Auxílio à doença

Governo Lula dificulta obtenção de benefício previdenciário

Autor

  • Luiz Salvador

    é presidente da ALAL diretor do Departamento de Saúde do Trabalhador da JUTRA assessor jurídico de entidades de trabalhadores membro integrante do corpo técnico do Diap do corpo de jurados do Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México) da Comissão Nacional de Relações internacionais do Conselho Federal da OAB e da comissão de juristas responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840 1.787 2.522/08 e 3105/09.

25 de março de 2005, 17h49

Em tom bombástico, o governo federal lançou ontem (24/3) em Brasília um pacote, cuja meta principal anunciada é o de fechar as contas da Previdência em 2005 e 2006, que tem apresentado déficits de, respectivamente, R$ 32 bilhões e R$ 24 bilhões.

E para tanto, um dos alvos que se pretende atacar é o da concessão do benefício previdenciário “auxílio-doença”, que, segundo se alega, só em 2001 custou ao erário R$ 2,1 bilhões, por benefícios concedidos a trabalhadores que adoeceram, sem justificativa plausível, segundo Palocci:

“Na minha pequena experiência médica, não me ocorre nenhuma mudança no perfil da população que justificasse esse aumento”.

Suspeitando de irregularidades, o governo alterou as regras para concessão do auxílio-doença, por Medida Provisória em que o benefício passará a ser calculado com base na contribuição do segurado nos últimos 36 meses, exigindo-se ainda uma carência de 12 meses de contribuição (Fonte: http://jbonline.terra.com.br/). O Palácio do Planalto ainda não disponibilizou o texto da MP em seu site.

Ao tomar conhecimento das propostas do governo, especialistas em saúde do trabalhador já começaram a se manifestar contra a medida, considerada como um retrocesso e uma traição às esperanças dos trabalhadores que elegeram o governo Lula.

O médico pneumologista e do Trabalho, Jefferson Benedito Pires de Freitas, presidente da Comissão de Doenças Ocupacionais e Ambientais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Professor Instrutor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo e médico do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Freguesia do Ó – São Paulo/SP, se manifestou:

“Mais uma decepção com um governo que se elegeu com propostas de mudança. Um governo que se dizia dos trabalhadores, dia após dia apenas reproduz políticas neoliberais, reproduzindo tudo aquilo que condenou e o fez se eleger em 2002. Agora quem deve padecer mais uma vez são os mais fracos da cadeia. A tal reforma da Previdência anunciada no dia de hoje demonstra de forma cabal mais uma traição a todos aqueles que depositaram seu voto no PT. Ora em vez de se combater a fraude, identificando e punindo os fraudadores, se pune toda uma população que é beneficiária da Previdência, cujo único “crime” que cometeu foi adoecer e tentar por isto sobreviver com que lhe é de direito.

Não é digno para quem sempre combateu injustiças ao chegar ao poder, renegar todo seu passado, fazer alianças com as forças políticas mais retrógadas da nação a quem sempre combateu nos seus 25 anos de luta (ou seriam 23, descontando os 2 de governo da situação) e que para combater as fraudes da Previdência a primeira medida anunciada de forma pomposa é a modificação do auxílio-doença. Será que os ex-companheiros desconhecem a situação de inúmeros trabalhadores que gravitam no desemprego, que não conseguem se inserir novamente no mercado formal de trabalho, que estão a procura de trabalho a 1, 2, 3 anos e por conta disto não conseguem readquirir sua situação de segurado e todo o tempo de contribuição que muitos já tem não serve para nada.

Será que os ex-companheiros desconhecem a situação de inúmeros trabalhadores portadores de doenças relacionadas ao trabalho, seqüelados por acidentes do trabalho ou mesmo doença comum e que por estarem desempregados não conseguem auferir recursos para continuar contribuindo com a Previdência e que com muito sacrifício, muitas vezes com ajuda externa (se quiserem exemplo, mato a cobra e mostro a cobra) de profissionais que atendem estes trabalhadores, tentam contribuir com a Previdência por 4 meses para readquirirem a condição de segurado e fazerem jus a um mísero salário-mínimo, para tentarem sobriver, uma vez que se encontram desempregados e doentes.

Que partido é este que se diz dos trabalhadores mas apenas mantém, implementa e aprofunda uma política de perda de direitos dos trabalhadores já iniciados nas gestões anteriores? Vocês não têm o direito de tirar o sonho de milhares de pessoas que acreditaram em mudanças e pensaram que pela primeira vez o jogo se não mudasse de placar, pelo menos endureceria bastante para aqueles que sempre exploraram esta população. Militando há mais de 15 anos na área de Saúde do Trabalhador, só posso afirmar que a decepção, o desânimo, a falta de perspectiva, o clientelismo, a constatação do oportunismo freqüente, só são superados com medidas como esta anunciada, pois ao invés de nos atirar de vez no poço, reacende nossa chama de indignação”.

