Abuso de poder

Prefeita de Itapevi, acusada de abuso de poder econômico, é cassada

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23 de março de 2005, 20h44

Passados quase três meses da posse, a prefeita de Itapevi terá de sair do cargo. Uma decisão da juíza eleitoral da cidade, Alena Cotrin Bizzaro, tomada na noite desta terça-feira (22/03), cassou o mandato da prefeita Maria Ruth Banholzer (PPS). A prefeita, que passou toda a quarta-feira em Brasília, deve recorrer da sentença.

A juíza baseou sua decisão no argumento de que Ruth Banholzer abusou do poder econômico ao usar, durante a campanha eleitoral, o jornal Alternativ@ para atacar seus adversários. A acusação, feita ainda durante o período de disputa, partiu da ex-prefeita Dalvani Caramez (PSDB) que concorria à reeleição. Nas urnas, a diferença entre Ruth e Dalvani foi de cerca de 4 mil votos.

Além de Dalvani, o ex-vereador Fláudio de Azevedo Limas (PT), que também concorreu à prefeitura, acusou Ruth de usar o jornal para atacar seus adversários de forma ofensiva.

Durante a campanha, a juíza eleitoral Laura Mota Lima de Oliveira, chegou a determinar, por medida cautelar, que fossem suspensas novas edições do jornal Alternativ@ enquanto o processo eleitoral não fosse concluído.

Com a cassação da prefeita Ruth Banholzer, quem assume o posto, pelo menos por enquanto, é o atual presidente da Câmara Municipal, Sérgio Montanheiro (PSB). Montanheiro retoma a cadeira que já ocupou entre os anos de 1997 e 2000, quando foi eleito com apoio do ex-prefeito e atual deputado estadual João Caramez, marido da ex-prefeita Dalvani. Nas últimas eleições Montanheiro se elegeu vereador apoiando Ruth Banholzer. Caso Ruth não tenha sucesso nas instâncias superiores, a Justiça eleitoral deve convocar novas eleições na cidade.

Leia a íntegra da sentença

Autos nº 490/04

Considerando o quanto disposto pelo artigo 90, parágrafo 2º, da Resolução nº 21.635 do T.S.E., que expressamente estabelece não se aplicar o artigo 216 do Código Eleitoral, às ações de impugnação de mandato eletivo, a sentença surtirá efeitos imediatos.

Desta forma, em face do teor da sentença ora proferida, os votos apurados nas eleições, nominais à candidata Maria Ruth Banholzer (39.994 votos) são considerados nulos. Estes, somados aos votos nulos apurados nas eleições (4.833 votos), atingem o número de 44.877 votos que é superior à metade dos votos válidos apurados (83.666 votos nominativos + 2340 votos brancos = 84.006 votos válidos, cuja metade corresponde a 42.003 votos).

Portanto, levando em consideração o que dispõe o artigo 2º, parágrafo primeiro, da Lei nº 9.504/97, de rigor a aplicação do que dispõe o artigo 224 do Código Eleitoral, de sorte que determino:

– comunique-se o T.R.E. do teor da sentença, remetendo-se cópia, bem como cópia desta decisão, com urgência;

– intime-se o Sr. Presidente da Câmara Municipal para que assuma interinamente, de imediato, as funções de chefe do Poder Executivo Municipal;

– intimem-se as partes do teor da sentença e desta decisão, por meio de seus advogados, intimando-se pessoalmente os requeridos MARIA RUTH BANHOLZER e JACI TADEU DA SILVA;

– extraiam-se cópias desta decisão e da sentença para juntada à Ata da Proclamação dos eleitos.

Providencie-se, com urgência.

Int.

ltapevi, 18 de março de 2005.

Alena Cotrim Bizzarro

Juíza Eleitoral

Vistos.

Cuida-se de pedido de impugnação de mandato eletivo formulado por COLIGAÇÃO ITAPEVI NÃO PODE PARAR, DALVANI ANÁLIA NASI CARAMEZ e VALTER FRANCISCO ANTÔNIO em face de MARIA RUTH BANHOLZER e JACI TADEU DA SILVA. Alegam, em síntese, os requerentes, a ocorrência de abuso de poder econômico e uso indevido de meio de comunicação social, o Jornal Alternativ@, para benefício da candidata Ruth e de seu grupo político, proporcionando potencial desequilíbrio na disputa eleitoral. Pleiteiam, assim, a realização de investigação judicial, requerendo sua procedência para ver decretada a cassação dos mandatos eletivos dos candidatos eleitos e diplomados Maria Ruth Banholzer e Jaci Tadeu da Silva. Coma inicial vieram os documentos de fis. 48/496.

