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Valor pago por aluno para instrutor de academia é salário

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9 de novembro de 2005, 13h47

O valor pago pelos alunos diretamente para o personal trainer, contratado pela academia, é considerado salário e deve ser contabilizado no cálculo da rescisão do contrato de trabalho. O entendimento, da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, foi aplicado no julgamento do Recurso Ordinário da academia Competition.

Um ex-instrutor da Competition ingressou com ação na 10ª Vara do Trabalho de São Paulo reclamando que, no cálculo das verbas devidas pela rescisão de seu contrato de trabalho, a academia não considerou a remuneração que ele recebia diretamente dos alunos pelas aulas particulares. Segundo ele, seu salário era de R$ 493,72, mas recebia R$ 4.8000 por mês por causa do atendimento personalizado.

Em sua defesa, a Competition afirmou que não contratou o instrutor para trabalhar como personal trainer, com horário estendido e recebendo comissões. A academia alegou que o contrato de trabalho “limitava-se a três horas diárias, horário este distribuído numa escala de trabalho, planejada para todo o período”.

A primeira instância acolheu a tese da empresa. O instrutor recorreu ao TRT de São Paulo. Afirmou que não tinha “qualquer autonomia no desempenho de sua função de personal trainer” e que o fato de receber o dinheiro diretamente do aluno “não altera sua condição de empregado”.

Para o relator do recurso, juiz Ricardo Artur da Costa e Trigueiros, o fato de o instrutor receber o pagamento das aulas particulares diretamente dos alunos não significa que isso não seja salário. “Trata-se de parcela salarial dissimulada que, no contexto da relação trabalhista, deve ser tratada como verdadeiro salário.”

A academia Competition foi condenada a pagar ao ex-instrutor as remunerações pela demissão sem justa causa, com base no salário mensal acrescido dos valores que ele recebia como personal trainer dos alunos.

Leia a íntegra da decisão

4ª. TURMA — PROCESSO TRT/SP NO: 01935200201002000 (20030847146)

RECURSO: RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: FERNANDO BEZESCKY DE AZEVEDO MARQUES

RECORRIDO: SPORTCO S/C LTDA.

ORIGEM: 10ª VT DE SÃO PAULO

EMENTA: INSTRUTOR E PERSONAL TRAINER. ATIVIDADES EXERCIDAS NA PRÓPRIA ACADEMIA. PAGAMENTO DIRETO PELOS ALUNOS. SALÁRIO À MARGEM DOS RECIBOS. CARACTERIZAÇÃO.

Impossível acolher a alegação da defesa de que durante parte da jornada o reclamante era empregado (instrutor de musculação), e noutra parte, autônomo (personal trainer), uma vez que tanto no período sob registro como nas demais horas trabalhadas, o reclamante desenvolvia, dentro da academia e com o uniforme da reclamada, atividades de mesma natureza, necessárias ao funcionamento da empresa. O fato de o reclamante receber o pagamento das aulas como personal trainer, diretamente dos alunos, descontada a parte da empresa, não descaracteriza a natureza salarial dessa verba. De resto, não pode o empregador valer-se de prática por ele autorizada para obter a descaracterização dos salários oferecidos à margem dos recibos.

Contra a respeitável sentença de fls.254/255 recorre ordinariamente o reclamante sustentando que não possuía qualquer autonomia no desempenho de sua função de personal trainer. Argumenta que a alegação de autonomia de parcela do período de trabalho leva à inversão do ônus probandi. Afirma que o recebimento diretamente do aluno, não altera sua condição de empregado. Alega que a jornada extraordinária restou configurada. Insurge-se quanto ao indeferimento do salário-família, alegando que a reclamada tinha conhecimento da prole.

Contra-razões fls.270/279.

Considerações do Digno representante do Ministério Público do Trabalho, fls.285, quanto à inexistência de interesse público que justificasse sua intervenção.

É o relatório.

