Nota inofensiva

Quércia não consegue reparação em ação contra Editora Globo

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28 de março de 2005, 16h06

Pessoas públicas e notórias têm os direitos à personalidade mais limitados do que pessoas comuns. Com esse entendimento, o juiz da 3ª Vara Cível de Pinheiros, João Carlos Sá Moreira de Oliveira, negou pedido de reparação feito pelo ex-governador Orestes Quércia em ação contra a Editora Globo e o colunista Tutty Vasques.

O ex-governador alegou que teve sua honra ofendida por sátira de Vasques. De acordo com a ação, o colunista deu a entender que Quércia é autor da frase “Às vezes é preciso roubar para ganhar”, que na realidade não é sua.

A defesa, por sua vez, afirmou que em nenhum momento houve extrapolação ou abuso na publicação da nota. Também argumentou que não houve intenção de ferir a honra de Quércia “pois a coluna tem caráter humorístico” e seu conteúdo é de crônicas que envolvem pessoas públicas.

Para o juiz, o dano moral somente se caracteriza se o ato interferir intensamente no comportamento psicológico da vítima, o que não pode ser verificado na crônica publicada por Tutty Vasques.

A Editora Globo é representada pelo advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, do escritório Camargo Aranha Advogados Associados. O advogado Mauro Bullara Arjona, do Arjona e Suleiman Advogados representa Quércia no processo. Ele disse à revista Consultor Jurídico que vai recorrer da sentença.

Leia a sentença:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONCLUSÃO

Em 02 de fevereiro de 2005, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz Titular da Terceira Vara Cível do Foro Regional XI – Pinheiros, DR.

JOÃO CARLOS SÁ MOREIRA DE OLIVEIRA.

Eu, _________________, escr., subscrevi

Processo nº 016.660-6/02

VISTOS, ETC.

ORESTES QUÉRCIA, qualificado às fls. 02, ajuizou a presente AÇÃO INDENIZATÓRIA em face de EDITORA GLOBO S/A e TUTTY VASQUES, qualificados às fls. 02, alegando em síntese, que a co-ré publicou na coluna do co-réu uma sátira ofendendo a honra do Autor, pois a frase citada entre aspas provoca a impressão de ter sido dita por ele, o que não é verdade, atingindo, assim, sua honra subjetiva. Alega que a co-ré é responsável pelas matérias publicadas em seus periódicos. Ademais, invoca a aplicação da Lei de Imprensa – nº 5.250/67. Assim, requer a procedência da ação para os fins de fls. 19/20.

Devidamente citados, a co-ré apresentou Contestação de fls. 79/96, alegando que a Lei de Imprensa assegura a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, sendo que em nenhum momento houve extrapolação ou abuso na nota veiculada. Afirma que não houve intenção de ferir a imagem do Autor, pois a coluna tem caráter humorístico, haja vista que é esse o conteúdo da coluna de crônicas e que envolvem personalidades públicas, não sendo possível que referida nota tenha causado tantos prejuízos ao Autor. Impugna, também, o pedido de danos morais, visto que nem todo aborrecimento configura dano moral, mesmo porque não ficou provado o efetivo dano alegado.

O co-réu Alfredo Ribeiro de Barros (Tutty Vasques), por sua vez, apresentou Contestação de fls. 101/113, alegando preliminarmente, ilegitimidade de parte, conforme art. 49, § 2º e 50 da Lei de Imprensa, bem como inépcia da inicial em razão da indeterminação do pedido. Quanto ao mérito, alega que em nenhum momento houve a intenção de ferir a honra do Autor, sendo que em sua coluna humorística sempre envolve matérias jornalísticas que estão em destaque no momento. Informa que o Autor propôs queixa-crime contra o co-réu, sobre a mesma matéria, sendo absolvido por atipicidade do fato. Ademais, alega que não foi provado o dano sofrido. Com a contestação foram anexados os documentos de fls. 114/119.

Foi apresentada Réplica (fls. 121/141).

Designada Audiência de Conciliação (fls. 129), a mesma restou infrutífera.

Foram apresentados memoriais pelo Autor (fls. 135/141), pelo co-réu (fls. 143/160), pela co-ré (fls.162/164).