Devidamente citados, os requeridos apresentaram defesa, por meio da qual alegaram, preliminarmente, litigância de má-fé, em virtude da propositura, pelos autores, de diversas ações com o mesmo objeto. No mérito, sustentaram a inocorrência de propaganda, mas e informação à população sobre os atos da administração, que não pode ser objeto de censura, sob pena de ser atingido o direito de liberdade de imprensa; a inexistência de qualquer relação entre os requeridos e o Jornal Alternativ@ ou qualquer outro meio de comunicação da cidade. Afirmaram, ainda, que a publicação de matérias ou artigos favoráveis ou desfavoráveis a candidatos ou partidos políticos não constitui, por si só, propaganda eleitoral irregular, pois que é permitido à imprensa escrita emitir sua opinião política sobre os acontecimentos (fis. 500 e ss).


Em instrução, determinou-se a utilização de prova emprestada da ação de investigação judicial, consistente na prova pericial contábil.

Encerrada a instrução, as partes apresentaram suas alegações finais, manifestando-se o Ministério Público pela procedência da ação.

É o relatório.

DECIDO.

Afasto, por primeiro, a preliminar, suscitada pelos requeridos em sua defesa.

Não existe qualquer obstáculo à existência concomitante de ação de impugnação de mandato eletivo e de investigação judicial, porquanto diverso é o objeto de ambas ações, com ritos e partes diferentes. Efetivamente, aquela se presta para declarar a inelegibilidade por três anos no período subseqüente à eleição (ainda que de candidato diplomado), esta se presta para desconstituir a diplomação. Nem se diga, outrossim, que a posterior diplomação impede o julgamento da investigação judicial eleitoral, porquanto esta não persegue apenas o cancelamento do registro da candidatura, como também a declaração de inelegibilidade.

Com efeito, o artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar nº 64/90, estabelece a possibilidade de que ao candidato eleito possa ser imposta a pena de inelegibilidade por três anos a contar do pleito em que se verificou a existência do ato abusivo à lidimidade do processo eleitoral. De outro lado, em análise do contido no artigo 14, parágrafo dez, da Magna Carta, verifica-se que a ação de impugnação de mandato eletivo tem como fim a desconstituição de mandato eletivo, não se prestando para declarar a inelegibilidade.

Ademais, sendo a investigação judicial eleitoral e a ação de impugnação de mandato eletivo procedimentos autônomos, com instrução probatória independente, pode ser que ao final se verifique, em um conjunto probatório apto a ensejar um julgamento procedente, o mesmo podendo não ocorrer com a outra, de sorte que seria temerária a extinção antecipada.

Nesse sentido:

“Pois bem, o legislador infraconstitucional no inciso XIV do artigo 22 da LC nº 64/90 foi explícito quanto aos efeitos do julgamento procedente da ação, vale dizer, se julgada precedente antes da eleição, cassa-se o registro dos réus, e declara-se e inelegibilidade para as eleições que se verificarem nos 3 (três) anos subseqüentes à eleição que se verificou, e se além de se declarar a inelegibilidade serão remetidas peças ao Ministério Público Eleitoral, para os fins previstos no artigo 14, parágrafos dez e onze, da Constituição Federal, e artigo 262, inciso IV, do Código Eleitoral.

Como se sabe, os parágrafos dez e onze do artigo 14 da Lei Básica Federal, tratam da AIME enquanto o inciso IV do artigo 262 do Código Eleitoral trata do recurso contra a expedição do diploma.

Ora, cada ação ou recurso, tem objetos e efeitos próprios, enquanto a IJE visa cassar o registro (se julgada antes da eleição), e a declaração de inelegibilidade, a AIME e o recurso contra a diplomação atacam diretamente o diploma, visando sua desconstituição.

Aplicando-se o que acima se disse ao caso concreto, verifica-se que não há qualquer ilegalidade; como sustenta o requerente, tampouco litispendêncía ou conexão da IJE e a AIME, visto que ambas têm objetos diferentes, rito diverso e partes diversas.

