Falha no serviço

Saque indevido de FGTS gera indenização a cliente

Autor

11 de novembro de 2005, 18h58

O Banco do Brasil foi condenado a pagar R$ 9 mil de indenização por danos morais a um cliente que teve seu FGTS sacado de maneira fraudulenta. A decisão é da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Cabe recurso.

Segundo os autos, o dinheiro foi sacado depois da apresentação de documento falso, atestando que o titular da conta havia sido demitido da empresa que atuava. Testes de grafia revelaram que as assinaturas colhidas na transação eram forjadas e, além disso, o número da identidade apresentado no momento do saque não era o mesmo do cliente do banco.

Para o Tribunal de Justiça gaúcho, ficou claro que a instituição financeira deveria ser responsabilizada pelo dano. “Como gestor da conta vinculada, deve o banco responder pelo valor indevidamente sacado, ainda que ausente a prova de conluio entre as diversas pessoas envolvidas no processo de movimentação da conta”, observou o relator, desembargador Luiz Ary Vessini de Lima.

O desembargador entendeu que o dano moral, neste caso, situa-se in re ipsa, ou seja, indissociável do ocorrido. “Possível constatar a ocorrência de defeito na prestação o serviço da instituição financeira demandada, a qual não logrou demonstrar qualquer fato desconstitutivo de sua responsabilidade. Tal situação, por certo, acarreta não só a responsabilidade dos danos materiais, como também os morais”, definiu.

Processo 70012188926

Leia a íntegra da decisão

RESPONSABILIDADE CIVIL. LIBERAÇÃO FRAUDULENTA DO FGTS. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS.

É responsável o banco pelos serviços que coloca à disposição do cliente, respondendo, em conseqüência, pela falha que culminou com o saque havido na sua conta vinculada do FGTS, mediante fraude efetivada por terceiro, que se fez passar por aquele, devendo, pois, ser condenado a devolver os valores indevidamente liberados, bem como a indenizar o autor pelos transtornos sofridos. Inteligência do art. 14 da Lei 8078/90. Entendimento segundo o qual o dano moral puro independe de prova, defluindo naturalmente da situação indigitada.

A indenização deve servir como forma de impor reprimenda ao causador, evitando reincidência, não devendo, porém, servir de instrumento de enriquecimento sem causa daquele que sofreu o prejuízo, cujo montante deve ser arbitrado em consonância com as peculiaridades do caso concreto.

APELO DO RÉU IMPROVIDO, PROVENDO-SE O RECURSO ADESIVO.

APELAÇÃO CÍVEL — DÉCIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70012188926 — COMARCA DE PORTO ALEGRE

BANCO DO BRASIL S/A — APELANTE/RECORRIDO ADESIVO

BENEDITO ROQUE MARTINS — RECORRENTE ADESIVO/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo da ré e prover o recurso adesivo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (PRESIDENTE) E DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA.

Porto Alegre, 06 de outubro de 2005.

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA,

Relator.

RELATÓRIO

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (RELATOR)

Benedito Roque Martins ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra o Banco do Brasil S/A, em razão de saque fraudulento do seu FGTS.

A sentença, de fls. 200/202, julgou a ação parcialmente procedente, condenando o réu ao pagamento de Cr$ 217.704,00, a titulo de dano material, convertida e atualizada monetariamente pelos mesmos percentuais aplicados às contas vinculadas do FGTS, no período de 14/09/90 a 08/07/93 e, após, pelo IGPM, tudo acrescido de juros de 0,5% ao mês, contados da citação. Ambas as partes foram condenadas ao pagamento de custas e honorários periciais, de forma proporcional. Cada litigante deverá pagar, ainda, honorários advocatícios ao patrono do adverso, estes fixados em 15% sobre a parcela de seu respectivo decaimento. Suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação ao autor, por litigar sob o pálio da AJG.

Em razões recursais, às fls. 204/207, o réu diz que a sentença deve ser reformada. Entende que não se vislumbrou qualquer fraude no momento do saque, uma vez que o apelado compareceu à agência munido de sua documentação e retirou os valores reclamados, tendo, inclusive, assinado recibos de movimentação da conta. Refere que não poderia exigir-se do banco outra conduta, senão a de liberar os valores. Aduz que não possuem peritos grafotécnicos para conferir a autenticidade das assinaturas. Menciona que a quantia, já convertida, de R$ 12.000,00, a qual o autor apresentou quando da propositura da ação como sendo o valor sacado, revela-se elevado e totalmente aleatório, pois não há qualquer embasamento documental. Por fim, postula o provimento do apelo.

Por sua vez, o autor em suas razões de recurso adesivo, às fls. 217/222, diz que a sentença deve ser parcialmente reformada. Afirma que há dano moral, o qual está in re ipsa. Assevera que assim que tomou conhecimento dos saques indevidos, insurgiu-se contra o mesmo, sem, no entanto, receber qualquer orientação ou tentativa de solução do infortúnio por parte da instituição financeira. Cita julgados e postula o provimento do apelo.