É O RELATÓRIO.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Primeiramente, a Lei de Imprensa deve ser examinada juntamente com a lei processual e mais, se do mandado constou o prazo de 15 dias para apresentação de resposta, ele é que deve prevalecer e, conforme o Código Civil, o prazo conta-se em dobro quando as partes forem representadas por diferentes procuradores (art. 191 do Código de Processo Civil), não há que se falar em intempestividade. Assim, tendo a carta precatória sido cumprida e juntada aos autos em 19/11/2003 e as contestações protocoladas em 19/12/2003, sendo, pois, tempestivas.

Quanto a alegação de ilegitimidade passiva do co-réu, não há como prosperar, visto que a reparação do dano pode ser exigida da empresa jornalística, do autor do escrito ou de ambos, conforme arts. 49 e 50 da Lei de Imprensa.

Quanto ao dano moral, ainda que indeterminado o seu valor, não significa ausência de pedido, não havendo que se falar em inépcia da inicial por indeterminação do pedido.

Rejeito, assim, as preliminares argüidas.

A ação é improcedente.

Não ficou evidenciado nos autos a existência de ofensa à honra do Autor, conforme reconhecido, de forma expressa, pelos Réus. Na coluna impugnada, ao contrário do sustentado na inicial, não há atribuição direta de conduta do Autor que pudesse ferir sua honra subjetiva. Permanece claro a intenção humorística do fato.

É importante advertir que pessoas públicas e notórias, seja qual for o campo de atuação, têm mais limitados seus direitos à personalidade, diante da atividade da imprensa, em contraposição às pessoas comuns. Neste sentido, trago à colação a Ementa da Apelação Cível nº 235.627-1, Comarca de Barretos, Relator Min. Marcos César:

“Responsabilidade civil – Dano Moral – Lei de Imprensa – Publicações injuriosas – Inocorrência – Político – Manifestações e juízos de valoração nem sempre favoráveis – Críticas dentro do âmbito do tolerável – Recurso não provido.

(…) É muito importante salientar que quando a imprensa dirige ataques a uma pessoa comum, sem vida pública, causa mais forte impressão em seus ouvintes e leitores. Se elas são dirigidas a políticos, o senso comum leva a minimizá-las, precisamente porque todos sabem que quem faz política coloca-se em campo proceloso, ganhando a admiração de uns e o repúdio de outros. As críticas a políticos são generalizadas, envolvem todos ou quase todos, ao menos os que se destacam na atividade. E, por isso mesmo, tendem a ser, além de minimizadas, olvidadas.”

Como também, na Apelação Cível nº 70.669-4/4, da Comarca do Guarujá, Relator Min. Barbosa Pereira:

“Não se deve perder de vista o fato de que o autor libera movimento político e, nessa circunstância, torna-se alvo de críticas, que deve assimilar, por mais rudes que sejam.

É certo que as suscetibilidades dos que se expõem publicamente deve ter limites mais amplos dos daqueles que restringem suas atividades à esfera privada, sob pena de tornar impossível qualquer expressão de opinião.”

Assim, como bem ressalta o prof. Cláudio Luiz Bueno de Godoy, em sua obra “Liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade”, pág. 128: “As manifestações humorísticas, veiculadas pelos órgãos de imprensa, quando puras, não utilizadas como pretexto para ofensa, inclusive mercê da deliberada deturpação de fatos, e ainda que dotadas do exagero que lhes é inerente, por si não configuram afronta a direitos da personalidade”.

Conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves, em seu livro “Responsabilidade Civil”, p. 549-50, sobre a caracterização dos danos morais: “para evitar excessos e abusos, recomenda Sergio Cavalieri, com razão, que só se deve reputar dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral…”

Conseqüentemente, deve restar verificado o efetivo abalo causado à esfera ideal do ofendido, o que não se verificou nos presentes autos.

Ante o exposto e tudo o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, conforme o art. 269, I do Código de Processo Civil. Arcará a parte vencida com despesas processuais e verba honorária, que ora arbitro, por equidade, de conformidade com o art. 20, § 4º do Código de Processo Civil, em R$ 2.000,00 (dois mil Reais) a ser proporcionalmente dividido aos patronos de cada demandado.

P.R.I.C.

São Paulo, 28 de fevereiro de 2005.

JOÃO CARLOS SÁ MOREIRA DE OLIVEIRA

Juiz de Direito

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