Greve de um dia

Delegados e servidores da PF param por um dia em três estados

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8 de novembro de 2005, 6h00

Delegados e servidores da Polícia Federal devem cruzar os braços nesta terça-feira (8/11), em três estados, em protesto contra condições de trabalho inadequadas e sobretudo pelo abandono do canal de negociação salarial prometido pelo governo. O movimento vai contar com servidores e delegados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. O ato recebe nome de Movimento pela Valorização da Polícia Federal.

“O governo está lucrando em sua imagem com as ótimas operações da PF. Queremos agora as garantias desse lucro, ou seja: condições para que essas operações, que aparecem na televisão, sejam levadas até o fim e não fiquem no show televisivo. E quando falo em condições quero dizer condições de trabalho e reabertura de um canal de negociação salarial com o governo”, diz o delegado federal Armando Rodrigues Coelho Neto, presidente da Federação Nacional dos Delegados da PF.

A Fenapef — Federação Nacional dos Policiais Federais não adere à greve desta terça-feira. Mas fará outra paralisação, também de um dia, no próximo dia 16 de novembro.

“Não há condições de trabalho e também a Constituição está sendo burlada, porque pessoas sem responsabilidade jurídica, terceirizadas, têm acesso a circunstâncias a que não deveriam ter acesso”, diz Francisco Carlos Garisto, presidente da Fenapef.

“Esses funcionários que operam os raios-x nos aeroportos, por exemplo: custam R$ 7 mil cada um, por mês, e são responsáveis por vigiar se há em bagagens armas, bombas, cocaína. Foram de serviços terceirizados os três homens que roubaram cocaína da PF de São Paulo. São pessoas que não recebem o treinamento adequado”, afirma Garisto.

No ano passado os agentes da PF fizeram greve de 50 dias sob o argumento de que tinham direito à equiparação de seus salários ao dos delegados e peritos federais, o que não era previsto pelos valores da tabela de vencimentos da categoria determinada pela Lei 9.266/96.

Na época, a nota oficial do governo, que acabou derrotando a greve via Advocacia-Geral da União, ressaltou que “além de contrariar a legislação em vigor, a proposta apresentada pelos grevistas implica reajuste salarial de até 85%, com um impacto estimado de R$ 600 milhões anuais sem considerar outros reajustes para cargos da carreira policial e servidores administrativos do Departamento da PF”.

Armando Rodrigues Coelho Neto, presidente da Federação dos Delegados da PF, sustenta que o governo Lula fez das operações da PF uma de suas conquistas, usando as operações “politicamente”, mas não dando condições materiais e funcionais para que delegados trabalhem com segurança.

Tanto Armando quanto Garisto garantem que as paralisações desta terça e do próximo dia 16 de novembro são tiros de aviso para uma greve geral da PF. A paralisação desta terça-feira é histórica: pela primeira vez na crônica da PF delegados tomam a dianteira numa greve.

Leia a íntegra da nota do Movimento pela Valorização da Polícia Federal

1 – Analisado o atual quadro da Polícia Federal, seja do ponto de vista material, seja de recursos humanos, as entidades de classe dos servidores da POLÍCIA FEDERAL decidiram pela tomada de uma posição unificada e por denunciar publicamente a realidade da Instituição.

2 – A imagem dos Policiais Federais de todo o País vem sendo arranhada por problemas de única e exclusiva responsabilidade do Governo Federal. Em São Paulo, por exemplo, servidores vêm sendo seriamente atingidos desde a Operação Anaconda e da divulgação de um relatório com 64 irregularidades, que municiou a imprensa para uma campanha difamatória contra Policiais Federais. Mais recentemente, o furto de cocaína nas dependências da PF paulista também acabou levantando suspeita contra os servidores da Instituição.

3 – Aquele mesmo relatório de Correições, com as denominadas 64 irregularidades, atingiu seriamente a imagem de Policiais Federais de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Até políticos demagogos tiraram proveito do episódio para atingir a honra de Policiais Federais. Três meses atrás, através da Rádio CBN, o jornalista Carlos Heitor Cony chamou a PF de “cancro”, afirmando que a Instituição “quando não é omissa, é corrupta”, com o beneplácito de parte do Poder Judiciário que não viu nisso “ofensa alguma”.

