Dissidência na Ordem

Diretoria da escola da OAB-SP pede demissão e critica D’Urso

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9 de novembro de 2005, 17h27

A diretora da Escola Superior de Advocacia da seccional paulista da OAB, Ada Pellegrini Grinover, pediu demissão. Na carta em que anuncia o desligamento, entregue ao presidente da entidade, Luiz Flávio Borges D’Urso, Ada descreve um quadro de sucateamento da escola. A carta é assinada também pela vice-diretora Eunice de Jesus Prudente e pelos membros do Conselho Curador da escola.

Segundo a carta, desde o começo da gestão de D’Urso a Escola Superior de Advocacia foi desprestigiada. Houve pressões para que a indicação de coordenadores se fizesse por critérios políticos, e não por critérios técnico-científicos, e os cortes de custos chegaram até à suspensão do fornecimento de bolachas para o lanche dos professores dos cursos.

A gota d’água para que a decisão fosse tomada foi o corte da remuneração dos coordenadores de cursos de aperfeiçoamento, sem os quais “a Escola não conseguirá montar e ministrar seus cursos no mesmo nível de excelência mantido até agora”. De acordo com os demissionários, as tarefas dos coordenadores “não podem e não devem ser gratuitas, sob pena de não se encontrarem pessoas qualificadas para funções tão relevantes”.

Os diretores descrevem episódios em que interesses políticos motivaram decisões da presidência da seccional paulista da Ordem e o corte de custos aparentemente irrelevantes, como a supressão do folder semestral que divulgava a programação dos cursos oferecidos pela Escola. Contudo, “os resultados foram desastrosos, com a queda abrupta do número de inscritos no presente semestre e o correlato não oferecimento de diversos cursos por falta da devida publicidade”.

A diretoria afirma também que sob a presidência dos advogados Rubens Approbato Machado e Carlos Miguel Aidar a Escola Superior gozou “de plena autonomia didático-pedagógica, que lhe permitiu desenvolver-se e crescer, tornando-se, no dizer de todos, a melhor escola de advocacia do país”. Mas que sob a administração de D’Urso o tratamento foi diametralmente oposto.

As críticas ganham peso porque são chanceladas por um nome respeitado da advocacia paulista, o de Ada Pellegrini Grinover. A advogada é professora titular de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito de São Paulo, procuradora do Estado aposentada e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

Leia a carta de demissão

Senhor Presidente:

A Escola Superior de Advocacia, criada e instalada no início da gestão do Dr. Rubens Approbato Machado, gozou durante a referida gestão e na seguinte, sob a Presidência do Dr. Carlos Miguel Aidar, de plena autonomia didático-pedagógica, que lhe permitiu desenvolver-se e crescer, tornando-se, no dizer de todos, a melhor escola de advocacia do país, que prima pelo atingimento de seus objetivos: o aprimoramento dos advogados e a melhor execução de seus serviços, por intermédio da educação continuada.

A autonomia didático-pedagógica da Escola é assegurada por sua estrutura, cabendo exclusivamente ao Conselho Curador, nos termos de seu Regimento (aprovado aos 13.04.98 pelo Conselho Seccional), a supervisão e controle da ESA (art. 1), por intermédio de diversas funções, dentre as quais: fixar as diretrizes de atuação da Escola e aprovar o planejamento semestral ou anual de cursos, congressos, seminários, simpósios, estudos, pesquisas, publicações e atividades diversas (art. 2, I e II).

No entanto, na presente gestão, a Escola vem sofrendo interferências da Diretoria, do Conselho Seccional e de Presidentes de Subseções, que têm inviabilizado seu funcionamento dentro dos parâmetros de qualidade que sempre a distinguiram.

Logo no início de sua gestão, Senhor Presidente – e pela primeira vez na história da Escola –, houve pressões para que a indicação dos Coordenadores dos Núcleos e das Regiões (de competência regimental exclusiva da Diretoria da Escola) se fizesse por critérios políticos, e não por critérios exclusivamente técnico-científicos, o que redundou no não preenchimento da maioria dos cargos de coordenadorias, entre perlengas dos conselheiros regionais e dos presidentes das sub-seccionais. Todo o primeiro semestre do ano de 2.004 foi sacrificado, sem que houvesse cursos, com graves prejuízos para os advogados do interior. A situação arrastou-se, em diversos Núcleos, pelo segundo semestre e até hoje existem alguns Núcleos que não funcionam.

