Objeto da investigação

STF mantém quebra de sigilos da Leão Leão pela CPI dos Bingos

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11 de novembro de 2005, 21h57

Está mantida a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico da empresa Leão e Leão determinada pela CPI dos Bingos. O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, negou liminar em Mandado de Segurança impetrado pela empresa.

O ministro entendeu que não houve desvio de finalidade. Ou seja, que a quebra dos sigilos tem ligação com o objeto de investigação da CPI, que é a relação entre o crime organizado e os jogos de azar. Ayres Britto afirmou que “o requerimento faz menção aos concursos de prognósticos bancados pela Caixa Econômica Federal, assim como os sorteios que atendem pelo nome de bingos”.

O ministro citou os “fortes indícios” de que o então vice-presidente da Leão e Leão, Rogério Buratti, teria agido como facilitador na renovação de contrato entre a empresa Gtech do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Tal contrato estaria relacionado a atividades lotéricas. “Sabido que atividades lotéricas também se incluem nas modalidades de sorteio ou jogos que se caracterizam pelo resultado aleatório”, observou.

Britto acrescentou que a empresa não informou quem seria responsável pelo vazamento de informações sigilosas da Leão Leão à imprensa, como alegou no Mandado de Segurança, o que o impossibilitou de tomar providências sobre o caso.

MS 25.599

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 25.599-4 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO

IMPETRANTE(S): LEÃO & LEÃO LTDA

ADVOGADO(A/S): JOÃO AGRIPINO DE VASCONCELOS MAIA E OUTRO(A/S)

IMPETRADO(A/S): COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DO SENADO FEDERAL – CPI DOS BINGOS

DECISÃO: Vistos, etc.

Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado pela empresa Leão & Leão LTDA. Mandado pelo qual a acionante impugna ato da “Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal – CPI dos Bingos”, que aprovou o Requerimento nº 085/05, de autoria do Senador Garibaldi Alves. Requerimento que teve por objeto “a transferência dos sigilos bancários, fiscal e telefônico da empresa LEÃO & LEÃO LTDA”.

2. Pois bem, alega a empresa autora que “os fatos determinados que ditaram a constituição da Comissão não guardam qualquer relação com os fundamentos do requerimento”. Donde complementar sua fundamentação com o juízo de que “cometeu a Comissão Parlamentar de Inquérito desvio de finalidade, com claro abuso de poder (…), ao pretender investigar a impetrante, que nada tem com seu objeto, ainda que de forma conexa, sem que houvesse o aditamento indispensável”.

3. Prossigo neste relato para consignar que o pedido de mérito do presente mandamus consiste na anulação do ato impugnado e, liminarmente, na sustação dos efeitos desse mesmo ato.

4. Solicitadas prévias informações, pugnou a autoridade coatora pelo indeferimento da liminar e, no mérito, pela denegação da ordem.

5. Este o aligeirado retrospecto do feito.

6. Passo a decidir. Antes, porém, do exame da medida acautelatória requestada, analiso os fundamentos do ato impugnado, para o fim de acesso aos dados sigilosos da impetrante. Ei-los:

“Nos termos do disposto no § 3º do art. 58 da Constituição federal, bem como do art. 148 do Regimento Interno do Senado Federal, requeiro a transferência dos sigilos bancários, fiscal e

telefônico, da empresa LEÃO & LEÃO LTDA, CNPJ 55.979.264/001-20, a esta Comissão Parlamentar de Inquérito, nos últimos cinco anos.

JUSTIFICAÇÃO

Em início de 2003, a empresa Gtech do Brasil renovou um contrato milionário com a Caixa Econômica Federal, relacionado a atividades

lotéricas. A renovação desse contrato demandou longa negociação com a atuação de diversos agentes públicos supostamente relacionados à prática de atos ilícitos como tráfico de influência e

corrupção ativa e passiva, envolvendo cifras na ordem de até R$ 20 milhões, conforme objeto de investigação desta CPI.

Nesse período, o Sr. Waldomiro exercia o cargo de subchefe de assuntos parlamentares da Casa Civil da Presidência da República. O Sr. Carlos Augusto Almeida Ramos intermediou um encontro entre o Sr. Waldomiro e representantes da empresa Gtech do Brasil Ltda. Em que foi tratada a renovação de um contrato da empresa Gtech com a Caixa Econômica Federal. A renovação deste contrato inclusive é objeto de investigação por parte do TCU, Ministério Público e Polícia Federal. Há fortes indícios de que o Sr. Waldomiro tenha participado nos “bastidores” da renovação desse contrato, avaliado em mais de R$ 600 milhões, por intermédio da imposição à Gtech da contratação de um “consultor” para facilitar as negociações junto à CEF, ao custo de R$ 15 milhões. Tal

“consultor” seria o Sr. Rogério Tadeu Buratti, cuja quebra de sigilo telefônico pelo IPL nº 04.312./04/DPF/DF demonstrou uma grande quantidade de ligações para as seguintes pessoas: Ralf Barquete Santos, Marcelo José Rovai, Empresa Gtech, Enrido Giannelli e Denivaldo Henrique de Araújo. Naquela época o Sr. Buratti era vice-presidente da empresa Leão & Leão, que também fazia aportes consideráveis de recursos à sua empresa BBS Consultoria, que já teve os sigilos fiscal, telefônico e bancário transferidos a esta CPI. A Leão & Leão também é alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo tendo em vista de indícios de irregularidades em licitações e contratos com órgãos públicos municipais.