4 – Nem a Direção Geral da PF nem o Ministério da Justiça esclarecem para a imprensa que 98% das irregularidades apontadas no tal relatório são, em parte, conseqüência da falta de recursos materiais e humanos. O que sobra para a imprensa é justamente o escândalo, já que “é o homem que está mordendo o cachorro”.

5 – A maioria dos casos de corrupção na PF, sem prejuízo da expansão do crime organizado e da infiltração de bandidos na Instituição, não detectados no processo seletivo – sejam policiais, sejam administrativos ou terceirizados – ocorre por falta de estrutura material e humana. Foi assim no Rio, em São Paulo e outros estados, onde as dificuldades são iguais ou maiores, como, por exemplo, nossas fronteiras.

6 – Enquanto isso, unidades da Polícia Federal são inauguradas com viés “eleitoreiro”, haja vista a DPF Cruzeiro/SP, terra natal do Ministro da Justiça. Delegacias inauguradas contam com efetivo exíguo, para onde migram os parcos recursos das demais unidades, já subaparelhadas. Muitas vivem, em parte, de favores, econômicos e políticos para se manterem ativas.

7 – Reconhecendo a comoção de uma República historicamente cleptocrata, Federais do país inteiro não têm medido esforços para dar sua contribuição na busca de dignidade para a Nação. Entendem e reconhecem que, sem o efetivo combate à corrupção, é impossível combater a impunidade, almejar a tão sonhada Justiça Social ou a estabilidade democrática.

8 – Policiais Federais do país inteiro têm migrado para outros estados para participar de megaoperações. Passada a euforia, o impacto de mídia, os trabalhos de tais operações acabam avolumando ainda mais a carga local já existente. Pior, diminuem o ritmo das investigações em andamento, que são paralisadas para viabilizar tais operações. Ao final, sofrem procrastinações que tornam seus resultados duvidosos.

9 – Pelo menos em São Paulo, 30 mil inquéritos se arrastam, o que pode significar a impunidade de pelo menos 30 mil criminosos, se, por hipótese, cada inquérito tiver apenas um indiciado. No resto do país, o quadro não é diferente.

10 – Enquanto os Federais se desdobram, viajam até em aviões sem banheiro e dormem em quartéis para realizar megaoperações, o Governo Federal faz da instituição bandeira política, servindo de mote para que sejamos tratados de “guarda pretoriana” ou “moleques de recado”, atingindo nossa imagem, nossa perspectiva de dignidade e aprimoramento.

11 – Existe uma Polícia Federal que a população não vê: uma polícia em que faltam servidores, viaturas, computadores, papéis, toner para impressoras, meios de comunicação, onde cada quatro peritos disputam um único computador. Os servidores da Instituição não contam com assistência médica nem jurídica. Tampouco podem contar, nas ocorrências derivadas da função, com o apoio da Advocacia da União. O apoio, tanto na área de saúde como jurídica, tem ficado por conta do próprio servidor e das entidades de classe. A Instituição não dispõe, sequer, de uma Lei Orgânica, capaz de definir atribuições e assegurar direitos constitucionalmente previstos.

Por esses e outros motivos, os Policiais Federais de todas as categorias e o quadro administrativo de apoio técnico, pela primeira vez unidos, de forma consciente, coesa e corajosa, precisam dar uma resposta enérgica e cobrar publicamente resultados.

No dia 8 de novembro faremos uma paralisação de advertência e esperamos contar com a compreensão da sociedade, que nos tem aplaudido, mas que desconhece esta outra realidade que o Governo Federal esconde.

União São Paulo — Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Sindicato dos Servidores Públicos e Civis do Estado de São Paulo, Sindicato dos Delegados de Polícia Federal de São Paulo, Representação Regional da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Associação Nacional dos Servidores de Apoio Logístico da Polícia Federal, Associação Nacional dos Peritos Federais.

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