Acresce a isso que cada ação poderá ser instruída com elementos próprios, podendo acontecer de uma ação ter um conjunto probatório mais robusto, de forma a permitir o julgamento procedente, enquanto em outra isto pode não acontecer, mormente porque, nos termos da LC nº 64/90, o Corregedor é o Relator natural da IJE, enquanto que as AIME, no Tribunal, é distribuída para qualquer Juiz membro da Corte.

Assim, nada impede que, em tese, uma IJE regularmente instruída, venha a ser julgada vários meses após as eleições, quando então a única solução, se julgada procedente, é a declaração de inelegibilidade, já que preclusos estarão prazos para ajuizamento de AIME e recurso contra a diplomação. Aliás, este egrégio Tribunal, por mais de uma vez, já julgou IJE meses após as eleições, limitando-se a declarar a ínelegibilidade dos representados…” (Tribunal Superior Eleitoral – TSE -ACÓRDÃO Nº 2.462 – Mandado de Segurança nº 2.462 – Porto Velho – RO – Relator: Ministro Ilmar Galvão).

Afastada que fica a preliminar, passo ao exame do mérito.

Em análise da documentação acostada aos autos, bem como da prova pericial produzida no curso da instrução, constata-se que o pedido inicial é procedente, pois que restou comprovada a ocorrência de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social com a finalidade de beneficiar a candidata Ruth em disputa eleitoral.

Vale dizer, por primeiro, que não serão aqui analisadas as alegações formuladas pelos requeridos no sentido de que existem diversos outros jornais e boletins informativos que circulam pelo município veiculando propaganda eleitoral tendenciosa, em benefício de outros candidatos. Isso porque tais fatos, ainda que fossem amplamente demonstrados, não trariam qualquer repercussão ou influência no resultado deste procedimento. Ora, a irregularidade praticada em favor de alguns candidatos não legitima ou justifica a conduta irregular praticada em benefício de outros.


Passa-se, assim, à análise dos fatos propriamente ditos, ou seja, do alegado abuso de poder econômico e uso indevido de meio de comunicação com o propósito de obter benefício em disputa eleitoral.

Diz a Lei Complementar nº 64/90:

“Art. 19. As transgressões pertinentes a origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo corregedor-geral e corregedores regionais eleitorais.

Parágrafo único. A apuração e punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, car~go ou emprego na administração direta, indireta o fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

Conforme expressamente esclarece a norma, o objetivo da apuração e punição de tais fatos é proteger a normalidade e legitimidade do pleito. Necessário, por isso, verificar a existência de intenção do agente no sentido de beneficiar candidato por meio da realização do ato supostamente abusivo.

E essa intenção é claramente perceptível no caso em análise, bastando simples leitura dos exemplares acostados aos autos para constatar que todos evidenciam o propósito da massificação e divulgação de uma propaganda pessoal — seja por rneio de ataques aos atos administrativos e ataques pessoais à então prefeita Dalvani, ou por meio de matérias elogiosas e enaltecedoras das promessas da candidata Ruth — de sorte que tal propaganda é, portanto, proibida, o que lhe confere foros de abuso de poder econômico.

É patente à extrapolação dos limites da informação, havendo nos textos conotação pejorativa, tendenciosa, reveladora da evidente intenção de cooptação de votos apta a interferir na normalidade e legitimidade das eleições e a desequilibrar as chances entre os candidatos.

Da leitura dos trechos de matérias, transcritos pela DD. Promotora de Justiça em seu parecer, claramente se observa que os artigos vão além do exercício do direito de crítica e livre manifestação do pensamento, pois que não se restringem a relatar fatos e emitir opiniões, mas sim a sugestionar e orientar o administrado, direcionando sua vontade política em favor dos representados, com o claro intuito de cooptar votos.

0 teor dos artigos e sua redação não deixam dúvidas quanto à manifesta intenção de motivar o eleitorado, apresentando razões que induzem a concluir que os impugnados são os mais aptos ao exercício da função pública.

Cai por terra, portanto, a argumentação dos requeridos no sentido de que a simples publicação de matérias favoráveis ou desfavoráveis a candidatos, por si só, não configura propaganda irregular. É que, na hipótese dos autos, não se cuidou apenas de matérias e artigos expondo opiniões, mas, como já se mericionou, verdadeira propaganda eleitoral com o propósito de influenciar no resultado das eleições.

