O preço do som

A cobrança de direitos autorais em festas familiares

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2 de novembro de 2005, 6h00

Recentemente, foi noticiada a concessão de liminar, em Sorocaba, liberando um casal do recolhimento da taxa de direitos autorais ao Ecad — Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. Referida liminar foi deferida sob o argumento de que a cobrança é indevida uma vez que a festa de casamento não possui intuito econômico ou finalidade lucrativa.

Em que pese o fundamento da decisão do magistrado, para a melhor avaliação da aplicabilidade da cobrança de direitos autorais em casos desse tipo, há que se apreciar o que a legislação pertinente prevê em relação à execução pública em locais de freqüência coletiva.

A Lei de Direitos Autorais — Lei 9.610/98 estabelece em seu artigo 68, parágrafos 2º e 3º, transcrito abaixo, que toda execução pública em locais de freqüência coletiva deverá ser precedida de autorização expressa dos respectivos titulares de direitos autorais:

"Art. 68 Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

§1º Considera-se representação pública a utilização de obras teatrais no gênero drama, tragédia, comédia, ópera, opereta, balé, pantominas e assemelhadas, musicadas ou não, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, em locais de freqüência coletiva ou pela radiodifusão, transmissão e exibição cinematográfica.

§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.

§3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou “científicas”.

Nos termos da legislação em vigor, corroborados pela doutrina, a execução pública de uma obra, independentemente de ser gratuita e/ou eventual, dependerá da anuência prévia e por escrito do respectivo detentor dos direitos autorais.

Considerando que os titulares de direitos autorais não têm como exercer uma fiscalização eficaz de todas as execuções públicas de suas obras, cumpre ao Ecad – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição exercer esse papel em nome desses detentores de direitos autorais, promovendo a arrecadação da remuneração cabível e distribuindo-a, posteriormente, aos mencionados detentores desses direitos.

Acontece que se considera uma execução pública quando a mesma ocorre em um local de freqüência coletiva, ou seja, um lugar de acesso comum, gratuito ou oneroso, a qualquer indivíduo. Em contraposição à execução em um ambiente familiar e/ou privado, a execução em um local de freqüência coletiva possibilita a participação de pessoas indetermináveis e, às vezes, de um número indefinido.

Podemos exemplificar como execução pública em locais de freqüência coletiva, shows ou reprodução de fonogramas em bailes de carnaval, festas juninas ou parques públicos. Em todos estes casos, os locais são de acesso permitido a qualquer pessoa e ainda que o acesso ao local seja gratuito, haverá um lucro indireto para o responsável pela execução.

Acerca do assunto, esclarece Walter Moraes:

“É pública a execução, diz Ernst Müller”, quando o círculo de ouvintes não é determinado individualmente”; são públicas, prossegue, antes de tudo, as execuções em praças públicas, em locais de diversão aos quais qualquer um pode ter acesso. A idéia é válida como princípio de definição; a segunda parte é explicativa e exemplificativa, mas assim mesmo merece a crítica já feita sobre a insuficiência do critério local; a primeira parte é conceitualmente correta porque é a indeterminação numérica e pessoal da assistência que caracteriza a publicidade do desempenho; mas comporta crítica na referência restrita aos “ouvintes”, uma vez que execução não é só aquela para ser ouvida, e no aspecto negativo do conceito. Cuidando, pois, de superar o defeito conceitual de Müller, dizemos simplesmente que pública é a execução acessível a qualquer pessoa.”

(Walter Moraes, Posição Sistemática do Direito dos Artistas Intérpretes e Executantes, Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais S/A, 1973, página 91, apud Ernst Müller, Das Deutsche Urheber und Verlagsrecht, § 27, pág. 99)

Ora, às festas de casamento ou de batizado ou de aniversário, vão apenas aqueles que são convidados e que alguma relação, seja familiar, profissional ou de amizade, têm com aquele que convida.

Esses tipos de festas não são abertos para o público em geral. Uma pessoa ou uma família ao celebrar uma festa de casamento, batizado, aniversário quer ter próximas pessoas queridas para comemorar esses eventos significativos.

Salvo exceções, numa festa de casamento, os noivos conhecem todos os seus convidados. Por princípio, somente dela participarão aqueles indivíduos selecionados pelos noivos e suas famílias e aqueles que porventura não constarem da lista de convidados poderão inclusive ser convidados a se retirar da respectiva festa.

Tendo em vista que nem sempre há uma estrutura física e organizacional em suas residências, as pessoas costumam contratar buffets, alugar salões, clubes para realizar essas comemorações. Tal fato não autoriza entendermos que eventual execução de obra musical nos locais contratados caracterizará execução pública, isto porque esses locais funcionam como extensão das residências dessas pessoas.

Ressalte-se que a despeito dessas festas reunirem um conjunto de convidados, uma coletividade, um “público”, não há como considerarmos esses locais, nessas circunstâncias, como locais de freqüência coletiva. Nessas situações, são locais de acesso privado.

Consoante determina o artigo 46, inciso VI da Lei de Direitos Autorais, à execução de obras musicais nessas celebrações não se aplica a cobrança de direitos autorais, pois trata-se de execução privada na extensão do recesso familiar daquele círculo limitado e identificável de pessoas, senão vejamos:

“Art. 46·Não constitui ofensa aos direitos autorais”:

VI – a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro”;

Assim, retomando a decisão de Sorocaba, não é somente porque a festa de casamento não tem qualquer intuito econômico ou finalidade de lucro que não é devida a cobrança de direitos autorais, mas especialmente porque festas como essa são celebrações realizadas em locais que exercem provisoriamente o papel do recesso familiar e a lei expressamente excepciona a cobrança de direitos autorais nessas hipóteses.

Indiscutivelmente, cumpre ao Ecad fiscalizar e arrecadar os direitos autorais devidos; contudo, deve fazê-lo nos exatos limites da legislação cabível em vigor.

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