muito simples: “A poesia é necessária”.

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