Não bastasse, outros elementos há a demonstrar que o propósito do periódico era efetivamente influenciar e desequilibrar a disputa eleitoral, como realmente ocorreu.

A prova pericial produzida demonstrou que os recursos obtidos de contratos de prestação de serviços de assessoria de imprensa e de anúncios e publicações foi inferior ao custo total das publicações das edições no período em análise, acumulando prejuízo de mais de dez mil reais. Tal circunstância, aliada ao fato de ser o periódico de distribuição gratuita, revela, no mínimo, a inexistência de fins lucrativos, não restando claro, por isso, qual o interesse na manutenção do jornal. E revela mais, ao se considerar que, mesmo diante do prejuízo acumulado, a tiragem foi aumentada justamente no período que antecedeu as eleições, época em que também foi aumentada sua periodicidade, passando de quinzenal a semanal.

Diante dos argumentos já mencionados, tem-se um contexto probatório que por si só se afiguraria suficiente, porquanto, como é sabido, não se exige para configuração do abuso de poder econômico a relação de causa e efeito entre os ilícitos eleitorais e o resultado do pleito (Resps. nos 11.469, 12.282, 12.394 e 12.577), sendo certo que sua atuação configurou evidente abuso do poder com comprometimento da lisura que deve impregnar o processo eleitoral.

Sobre o tema, vale transcrever trecho do voto do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, proferido no Acórdão nº 12.030, em que S. Exa. assinala:

“38. A perda de mandato,’que pode decorrer da ação de impugnação, não é pena, cuja imposição devesse resultar da apuração de crime eleitoral de responsabilidade do mandatário, mas, sim, conseqüêncía do comprometimento da legitimidade da eleição por vícios de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

39. Por isso, nem o artigo 14, parágrafo 10, nem princípio do due process of law, ainda que se lhe empreste o conceito substancial’que ganhou na América do Norte, subordinam a perda do mandato à responsabílidade pessoal do candidato eleito nas práticas viciosas que, comprometendo o pleito, a determinem.

40. 0 que ímporta é a existência objetiva dos fatos — abuso do poder econômico, corrupção ou fraude — e a prova, ainda que indiciária, de sua infitiôncía no resultado eleitoral”.

Não obstante, o fato teve potencialmente capacidade para interferir na legitimidade e normalidade das eleições. Ademais, considerando-se a tiragem e periodicidade do jornal veiculando matérias tendenciosas e aptas a influenciar o eleitor, e notadamente diante da pequena diferença de votos obtidos pela candidata Ruth e pela candidata Dalvani, não se pode negar a plausibilidade de se ter causado um injusto desequilíbrio no pleito, como provavelmente ocorreu.

Irrelevante, por fim, a alegação feita pelos requeridos candidatos no sentido de que não possuem qualquer relação com o jornal e com as matérias por ele veiculadas. Com efeito, a participação efetiva do candidato ou a sua concorrência para o ato ilícito não são objeto de análise se se configurou a forte probabilidade de ser outro o resultado do pleito caso o ilícito não fosse praticado. Nessa esteira: “O que aqui deve ser considerado é que, se a referida investigação, judicial foi julgada procedente, houve necessariamente contaminação da legitimidade e normalidade do pleito, não se podendo prestigiar seu resultado, ainda que seu beneficiário não tenha tido participação no evento.” (Tribunal Superior Eleitoral – TSE – ACóRDÃO Nº 15.358 -Recurso Especial Eleitoral nº 15.358 -São Miguel do Passa Quatro – GO – Relator: Ministro Eduardo Alckmin – Publ. DJ de 17.9.99).

Diante de todo o exposto, estando plenamente comprovada a prática de abuso de poder econômico e uso indevido de meio de comunicação pelos requeridos, violando a lisura e a igualdade oportunidade na disputa eleitoral, de rigor a procedência da ação.

Desta forma, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial e o faço para cassar os mandatos de MARIA RUTH BANHOLZER, prefeita diplomada e do vice-prefeito diplomado JACI TADEU DA SILVA.

Expeça-se o necessário,

P. R. I. C.

Itapevi, 18 de março de 2005

Alena Cotrim Bizzarro

Juíza Eleitoral

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