Também Fernanda Giannas, engenheira civil, auditora-fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, gerente do Projeto Amianto na Delegacia Regional do Trabalho em São Paulo e fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto e da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina, ao tomar conhecimento do posicionamento do Dr. Jefferson Benedito Pires de Freitas, solidarizou-se com ele dizendo:


“Caro Jefferson e demais companheiros e companheiras. Tomo a liberdade de ampliar a lista de participantes deste debate para me solidarizar com sua indignação e apoiá-la em gênero, grau e número e convidar os companheiros e companheiras que venham se somar aos protestos que iremos realizar no dia 28/4/2005 a partir das 15 horas na Praça da Sé, depois saindo em passeata pelo centro velho de São Paulo até o Largo de São Francisco. O dia 28/4/2005 é celebrado em todo o mundo como o Dia Internacional em Memória dos Trabalhadores doentes e acidentados pelo trabalho. Não temos certamente nada a comemorar! Pelo contrário, só lamentar que o governo do PT seja capaz de retirar direitos tão duramente conquistados pela classe trabalhadora em nosso país. Justo o PT! Temos de deixar nossas vozes ecoarem na consciência daqueles que nos enganaram por tanto tempo e roubaram nossos sonhos de um país justo e solidário, que seria construído através de um projeto democrático e popular. O PT representou para muito de nós, por 23 anos, o sonho da transformação social, que vemos a cada momento desmoronando tal qual esta reforma indecente da legislação acidentária anunciada hoje e que para nós profissionais da saúde e trabalho é muito mais dolorosa ainda, pois convivemos no dia a dia com estes excluídos pelo e para o trabalho, que tão bem o Dr. Jefferson expressou abaixo. Por fim, queria deixar aqui também registrado meu protesto sobre o anúncio do Ministério da Saúde de que vai informar às autoridades policiais os dados das mulheres submetidas a aborto legal em nosso país, o que fere totalmente o código de ética médica que impede profissionais de saúde de exporem informações confidenciais sobre pacientes sem sua prévia autorização. Mais uma vez, conquistas da sociedade são transformadas em caso de polícia, desrespeitando o que a constituição garantiu às mulheres vítimas de violência sexual e em condições de risco de vida e que agora o Ministério da Saúde quer expor justo à Polícia deste país, esta mesma polícia que na maioria das vezes age desrespeitosamente contra mulheres, negros, pobres, mostrando seu viés de classe, machista, preconceituoso e truculento. Mais do que nunca precisamos voltar a organizar movimentos de massa e de rua para protestar contra este desmonte de nossas instituições, que se transformaram em balcão de negócios e em meras arrecadadoras de tributos numa avidez nunca vista antes para pagar as contas do neo-patriciado, que comanda este país, desvairado e irresponsável com os gastos públicos, desvirtuando totalmente a função social do serviço público. Some-se a isto a perda de direitos dos trabalhadores com esta reforma sindical antidemocrática e a imoralidade e desmandos que estamos assistindo diuturnamente da classe política nacional, principalmente, de nosso parlamento federal. Estamos num momento dantesco e não podemos ficar calados. É ora de reagir contra esta onda gigante de desmandos, antes que seja tarde demais e que sejamos engolidos por este projeto político nefasto” (mensagem encaminhada às diversas redes de profissionais e trabalhadores na defesa saúde humana).

O governo uma vez mais deixou de atacar o cerne da questão, preocupando-se apenas com parte do problema e elegeu como “bode expiatório” o trabalhador, prejudicando-lhe no seu direito aos benefícios que são de lei e em obediência à responsabilidade do Estado na defesa e preservação da vida e da saúde pública. Senão, vejamos:

1)- CF/88:

a)- Art. 196:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”

b)- Art. 225:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (CF, art. 225, caput).

2)- Lei 8080/90:

“Art. 2º – A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º – O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º – O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Art. 3º – A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social” (Lei 8.080, publicada no DOU de 20.09.1990).


É consabido que os trabalhadores têm adoecido inclusive em serviço por falta de cumprimento por parte dos empregadores das normas de segurança e saúde (CLT, nos artigos 154 e seguintes, Capítulo V, da Segurança e da Medicina do Trabalho) e falta de fiscalização por parte do Estado.

Em nosso entendimento, o acréscimo na concessão de benefício previdenciário a título de “auxílio-doença” é resultante da reconhecida prática das subnotificações acidentárias, uma “vergonha nacional”, como temos denunciado em nossos artigos:

http://conjur.uol.com.br/textos/247075/

http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/10/23/1023/

http://conjur.uol.com.br/static/textos/247715,1.shtml

O Dr. AIRTON FLORENTINO DE BARROS, Procurador de Justiça em São Paulo, já desde outubro/2003, que vem apontando as reais causas dos desajustes das contas da Previdência:

“As reais causas, contudo, são outras: a exigência do Fundo Monetário Internacional, a política de privatização da carteira de previdência para atender interesses de banqueiros internacionais e a suposta dificuldade de caixa de todos os níveis de governo. O desinteresse do governo por auditorias e audiências públicas já revela a tentativa de impedir que o povo conheça as verdadeiras causas da suposta necessidade da reforma. Não há como esconder, contudo, muitos dos reais motivos da situação em que se encontra a previdência nacional: instituição de planos assistenciais custeados pela previdência; desobediência a regras que se fundamentam nos cálculos atuariais; não realização de resseguro para o custeio de benefícios decorrentes de morte e doença; inexistência de preocupação com desvios, abusos e fraudes; não responsabilização de empresas campeãs em acidentes do trabalho, descumpridoras das exigências mínimas da segurança do trabalhador; equiparação de instituições organicamente distintas para efeitos de limitação orçamentária e de responsabilidade fiscal”.