V O T O

Conheço porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

O reclamante alega na peça vestibular (fls.04) que recebia a título de salário o valor de R$493,72, e ainda, a título de comissão e “por fora”, o valor de R$48,00 por hora-aula personalizada, totalizando o montante de R$4.800,00 decorrentes de 100 horas-aulas por mês.

De outra parte, a reclamada, em contestação, no item “5” fls.68, negou que o reclamante tivesse sido contratado para exercer as funções de “personal training” (sic), com horário estendido e recebendo comissões.

A reclamada sutilmente no item 6 fls.68 alegou que o contrato de trabalho limitava-se a 3(três) horas diárias, horário este distribuído numa escala de trabalho, planejada para todo o período. Aduziu que era neste período e somente nele que o contrato de tralho se configurava, ou seja que estavam presentes os elementos caracterizadores do contrato laboral, e que no tempo de trabalho excedente, o reclamante, embora podendo usar o espaço físico da reclamada, atuava de forma autônoma, na condição de personal trainer.


Em suma, a reclamada portanto sustentou a existência de um sistema de trabalho híbrido, em que o reclamante era empregado registrado como instrutor em parte da jornada (3 horas) e personal trainer autônomo em outras horas, além da escala normal de trabalho, estando autorizado a atuar nessa última condição, dentro ou fora do estabelecimento da Academia.

A contestação afirma que o preço das aulas personalizadas era pago diretamente pelo aluno ao treinador pessoal, não havendo interferência na negociação, o que afastaria a figura do salário “por fora” denunciado na peça de estréia.

Todavia, ainda segundo a contestação, no horário em que se ativava como autônomo, o personal trainer destinava à reclamada uma parte de seu ganho pela utilização da estrutura da academia e a divulgação.

Que o reclamante trabalhou na reclamada, como personal trainer, após a jornada contratual de 3 horas, não há a menor dúvida. A própria reclamada admite o fato do trabalho diário após a jornada de 3 horas.

A questão está em saber se essa atividade era mesmo autônoma, e portanto, desvinculada do contrato de trabalho, ou se ao contrário, como sustenta a inicial, tratava-se de serviço extra, de mesma natureza, simplesmente pago “por fora”.

Ora, o exame da prova oral não abona a tese defensiva.

Do depoimento esclarecedor da reclamada às fls.14 extraem-se os seguintes aspectos: “(..)que inicialmente, a reclamada não cobrava nenhum valor dos professores que davam aulas na condição de personal trainer, mas a partir de 1997, a reclamada passou a cobrar uma taxa de R$6,00 por aula, sendo que atualmente o valor é de R$12,00 por aula (…)..que o serviço de personal trainer não é oferecido pela reclamada, mas sim , divulgado pela reclamada, esclarecendo que um dos motivos que a reclamada cobra a taxa acima mencionada é o fato da reclamada efetuar a divulgação desse serviço (…) que no último dia do mês, os instrutores apresentavam um relatório referente as aulas ministradas como personal trainer que o Sr. Cassio conferia esse relatório; que os instutores pagavam a taxa até o dia 10 do mês seguinte; que o reclamante não pôde dar aulas personalizadas após ser dispensado da reclamada (…) que entretanto, se o instrutor quisesse realmente atuar como personal trainer, o mesmo tinha de freqüentar o curso; que na condição de personal trainer, o instrutor tinha de seguir duas regras da reclamada, quais sejam, utilizar uniforme e não atender telefone celular durante a aula.”

A testemunha do reclamante, Sr. Paulo César Lopez, às fls.228, confirma que a relação era nitidamente empregatícia, pois asseverou “…que o depoente teve conhecimento das aulas de personal training através da recepção da reclamada que faz conhecimento das aulas de personal training através da recepção da reclamada que faz a divulgação desse tipo de serviços…” e esclareceu ainda “…que quando se interessou pelas aulas de personal training, o depoente se dirigiu à recepção da reclamada, informando que os funcionários da recepção passaram as seguintes informações: o nome dos personal training disponíveis no horário em que o depoente tinha interesse em ter aulas de personal training preço da aula e taxa para a academia pela prestação de serviços de personal training …” (sic -grifamos).

