Luta de classes

Para juízes, advogados não têm conhecimento técnico

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2 de novembro de 2005, 6h00

Uma boa parte dos juízes brasileiros acha que os advogados do país conhecem pouco de Direito e não têm um comportamento ético dos mais recomendáveis. Os dados constam de pesquisa encomendada pela AMB — Associação dos Magistrados Brasileiros, entre mais de 10 mil sócios da entidade.

Solicitados a fazer uma avaliação da atuação dos advogados no âmbito processual, mais de um terço dos juízes em atividade consideraram que ela é ruim tanto em termos de conhecimento técnico, como ético ou da celeridade processual. Apenas 10% consideram o conhecimento técnico dos advogados bom ou muito bom (veja quadro abaixo).

Avaliação da atuação de advogados no

âmbito processual (em %)

Muito boa/ Boa

Regular

Ruim

Celeridade processual

17,2

47,2

34,2

Conhecimento técnico

9,9

51,0

38,1

Ética

14,7

46,7

37,2

Os associados da AMB têm uma visão bem mais positiva da instituição que representa os advogados no que se refere ao relacionamento com a magistratura. Cerca de 47% dos entrevistados classificam como boa/muito boa a relação da OAB com a magistratura. Mas continuam muito críticos na contribuição que a OAB pode dar no aprimoramento profissional dos advogados e na fiscalização do exercício da advocacia.

Na avaliação que fazem tanto dos advogados individualmente como da OAB, um detalhe chama a atenção: eles dividem com a advocacia a responsabilidade pela baixa velocidade dos processos na Justiça. Para 34% dos juízes, o compromisso dos advogados com a celeridade processual é ruim. No caso da OAB, cerca de 32% dos juizes têm o mesmo conceito.

Avaliação da atuação da OAB

Boa

Regular

Ruim

Relação com a magistratura

46,9

37,5

13,1

Compromisso com a celeridade processual

23,8

41,1

31,7

Compromisso com a independência do Judiciário

31,6

33,3

31,8

Desempenho na tramitação da Reforma do Judiciário

16,5

33,0

40,5

Aprimoramento profissional dos advogados

12,4

33,2

46,8

Fiscalização da atividade profissional dos advogados

10,8

25,0

59,3

Defesa dos direitos individuais e socais

35,6

39,4

19,6

Dirigentes de classe da magistratura procuram interpretar a opinião dos colegas com benevolência. Segundo o presidente da AMB, Rodrigo Collaço, o resultado é bastante razoável.

Outros buscam justificativas para relativizar os dados. Para Luciano Godoy, secretário-geral da Ajufe — Associação dos Juízes Federais do Brasil, “essa pesquisa serve como indicativo da crise do ensino jurídico”, observa. “É algo público e notório que há uma deficiência no ensino jurídico. As faculdades não atualizam seus currículos. A culpa não é do advogado, mas é ele quem acaba sofrendo as conseqüências”.

Mesma opinião tem o juiz Marcelo Semer, presidente da Associação Juízes para a Democracia. Para ele, o problema está na proliferação das faculdades de Direito, que diminuíram a qualificação do advogado e refletem diretamente no trabalho dos profissionais dentro do tribunal. Semer acredita que a imagem formada pelos juízes reflete o que está estampado na mídia. “A imprensa publica todo dia notícias de processos contra advogados. Há gente que age sem ética em todas as atividades, inclusive entre os advogados. O profissional pode empreender todos os esforços, mas não pode ganhar todas as causas”, considera o juiz.

Luciano Godoy ressalta também o papel da Ordem: “A OAB vem se esforçando. A advocacia é a única categoria em que o bacharel presta um exame para exercer a profissão. A entidade, porém, não tem uma estrutura suficiente para fazer toda a fiscalização do trabalho dos profissionais. Não acho que haja um corporativismo para defender os maus profissionais. Esse período já passou”.