Fonte: http://www.apmp.com.br/rprev/news/artdrairtonflorentino.htm

Para uma melhor compreensão do assunto em comento, necessário rememorar as garantias legais vigentes em nosso ordenamento jurídico.

A própria Constituição Cidadã, elegeu a proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III) como fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro, sendo o interesse social tem prevalência sobre o interesse privado (art. 5º, XXIII, art. 170, III CF).

Toda a construção é pela garantia ao cidadão do Estado do Bem Estar social (art. 170), à vista que o disposto no art. 7º (caput) ao enumerar um rol exemplificativo de direitos sociais aos trabalhadores, dignificando o homem como sujeito de direitos de toda produção econômica, cultural, artística, excepciona o regramento ampliativo, ao dispor textualmente:

“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.

Assim, além do direito à aposentadoria assegurado no inciso XXIV, do art. 7º, a mesma Carta Política vigente em seu art. 24 atribui ser responsabilidade à União, aos Estados e ao Distrito Federal – e visando o cumprimento do papel que lhe é reservado da promoção do Bem Comum a todos, sem exclusão – dentre os outros tópicos enumerados, legislar concorrentemente sobre a previdência social, a proteção e a defesa da saúde (inciso XII).

A previdência social, juntamente com a saúde e a assistência social, compõe a Seguridade Social, que é a política de proteção integrada da cidadania. A mesma serve para substituir a renda do segurado-contribuinte, quando da perda de sua capacidade de trabalho. Trata-se de um verdadeiro seguro público coletivo para aqueles que contribuem com a previdência e que visa cobrir riscos sociais como acidentes, morte, velhice, deficiência, maternidade, reclusão e desemprego.

Fonte: http://www.pucpr.br/comunidade/proj_comunitario/previdencia.html

Não obstante tudo isso, com o objetivo de sucatear o INSS e impor a sua privatização, o governo federal tem abandonado os segurados à própria sorte, mesmo depois de terem pago a previdência por anos a fio, denunciando Leon Filho:

“O que tem ocorrido é que os trabalhadores acidentados ou com doença profissional são mandados de volta para a empresa, onde ficam seis meses e são demitidos, não têm mais direito ao INSS nem à Previdência, passam a ser não-cidadãos”.

Fonte: http://planeta.terra.com.br/noticias/objetodireto/alerta2.htm

Portanto, ao invés de punir o trabalhador, como o está fazendo, com a nova MP, o governo deveria punir exemplarmente o mau empregador, useiro e vezeiro, na prática das subnotificações acidentárias, usando das atribuições legais já existentes para coibir o abuso, ingressando desde logo, com a competente ação regressiva autorizada pelos artigos 120 e 121 da Lei n.º 8.213/91:

“Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”.

Também de se repisar que o próprio Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/99) também autoriza a medida severa:

“Art. 341. Nos casos de negligência quanto às normas de segurança e saúde do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a previdência social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Art. 342. O pagamento pela previdência social das prestações decorrentes do acidente a que se refere o art. 336 não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de terceiros”.

CONCLUSÃO.

Cabe ao governo atacar os reais motivos causadores do propalado déficits que vem sendo apresentado, mas sem prejudicar os trabalhadores no seu direito ao recebimento do benefício previdenciário, duplamente punidos.

Por primeiro, pela prática abusiva das subnotificações que obriga o INSS a conceder não o auxílio-acidentário a que tem direito o infortunado, mas o já costumeiro “auxílio-doença” e que tão logo receba alta, é despedido, ficando sem possibilidades de retorno ao mercado formal de emprego, porque não consegue mais ser aprovado no exame admissional.

Por segundo, pelo estabelecimento de um programa nacional ao combate às sonegações, às práticas das subnotificações já conhecidas, ingressando, desde logo, com prevista ação regressiva, para ressarcir do que pagou, sem que o ônus do infortúnio fosse seu.

A punição a ser aplicada ao empregador descumpridor das medidas de segurança e proteção à saúde do trabalhador deve ser exemplar. Os cofres do INSS têm que ser ressarcidos, pelo ocasionador do dano. Tem-se que dar um basta na prática de atribuir à previdência toda e qualquer ocorrência dos acidentes de trabalho, a pretexto da defesa de que se trata de “risco social” a ser arcado pelo próprio infortunado, pela sua família, pela sociedade e pela previdência, a final.

A responsabilidade há de ser do causador do dano, o empregador, que descumpre as medidas protetivas da saúde humana do trabalhador, em seu meio ambiente de trabalho, até mesmo com suporte no permissivo constitucional:

“Seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” (CF, art. 7º, inciso XXVIII).

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