Paralelamente, a indicação dos membros do Conselho Curador da Escola foi feita por Portaria de Vossa Excelência, evitando-se, ao que parece, a submissão dos nomes ao Conselho Seccional, porquanto haveria resistências à nomeação de um eminente jurista, respeitado docente universitário, não-advogado, (cujo nome, aliás, fora sugerido por Vossa Excelência), numa atitude corporativa do Conselho Seccional que não se coaduna com o espírito científico e pluralista da Escola, que sempre contou em seu Conselho Curador com a notável contribuição de membros da magistratura e do Ministério Público. Apesar do voto favorável do Diretor Tesoureiro, Dr. Marcos da Costa, que pedira vista, o assunto nunca mais voltou ao Conselho. Conseqüências dessa postura foram: a) a situação irregular dos membros do Conselho Curador, cujo trabalho se desenvolveu “ad referendum” do Conselho Seccional; b) a interrupção do comparecimento às reuniões do Conselho Curador, depois da primeira, do membro pertencente à magistratura, constrangido com a situação que se criara.


Mais tarde, por interferência dos Presidentes das Subseccionais e de Conselheiros Regionais, um inusitado abaixo-assinado no sentido da não remuneração do trabalho técnico-profissional dos coordenadores da Escola induziu a Diretoria da OAB a suspender a remuneração dos coordenadores do interior. A bem da verdade, deve-se dizer que a diretoria da Escola aceitou a imposição, em nome de seus desígnios maiores, na ilusão de que com essa medida pudessem se solucionar as contendas existentes nos Núcleos. Deve-se ressaltar, contudo, que tal não ocorreu, sendo que a medida, ao contrário, levou ao descontentamento de vários coordenadores já nomeados, com novos prejuízos para a montagem e oferecimento de cursos.

Na mesma oportunidade, a Diretoria da OAB solicitou a revisão da remuneração dos professores da Escola, o que foi feito por seu Conselho Curador, a título de colaboração, induzindo, porém, a novos descontentamentos dos docentes.

No início do presente semestre, a Diretoria da OAB sugeriu que fosse suprimido o “folder” semestral que divulgava a todos os advogados a programação dos cursos oferecidos pela Escola. Colaborando mais uma vez com a Diretoria na contenção de despesas, o Conselho Curador da Escola acolheu a sugestão, passando os cursos a ser divulgados exclusivamente pela internet. Os resultados foram mais uma vez desastrosos, com a queda abrupta do número de inscritos no presente semestre e o correlato não oferecimento de diversos cursos por falta da devida publicidade. O descontentamento, dessa feita, foi dos advogados.

Outros pequenos incidentes, talvez irrelevantes em si, mas indicando claramente a desconsideração da Diretoria da OAB para com as peculiaridades da Escola, seus hábitos e suas práticas sucederam-se: assim, no ano passado, a tentativa de corte de horas-extras dos funcionários da ESA, que não se concretizou naquela oportunidade; e a supressão do fornecimento de bolachas, não só para os alunos – sendo os cursos, pagos, auto-sustentáveis – mas também para professores e membros do Conselho Curador, fornecimento esse que foi restabelecido no semestre seguinte e atualmente está novamente suspenso.

Cumpre notar, com relação às horas-extras dos funcionários da Escola, que a decisão de suprimi-las foi finalmente tomada, em agosto desse ano, pelo Diretor Administrativo da OAB, Dr. Arnor Gomes da Silva Junior, com a autorização de contratação de mais dois funcionários para a implementação do regime de turnos: isso significa, de um lado, a falta de compreensão das funções desenvolvidas pelos funcionários da Escola, com a correspondente perda de continuidade na prestação dos serviços, que se refletirá nas atividades da ESA; de outro lado, importa em considerável diminuição de salários por parte de funcionários dedicados e comprometidos com a instituição, que há oito anos recebem horas-extras. Cumpre observar, por fim, sobre esse assunto, que não é verdade que as horas-extras foram cortadas em toda a OAB, podendo-se lembrar os funcionários do Setor de Contabilidade e do Departamento de Cultura que continuam percebendo-as.