Inconteste, ainda, que o recorrente, durante toda a sua ativação, exercia misteres coincidentes com o ramo de atividade explorado pela reclamada, inclusive além das 3 horas diárias formalmente contratadas.

O fato de o reclamante receber o pagamento das aulas como personal trainer diretamente dos alunos, descontada a parte da empresa, não descaracteriza que o valor percebido tratava-se de salário, ainda que este se apresentasse de forma mascarada pelo empregador.

De resto, não pode o empregador valer-se de prática por ele autorizada, qual seja a de receber das mãos dos alunos, para obter a descaracterização dos salários.

Em suma, a condição de empregado durante toda a jornada prestada nas dependências da reclamada emerge da realidade fática do desenvolvimento da atividade laboral, e não do nomen juris ou revestimento formal dado pelas partes à relação ou função.

No caso sub judice, a realidade fática demonstra que o reclamante durante toda a jornada, seja como instrutor ou personal trainer, prestava serviços pessoais, não eventuais e subordinados, como efetivo empregado da reclamada.

O relacionamento entre as partes, durante todo o tempo de trabalho, revela a prestação de serviços inerentes à atividade-fim da reclamada.

Vale lembrar que o autor, durante os momentos em que atuou como personal trainer, permanecia trabalhando dentro da reclamada e envergando obrigatoriamente o uniforme da empresa.


Incompatível assim, a condição híbrida referida na versão da defesa, no cotejo com a realidade fática informada pela prova dos autos.

Desse modo, a jornada contratual não pode ficar limitada apenas ao lapso temporal das 15:30 às 18:30 horas, devendo ser considerado também, como de efetivo exercício para compor a carga horária, o período em que o reclamante ativou-se como personal trainer, valendo lembrar que esse sobretempo não foi especificamente contestado, limitando-se a empresa a dizer que se tratava de labor autônomo.

Nesse contexto, também não tendo sido contestado o valor de R$48,00, pela hora aula personalizada, já deduzidos os R$12,00, ainda que pago diretamente pelos alunos através de artifício autorizado pelo empregador, deve ser considerado como efetivo salário, integrando-se para efeitos reflexos nos descansos semanais remunerados, aviso prévio, férias, 13º salário. FGTS, multa de 40% e cálculo das horas extras.

Com efeito, trata-se de parcela salarial dissimulada, que no contexto da relação trabalhista deve ser tratada como verdadeiro salário, visto que o ato jurídico carrega intrinsecamente a fraude com intuito de desvirtuar os princípios protecionistas do Direito do Trabalho, a teor do artigo 9ª consolidado.

Não havendo contestação específica quanto à jornada integral cumprida pelo reclamante, reconheço o horário de trabalho do autor como sendo das 07:00 às 21:30 horas às segundas, terças, quintas e sextas-feiras, e das 15:30 horas às 18:30 horas às quartas-feiras, sempre com uma hora de intervalo para refeição e descanso.

Destarte, na fase liqüidanda apurar-se-á o efetivo valor devido a título de horas extras, assim havidas todas as que excederam de oito no dia e de 44 na semana, observando-se a jornada acima reconhecida, o divisor 220, a evolução salarial, a globalidade salarial (salário + hora aula personalizada de R$48,00, assim consideradas aquelas além das 3 horas diárias), os dias efetivamente laborados, segundo os registros de ponto, os adicionais previstos nas normas coletivas durante a sua vigência, e na sua falta, o adicional de 50%.

Porque habitual o labor em sobretempo, o valor pertinente às horas extras, pago e por reparar, integra-se aos salários para todos os efeitos e gera os reflexos pretendidos na remuneração dos descansos semanais (domingos) e feriados, nas férias e natalinas, inclusive proporcionais, aquelas com acréscimo do terço constitucional, do aviso prévio e nos depósitos e multa (40%) do FGTS, conforme vier a ser apurado em liquidação, compensando-se todos os importes menores pagos.

Reformo.

