Competência em jogo

Juízes do trabalho não abrem mão de julgar dano moral por acidente

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20 de março de 2005, 17h51

A discussão entre juízes trabalhistas e o Supremo Tribunal Federal em torno da competência para julgar ações de indenização por acidente de trabalho promete esquentar. Para o juiz do trabalho Edilton Meirelles, da Bahia, seus colegas continuarão decidindo sobre as causas por acidentes e não cederão espaço para a Justiça comum, criando um impasse para tentar rever a posição do STF.

Há dez dias, os ministros reconheceram a Justiça Estadual como foro competente para julgar tais ações. Em pesquisa feita pela revista Consultor Jurídico nos três dias do seminário promovido em São Paulo pela Anamatra — Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho, 85,9% dos juízes afirmaram discordar da posição firmada pelo Supremo.

No final do seminário, os juízes aprovaram um manifesto que critica a decisão do Pleno do STF. Num debate sobre a questão, o juiz Cláudio Luiz Bueno de Godoy, de São Paulo, afirmou acreditar que as ações indenizatórias propostas pelo empregado contra o empregador envolvem a rigor uma discussão que é trabalhista.

“Por isso, a despeito do que decidiu o STF, acredito que esta discussão é do direito do trabalho”, disse Godoy. Na mesma mesa de discussão, Edilton Meirelles afirmou ter certeza de que, pelo menos a principio, os juízes do trabalho vão resistir.

Os juízes embasam sua resistência na jurisprudência sobre a questão, que já estava consolidada em muitos tribunais, como no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo. Em decisão recente, a 6ª Turma do TRT-SP condenou a empresa Emparsanco a pagar reparação por danos morais a um mecânico que se acidentou por utilizar, a mando do chefe, uma ferramenta inadequada para uma tarefa. Na ação, nem sequer se discutiu a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento da questão.

Segundo o processo, o mecânico recebeu ordem direta para retirar a caixa de câmbio de um caminhão. Como a empresa não tinha o equipamento adequado para a tarefa, obrigou o empregado a improvisar a retirada com o uso de martelo.

A inicial da ação destaca que o mecânico foi alvo de “insistência de seu superior, que ordenou ao autor (…) que apoiasse uma marreta na ponta do eixo e batesse com o martelo bola”. Desse golpe de martelo, partiu uma fagulha de ferro que se alojou na coxa do trabalhador, de onde não pode ser retirada por recomendação médica, “sob pena de grave comprometimento da musculatura”.

Por unanimidade, a 6ª Turma condenou a Emparsanco a pagar indenização de 60 salários mínimos ao ex-empregado, em virtude do dano moral sofrido.

RO 00169.2002.462.02.00-8

Leia a decisão

Natureza: Recurso Ordinário

Recorrente: Sérgio Magalhães Dias

Recorrido: Emparsanco SA

Origem: 2ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo

Ementa:

Dano moral. Indenização. Imprudência patronal caracterizada pela determinação ao empregado para que removesse a caixa de câmbio do caminhão sem ferramenta apropriada. Lesão física sofrida por reação fagulhenta que feriu gravemente a coxa do empregado, inclusive sem possibilidade de remoção da fagulha por determinação médica. Transtornos típicos para a indenização moral. Indenização arbitrada em 60 salários mínimos.

Contra a sentença que julgou procedente em parte a ação, recorre o autor alegando que o fato causador do dano moral é incontroverso; que decorreu de ordem expressa da ré que determinou a remoção do eixo do câmbio sem ferramenta adequada; que a peça ficou alojada em seu corpo; que a saúde está abalada e que poderá não ser admitido em novo emprego em razão da falta de saúde. Contra-razões às fls. 199/204. O Ministério Público teve vista dos autos.

V O T O:

1. Apelo aviado a tempo e modo. Conheço-o.

2. Dano moral. O autor era mecânico e sofreu uma lesão na perna esquerda ao retirar a caixa de câmbio de um caminhão Toyota C-724. A base fundamental do pedido reside no fato de que a ré não tinha o equipamento adequado para a remoção da caixa de câmbio e obrigou que o autor improvisasse a remoção com o uso de martelo. A inicial destaca que o autor sofreu “insistência de seu superior, que ordenou ao autor (…) que apoiasse uma marreta na ponta do eixo e batesse com o martelo bola” (fl. 10). Foi desse golpe de martelo que partiu uma fagulha de ferro e foi alojar-se na coxa do autor, de onde não pode ser retirada por recomendação médica, sob pena de grave comprometimento da musculatura.

2.1. A defesa não contesta os fatos alegados pelo autor, limitando-se a dizer que era fornecido o equipamento de segurança e que providenciou o atendimento médico. Não contesta, pois, que a remoção da caixa de câmbio foi promovida sob a “insistência” da chefia e sem o equipamento correto para essa tarefa. É esse o fato que caracteriza a imprudência da ré, qualificadora da culpa. É inconseqüente a alegação de uso do equipamento de segurança.

Primeiro, porque não há prova satisfatória disso. Segundo, porque o suposto equipamento não foi bastante para evitar a grave conseqüência do acidente. É inegável que, pela experiência do que ordinariamente acontece, o autor está sim sob o transtorno de uma conseqüência ruinosa para sua vida pessoal e profissional, além de todo o incômodo enfrentado para conviver com esse corpo estranho que nem a medicina pôde arrumar jeito de sanear. A conduta da ré foi ilícita e gerou dano ao autor (Código Civil, art. 186). Reputo válida, para a dimensão das consequências enfrentadas, a postulada indenização de 60 salários mínimos.

CONCLUSÃO:

Dou provimento ao recurso, para acrescer à condenação o pagamento de indenização por dano moral no importe de 60 salários mínimos. Arbitro (CLT, art. 789, § 2º) custas complementares de R$ 312,00, sobre o acréscimo condenatório no valor R$ 15.600,00, a cargo da ré.

Dr. Rafael E. Pugliese Ribeiro

Juiz Relator – 6a Turma do Tribunal

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