Para completar o quadro de desprestígio e de falta de sensibilidade para com a Escola, ocorreu finalmente o episódio que culminou na eliminação da remuneração dos Coordenadores dos Cursos de Aperfeiçoamento da Escola. Os cursos de aperfeiçoamento constituem mais de 95% dos cursos da ESA e seus coordenadores exercem funções técnico-profissionais, constituindo o esteio da Escola: não só programam e organizam os cursos, convidando os professores, como assistem às aulas, estando sempre disponíveis para substituí-los nas faltas ocasionais, e sobretudo funcionando como âncora para ligar as diversas aulas – pois os cursos de aperfeiçoamento da Escola não são constituídos por conferências isoladas, revestindo-se de uma continuidade que só o trabalho do coordenador pode assegurar – e representando o elo constante entre os alunos e os professores. Sem coordenadores de cursos de aperfeiçoamento acuradamente selecionados e contratados pela Escola, esta não pode funcionar a contento.

Nesse lamentável episódio, tudo se originou do inusitado abaixo-assinado dos Presidentes de Subseccionais e Conselheiros regionais, pleiteando a não remuneração dos coordenadores da Escola, e que já culminara em sua supressão com relação aos Coordenadores de Núcleos e Regionais. Oportuno relembrar os fatos:

a – Foi nomeado Relator da matéria o Conselheiro Alberto Carmo Frazatto que, sem ouvir a Diretoria da Escola, ofereceu parecer favorável à supressão da remuneração de todos seus coordenadores, propondo alteração do artigo 33 do Regimento Interno, aprovada aos 23.05.05.

b – Embora visceralmente nula a decisão do Conselho Seccional, em face da não audiência prévia da Escola que, segundo as regras das Constituições federal e do Estado e da Lei de Processos Administrativos estadual, tem assegurado o direito ao contraditório, a Diretora da Escola buscou uma solução de consenso, pedindo reconsideração parcial da decisão, no tocante aos Coordenadores de Cursos de Aperfeiçoamento e de Especialização. Para tanto, apresentou proposta de alteração do Regimento segundo a qual essas funções, que continuariam remuneradas, ficavam detalhadamente descritas. Foi solicitada a atribuição de efeito suspensivo ao pedido de reconsideração, pois faltava um mês para o final do primeiro semestre de 2.005 e os coordenadores estavam montando os cursos para o segundo semestre.


c – O Presidente da OAB, que, como Presidente do Conselho, era a autoridade competente para atribuir efeito suspensivo ao pedido de reconsideração – recebido como recurso – omitiu-se, preferindo que o Conselho deliberasse sobre o referido efeito suspensivo.

d – Na sessão seguinte do Conselho, a Diretora da Escola pôde se dar conta da animosidade de diversos Conselheiros em relação à ESA, sendo que a atribuição do efeito suspensivo ao recurso foi aprovada por pequena maioria, contando-se, entre os votos contrários, até aquele de um membro da Diretoria, Secretário Geral, Dr. Arnor Gomes da Silva Junior.

e – No mesmo clima hostil da sessão anterior, no decorrer da sessão de agosto, ao entrar o recurso em pauta, pelo mérito, a Diretora da Escola explicou minuciosamente em que consistiam as funções técnico-profissionais dos coordenadores dos cursos, distinguindo-as das dos coordenadores de núcleos e regionais. Contou ela, na oportunidade, com o apoio do Dr. Rubens Approbato Machado, presente à sessão. O Diretor da OAB, Secretário Adjunto, Dr. José Welington Pinto, pediu vista.

f – Em setembro, o voto, favorável ao recurso, do Dr. José Welington Pinto provocou mais um pedido de vista, por parte do primeiro relator da matéria, Conselheiro Dr. Alberto Carlos Frazato, num ambiente de total falta de serenidade, com intervenções tão cheias de agressividade que provocaram até a saída do recinto do Dr. Rubens Approbato Machado e da Diretora da Escola. Chegou-se a sustentar que, com o novo pedido de vista, o efeito suspensivo atribuído ao recurso teria cessado.

g – Mantido o efeito suspensivo, na sessão de 24 de outubro – à qual o Dr. Rubens Approbato Machado e a Diretora da Escola não compareceram, esta última para não se submeter a novos constrangimentos – foi aprovado o relatório do Conselheiro Frazato, que só permite a remuneração do cargo de Coordenador dos Cursos de Especialização (denominando o cargo de Programador de Curso), retirando-a para o cargo de Coordenador de Cursos de Aperfeiçoamento. Consequentemente, a sugestão da Escola foi rejeitada, sendo aprovada a alteração dos artigos 5 e 32 do Regimento, com a permanência da regra da não remuneração dos Coordenadores em geral.