SALÁRIO-FAMÍLIA

O reclamante, na inicial, item IV (fls.05), alegou que a reclamada nunca lhe pagou salário-família, devendo saldar esse título em primeira audiência, sob pena do artigo 467 da CLT.

A reclamada, em contestação, alegou, em síntese, que não foi comunicada no tocante à prole do reclamante.

Improcede a pretensão, vez que não há prova da efetiva entrega ao empregador, da certidão de nascimento de filhos.

Incide na espécie a Súmula nº 254 do C.TST que dispõe o seguinte:

“Salário-família. Termo inicial da obrigação.

O termo inicial do direito ao salário-família coincide com a prova da filiação. Se feita em juízo, corresponde à data de ajuízamento do pedido, salvo se comprovado que anteriormente o empregador se recusara a receber a respectiva certidão.” (Res. 2/1986, DJ 02.07.1986)

Desse modo, não existindo prova de comunicação à reclamada da filiação, ou de recusa do recebimento das certidões, improcede a pretensão.

Reformo.

DOS JUROS DE MORA

Juros de mora a partir da data do ajuizamento da reclamatória (artigo 883 da CLT) na taxa de 1% (um por cento) ao mês conforme previsto no artigo 39 da Lei 8.177/91, observada a Súmula nº 200 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho.

DA CORREÇÃO MONETÁRIA

A correção monetária observará os termos do artigo 39 da Lei 8.177/91 c/c 459 da CLT e Súmula nº 381 do C. TST.

DOS DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS

Recolhimentos previdenciários incidirão sobre os valores devidos mês a mês, calculáveis com as alíquotas e tabelas pertinentes, de acordo com suas vigências, deduzindo-se mensalmente os valores já recolhidos, observando-se o disposto pelos artigos 20 da Lei 8.212/1991 e 276, § 4º do Decreto nº 3.048/99 e a Ordem de Serviço nº 66 do Secretário da Previdência Social.

Recolhimentos fiscais, decorrentes do disposto no artigo 46 da Lei nº 8.541/92 e do Prov. 1/96 da CGJT, serão calculados no regime de caixa (lei nº 7.713/88), tomando-se todo o rendimento recebido e aplicando-se tabela e alíquotas do mês do pagamento, verificando-se os dependentes e as parcelas da condenação isentas de recolhimento, como os juros de mora (artigo 46, § 1º, inciso I, da Lei 8.541/92), as férias indenizadas (Súmula 125 do STJ), o FGTS e as multas normativas, facultada ao autor a busca de eventual restituição ao apresentar sua declaração anual de ajuste.

Do exposto, conheço do recurso ordinário interposto e, no mérito, DOU PROVIMENTO PARCIAL, condenar a reclamada no pagamento de reflexos nos descansos semanais remunerados, aviso prévio, férias, 13º salário. FGTS e multa de 40% das horas-aulas personalizada pagas por fora, que fixo em R$48,00, bem como condeno a reclamada no pagamento de horas extras assim havidas todas as que excederam de oito no dia e de 44 na semana, observando-se a jornada reconhecida, o divisor 220, a evolução salarial, a globalidade salarial (salário + hora aula personalizada de R$48,00, assim consideradas aquelas além das 3 horas diárias), os dias efetivamente laborados, segundo os registros de ponto, os adicionais previstos nas normas coletivas durante a sua vigência e na sua falta o adicional de 50%, bem como reflexos em descansos semanais (domingos) e feriados, nas férias e natalinas, inclusive proporcionais, aquelas com acréscimo do terço constitucional, no aviso prévio e nos depósitos e multa (40%) do FGTS, conforme vier a ser apurado em liquidação. Juros e correção monetária na forma do artigo 39, § 1º, da Lei 8.177/91 e Súmula nº 200 do C.TST. Descontos fiscais e previdenciários na forma do Provimento 01/96 da Corregedoria do TST, por força da Lei nº 8541 de 23.11.92, tudo a apurar em liquidação, na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo. Arbitro o valor da condenação em R$10.000,00, no importe de R$2.000,00. a cargo da reclamada. Mantenho, no mais, a r. decisão de primeiro grau, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

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