Outro lado

Os advogados vêem os dados da pesquisa da AMB como a manifestação da natural beligerância existente entre as duas categorias. “Depois que o advogado ingressa na magistratura, a tendência natural é dar um tratamento discriminatório aos antigos colegas. Há uma verdadeira agressão em tudo o que importa à crítica aos advogados. Os bons juízes são aqueles que sabem aceitar. Se o advogado não sabe qual recurso usar, faz isso porque qualquer obra humana está sujeita a erro”, diz o vice-presidente da OAB nacional Aristóteles Atheniense, para quem a AMB está numa campanha contra a Ordem. “Está havendo por parte da AMB uma tentativa de mostrar que os advogados não têm importância. Se acham realmente isso, quero que reformulem o artigo 133 da Constituição Federal”. O artigo diz que “o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Atheniense recorre à história para demonstrar a necessidade do advogado. “Na época do regime militar, quando não havia essas entidades de classe, quem defendia os juízes eram os advogados. Falo isso muita à vontade porque meu pai era juiz. Agora, quando apareceram os juízes corruptos daí a classe novamente tem de recorrer aos advogados para defendê-los”. E conclui: “Há juízes que julgam ser Deus, outros acreditam ter chegado lá”.

Braz Martins Neto, presidente do Tribunal de Ética da seccional paulista da OAB, acredita que a pesquisa está tecnicamente equivocada. Isso porque a OAB não exerce a fiscalização da atividade profissional dos advogados, apenas atua nas reclamações sobre a conduta dos profissionais. “Se o juiz entende que a conduta do advogado está equivocada, cabe a ele se dirigir a OAB e fazer a denúncia. A entidade fiscaliza tudo o que chega ao seu conhecimento, mesmo porque não há outra forma do tribunal agir”.

De acordo com Martins Neto, o que o Tribunal de Ética percebe é que há uma relação perturbada entre juiz e advogado “porque, de um lado há o advogado inquieto e ansioso para dar solução ao problema do cliente, do outro o juiz afogado com inúmeros processos. Num ambiente como esse é natural que haja um calor demasiado na relação”.

Perfil

Da pesquisa da AMB surge que o juiz típico brasileiro é do sexo masculino, tem 50 anos, é branco e vem de uma família com grau de instrução médio. Mas este é um quadro em transformação.

Por exemplo, a tendência da média de idade é baixar. Um indicativo disso — não uma evidência estatística — é que o juiz mais jovem tem 24 anos, uma idade boa para quem está saindo da escola.

Mas o avanço mais importante se refere ao crescimento da presença feminina na magistratura. Na média, 77% são homens. Mas o avanço é notório. Em 1960, as mulheres eram pouco mais de 2% dos juízes do país. No final dos anos 70 elas já eram 8% e dez anos mais tarde chegavam a 14%. Os 23% de 2005 confirmam a ascensão.

“São várias as conclusões a que podemos chegar. A primeira é da consagração do concurso público como a porta de acesso ao Judiciário”, observa o presidente da AMB. A pesquisa mostra que 30% dos juízes são filhos de pais que não tem o segundo grau completo e ingressaram na magistratura depois de sete anos do fim da faculdade.

“Outro dado importante é a visível presença de mulheres na magistratura. A média de idade também não está tão baixa como nós imaginávamos”, ressalta Rodrigo Collaço.

Ficha técnica

A pesquisa foi coordenada pela professora Maria Tereza Sadeck, do Instituto de Ciência Política da USP. No final de abril, a AMB enviou formulário da pesquisa a 11 mil associados da instituição. Desses, 3,2 mil responderam aos 55 itens relacionados no questionário.

O objetivo foi revelar o perfil dos integrantes do Judiciário em âmbito nacional e regional. Os filiados tiveram até o dia 15 de julho para responder às perguntas, que foram tabuladas e analisadas em pouco mais de dois meses e meio.

Veja dados relevantes da pesquisa:


Distribuição dos magistrados por faixa etária (em %)

Faixa etária

Homem

Mulher

Total

Até 30 anos

66,6

36,4

5,4

31 a 40 anos

67,6

32,4

23,0

41 a 50 anos

73,3

26,7

24,7

51 a 60 anos

80,9

19,1

22,1

61 ou mais

91,5

8,5

24,8

Distribuição dos magistrados por cor (em %)

Cor

Ativos

Inativos.

Total

Amarela

1,0

0,6

0,9

Branca

85,7

88,8

86,5

Negra

0,9

0,9

0,9

Parda

12,4

9,6

11,6

Vermelha

0,1

0,1

0,1

Distribuição dos magistrados segundo o estado civil (%)

Ativos

Inativos

Total

Solteiros

10,6

3,4

8,7

Separado/divorciado

8,7

9,1

8,8

Casado

79,6

84,0

80,8

Viúvo

1,1

3,4

1,8

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