Diante desses indícios a transferência dos sigilos requeridos é de fundamental importância para os trabalhos investigativos dessa comissão”.

(Sem destaques no original)

7. Presente esta moldura, entendo, num juízo sumário que é próprio das cautelares, ser o caso de indeferimento da liminar postulada. É que o ato de transferência de dados parece guardar estreita relação com o objeto das investigações da CPI dos Bingos.

8. Em boa verdade, o Requerimento nº 245/2004 — que ensejou a abertura da sobredita Comissão Parlamentar — consigna que o escopo das investigações legislativas é apurar as relações existentes entre “crime organizado e jogos de azar” (fls. 41). Mais à frente, esse mesmo requerimento faz menção aos concursos de prognósticos bancados pela Caixa Econômica Federal, assim como aos sorteios que atendem pelo nome de “bingos”. Uns e outros incluídos na ontologia mesma dos “jogos de azar”.

9. Daqui se deduz que é neste preciso panorama que se inserem os dados da Leão & Leão LTDA. Isto porque o ato fustigado se reporta aos “fortes indícios” de que o então vice-presidente da empresa, Sr. Rogério Buratti, teria agido como “facilitador” na renovação de contrato celebrado entre a Gtech do Brasil e a Caixa Econômica Federal – CEF.

Contrato, esse, “relacionado a atividades lotéricas” (Requerimento nº 085/05). Sabido que “atividades lotéricas” também se incluem nas modalidades de “sorteio” ou jogos que se caracterizam pelo seu resultado aleatório.

10. Em palavras outras, o requerimento impugnado, além de devidamente motivado, parece guardar vinculação com o fato determinado que se fez de objeto de investigação da “CPI dos Bingos” (relação entre jogos de azar e crime organizado). Razão por que não enxergo, por ora, violação ao § 3º do art. 58 da Magna Carta.

11. Acresce que as alegações da impetrante, no sentido de que seus dados sigilosos estão sendo indevidamente comunicados à imprensa, não vieram acompanhadas de qualquer indicação sobre a quem imputar esse comportamento. O que me impede, nesta fase, de adotar providências sobre tal notícia.

12. De toda sorte, não me custa frisar que a jurisprudência desta Casa de Justiça encara com extremos de cautela a possibilidade de divulgação de dados juridicamente acobertados pela cláusula constitucional do sigilo (inciso XII do art. 5º da Constituição Federal). Neste sentido, em boa medida, é a ementa do MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello:

“A QUESTÃO DA DIVULGAÇÃO DOS DADOS RESERVADOS E O DEVER DE PRESERVAÇÃO DOS REGISTROS SIGILOSOS.

– A Comissão Parlamentar de Inquérito, embora disponha, ex propria auctoritate, de competência para ter acesso a dados reservados, não pode, agindo arbitrariamente, conferir indevida publicidade a registros sobre os quais incide a cláusula de reserva derivada do sigilo bancário, do sigilo fiscal e do sigilo telefônico.

Com a transmissão das informações pertinentes aos dados reservados, transmite-se à Comissão Parlamentar de Inquérito — enquanto depositária desses elementos informativos —, a nota de confidencialidade relativa aos registros sigilosos.

Constitui conduta altamente censurável — com todas as conseqüências jurídicas (inclusive aquelas de ordem penal) que dela possam resultar — a transgressão, por qualquer membro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, do dever jurídico de respeitar e de preservar o sigilo concernente aos dados a ela transmitidos.

Havendo justa causa — e achando-se configurada a necessidade de revelar os dados sigilosos, seja no relatório final dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (como razão justificadora da adoção de medidas a serem implementadas pelo Poder Público), seja para efeito das comunicações destinadas ao Ministério Público ou a outros órgãos do Poder Público, para os fins a que se refere o art. 58, § 3º, da Constituição, seja, ainda, por razões imperiosas ditadas pelo interesse social

– a divulgação do segredo, precisamente porque legitimada pelos fins que a motivaram, não configurará situação de ilicitude, muito embora traduza providência revestida de absoluto grau de excepcionalidade (…)”.

13. Por tudo quanto posto, indefiro a medida liminar e mantenho integralmente o ato impugnado (aprovação do Requerimento nº 085/05, na 11ª Reunião da CPI dos Bingos, de 11/08/2005).

14. Comunique-se.

Publique-se.

Brasília, 08 de novembro de 2005.

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