Em contra-razões, às fls. 231/216 e 224/229, o autor e o réu, respectivamente, refutaram as articulações esposadas nos recursos adversos, pugnando pelo seu não-provimento.

Recebi os autos.

É o relatório.

VOTOS

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (RELATOR)

Colegas! Deve ser mantida em essência a r. sentença.

Trata-se de ação indenizatória, em que o autor pretende reaver o valor sacado por terceira pessoa, referente a seu FGTS, com anuência do demandado, que não tomou as providências mínimas necessárias para averiguação da autenticidade dos documentos apresentados.

Relatou que, segundo funcionários do banco, o saque teria sido realizado em razão de sua demissão da empresa João Hoppe Industrial S/A, o que não ocorreu, e que a assinatura constante na movimentação da conta não é sua, como demonstrado pelo Inquérito instaurado pela Polícia Federal.

A julgadora singular, em percuciente análise das questões controvertidas, esgotou a matéria, exarando sentença de parcial procedência. Dada a pertinência, adotam-se tais fundamentos, integrando-os a este julgado como razões de decidir, evitando-se indesejável tautologia. Disse sua Excelência:

(…)

“As provas colhidas no inquérito policial instaurado por requisição do Ministério Público Federal, bem como a perícia produzida nestes autos, não deixam dúvida de que o saque havido na conta vinculada do FGTS do autor deu-se mediante fraude.

O documento foi produzido de forma irregular pela empresa, pois não houve qualquer despedida do autor. Além disso, os peritos concluíram de forma categórica que a assinatura lançada na autorização para movimentação da conta vinculada (AM) (cópias de fls. 17/18 e 92/93), como sendo do autor, é inautêntica. Aliás, o contraste entre a assinatura lançada no documento e as assinaturas habituais do autor é possível de ser constatado por qualquer leigo. O perito do juízo também afastou a possibilidade de o autor reproduzir os traços gráficos do fraudador.

Não se sabe que documentos foram exigidos do sacador para a conferência da autorização de pagamento pelo caixa. Inclusive, o saque operou-se mediante transferência on line do valor depositado para outra agência do Banco do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro/RJ (fl. 49). O número do documento de identidade informado pelo sacador sequer pertence ao demandante. O beneficiário do crédito também não foi identificado pelo Banco, durante a investigação policial. (ver relatório de fls. 66/69).

Desimporta o fato de o inquérito ter sido concluído sem o depoimento de funcionários do réu. Como gestor da conta vinculada, deve o Banco responder pelo valor indevidamente sacado, ainda que ausente a prova de conluio entre as diversas pessoas envolvidas no processo de movimentação da conta. O valor de R$ 12.000,00 foi uma estimativa trazida pelo autor do prejuízo material decorrente. Desnecessidade de perícia nesta fase do processo.

Assim, mantém-se a r. sentença no ponto parcialmente reproduzido, modificando-a, porém, em relação aos dano morais, os quais entende-se devidos.

É que da análise dos autos, possível constatar a ocorrência de defeito na prestação do serviço da instituição financeira demandada, a qual não logrou demonstrar qualquer fato desconstitutivo de sua responsabilidade. Tal situação, por certo, acarreta não só a responsabilidade dos danos materiais, como também dos morais, pois no caso, estão “in re ipsa”.

Nesse sentido é o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho, verbis:

“…por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vitima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum.(1)

Veja-se a lição de Caio Mário da Silva Pereira:

“A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva” (Responsabilidade Civil, nº 49, pág. 60, 4ª edição, 1993).(2)

Tal indenização tem-se dito, deve atender aos seus aspectos pedagógico e reparatório, bem como guardar consonância com as peculiaridades do caso concreto e os parâmetros balizados pela Câmara.

Assim, considerando-se a capacidade econômica do ofendido e do ofensor, sendo o primeiro pessoa de poucas condições (que, inclusive, litiga sob o pálio da AJG) e a segunda, poderosa instituição financeira, sendo os danos de relativa extensão, consubstanciados nos transtornos causados ao demandante, inclusive pelo simples fato de comparecer à polícia federal para prestar esclarecimentos, arbitro os danos morais em R$ 9.000,00, que devem ser corrigidos monetariamente pelo IGPM a contar desta data e acrescidos de juros de 12% ao ano desde a citação.

Destarte, pelo exposto, o voto e pelo IMPROVIMENTO do apelo do réu e PROVIMENTO do recurso adesivo. Diante disso, redimensiono a sucumbência, o réu arcará com a totalidade das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, atendidos os critérios legais.

É como voto.

DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA (REVISORA) – De acordo.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (PRESIDENTE) – De acordo.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN – Presidente – Apelação Cível nº 70012188926, Comarca de Porto Alegre: “NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO RÉU E PROVERAM O RECURSO ADESIVO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: ELISA CARPIM CORREA

Notas de rodapé

1- CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4ª ed., p. 525. São Paulo, Malheiros, 2003.

2- PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, nº 49. 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 60.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!