h – Observamos, Senhor Presidente, que o parecer do Conselheiro Frazato desqualifica o trabalho dos Coordenadores dos Cursos de Aperfeiçoamento, não considerando suas funções como técnico-profissionais, mas sim honorárias. E o parecer chega a afirmar que não se pode mudar a decisão do Conselho sobre sua não-remuneração (como se à administração não fosse dado revogar seus próprios atos, por conveniência e oportunidade), invocando uma inexplicável “Cláusula Pétria” (sic).

i – O parecer invade também o campo de atribuições do Conselho Curador da Escola, afirmando que o “Prof. Programador do Curso” (ou seja, o Coordenador do Curso de Especialização) deveria trabalhar com limitação de tempo, não superior a 13 das horas aulas do Curso, e até que ele não poderia ministrar aulas.

j – Observamos ainda, Senhor Presidente, que a Escola oferece apenas dois cursos de especialização presenciais na Capital e um em São José dos Campos, sendo os coordenadores de cursos de especialização, remunerados pela Escola, somente três, enquanto todos os outros são de cursos de aperfeiçoamento. E lembramos, ainda, que a proposta formulada no recurso pela Diretora da Escola limitava a remuneração dos Coordenadores dos Cursos de Aperfeiçoamento aos cursos em que as aulas fossem ministradas por pelo menos três professores, nos quais é imperioso o trabalho técnico-profissional do coordenador, presente a todas as aulas, para conferir-lhes coordenação, unidade e seguimento. Lembramos, ainda, que o Coordenador do Curso de Aperfeiçoamento é, também, um “Programador de Curso”.

Até o último minuto a Diretora da Escola tentou salvá-la: em reunião com Vossa Excelência, em seu gabinete, no dia 26.10, ainda tentou alertá-lo para as consequências da decisão do Conselho. Mas Vossa Excelência justificou a decisão, entendendo-a correta e repisando o argumento de que o coordenador do curso de aperfeiçoamento nada faz, senão substituir o professor – ganhando por isso. Nada mais restava a fazer.

Em conclusão, Senhor Presidente, queremos expressar nossa convicção de que sem a remuneração dos coordenadores de cursos de aperfeiçoamento a Escola não conseguirá montar e ministrar seus cursos no mesmo nível de excelência mantido até agora, uma vez que os coordenadores são verdadeiros professores assistentes, desempenhando tarefas técnico-profissionais que não podem e não devem ser gratuitas, sob pena de não se encontrarem pessoas qualificadas para funções tão relevantes, que retratam a configuração primorosa dos cursos da Escola, distinguindo-os dos de outras instituições congêneres, as quais não conseguem reunir e harmonizar palestras isoladas, dando aos cursos homogeneidade, unidade e continuidade.

Foi por essas razões, Senhor Presidente, que na sessão do Conselho Curador da Escola, realizada aos 26 de outubro de 2.005, após a reunião da Diretora com Vossa Excelência, a Diretoria da Escola, bem como todos os membros de seu Conselho Curador (com exclusão do membro não-advogado, que chegou a participar somente da primeira reunião do Conselho, pelas razões acima referidas) decidiram apresentar a Vossa Excelência, em caráter irrevogável e irretratável, seu pedido de demissão, movidos única e exclusivamente pela total inviabilidade de conduzir a Escola nos moldes de excelência em que tem operado, tudo pelas indevidas ingerências em sua autonomia didático-pedagógica, por parte da atual Diretoria da OAB-SP, de seu Conselho Seccional e dos Presidentes de Subsecções.

E é por essas razões que estamos formalizando o pedido de demissão perante Vossa Excelência, solicitando que esse documento, bem como os anexos, sejam lidos na próxima reunião do Conselho Seccional, reservando-nos ainda o direito de torná-los públicos perante a classe dos advogados.

Acompanham o presente documento o relatório de atividades da Escola desde sua instalação até o presente momento, bem como relatório do movimento financeiro da Escola no exercício de 2.005.

Receba, Senhor Presidente, nossas respeitosas saudações.

São Paulo, 4 de novembro de 2.005

Ada Pellegrini Grinover – Diretora

Eunice de Jesus Prudente – Vice-Diretora

Antonio Magalhães Gomes Filho – Presidente do Conselho Curador

Nelson Nery Junior – Vice-Presidente do Conselho Curador

Antonio Carlos Marcato – Secretário do Conselho Curador

Cássio Mesquita de Barros – Conselheiro

Fábio Maria De Mattia – Conselheiro

Tales Castelo Branco – Conselheiro

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