Causas trabalhistas

Anamatra rebate argumentos contra ampliação da Justiça do Trabalho

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16 de março de 2005, 20h05

“Existem duas correntes de pensamento que resistem à ampliação da competência da Justiça do Trabalho. Os intitulados defensores do direito do trabalho alegam que a ampliação exacerbada fará perder a especialização e escancarará uma porta larga para a precarização das relações sociais. Devo divergir desses bem-intencionados juristas comprometidos com os valores humanos do trabalho. O movimento ocorre de modo diverso”.

A afirmação foi feita pelo presidente da Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Grijalbo Coutinho, no primeiro dia do I Seminário sobre a ‘Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho’, em São Paulo. O evento foi organizado pela Anamatra.

Segundo Grijalbo, “se a Justiça do Trabalho não tiver a capacidade de alargar a sua atuação para todas as causas dos trabalhadores, num mundo do trabalho de frenéticas mudanças, será colocada em xeque pelos setores que sempre a aceitaram com restrições”.

De acordo com o presidente da Anamatra, “foi por essa razão que vozes influentes do Governo Fernando Henrique Cardoso, da área econômica, por mais de uma vez, falaram em extinção da Justiça do Trabalho”. E, para ele, “não deve ser diferente a opinião do mesmo Ministério do atual Governo. Aliás, todas as forças detentoras de capital político expressivo no cenário nacional nutrem, de algum modo, preconceito contra a justiça laboral, que, na maioria das vezes, apenas reflete o inconformismo com o direito social legislado e com a efetividade da atuação desse ramo do Judiciário”.

Leia a palestra do presidente da Anamatra

É com imensa satisfação que a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do trabalho — Anamatra, entidade da sociedade civil organizada comprometida com os valores democráticos da República Federativa do Brasil e com a justiça social, realiza o primeiro encontro sobre a nova competência atribuída à Justiça do Trabalho a partir da promulgação da Emenda Constitucional N° 45, de 31 de dezembro de 2004.

O comparecimento expressivo da magistratura do trabalho de todo o país e a presença de outros operadores do direito, bem como o alto nível dos conferencistas, farão do evento um marco na agenda científico-cultural da Anamatra. É como se estivéssemos realizando o nosso Conamat fora de época, sempre designado sempre para o mês de maio dos anos pares. O próximo acontecerá em maio de 2006 na bela cidade de Maceió.

É um ótimo momento para a confraternização entre a magistratura de vanguarda no país: a trabalhista. Mas aqui estamos com propósito bem diferente. Ao invés da festa pela ampliação da competência da Justiça do Trabalho, o nosso lema é persistir na luta para consolidar e ampliar a revolução iniciada com a nova feição dada ao ramo do judiciário mais identificado com a classe trabalhadora brasileira.

A luta há de ser permanente e feroz, para resistir a tantos ataques e investidas reacionárias, que tentam manter o domínio de sempre nas mãos dos mesmos grupos, alérgicos à atuação da Justiça social. Alguns desses surtos de reação apareceram nos últimos dias, com decisões notoriamente equivocadas, mas que não abalaram a essência da conquista produzida pelo novo texto do artigo 114, inciso I, da Constituição Federal.

O capitalismo não é nenhum felino, mas tem mostrado a sua enorme capacidade de sobreviver às quedas das crises por ele produzidas. E foram bem mais do que sete ao longo de sua existência. O regime consegue a cada onda dissipada transferir todo o impacto negativo para os seus adversários históricos, ampliando a miséria e a sua base de sustentaçã o lucro.

Os novos modos de produção capitalista produziram gigantescas alterações no mundo do trabalho, especialmente nos últimos 30 anos.

A automação voltada apenas para o acúmulo de riquezas, a substituição das grandes fábricas por empresas em rede, a união de conglomerados econômicos para eliminar a concorrência, o uso da sórdida terceirização e a produção dirigida a públicos específicos alicerçaram uma sociedade cada vez mais egoísta, mais destruidora do sentido de humanidade, aniquiladora da solidariedade e do respeito aos donos da força de trabalho.

Compartilhar, na Era da Revolução Tecnológica, é apenas dividir a miséria entre os milhões de excluídos. No cenário político, o fim dos estados operários no Leste Europeu, com a derrocada das burocracias stalinistas, deu ao capital o vigor antes contido, capaz de não mais temer adversários, revitalizando as idéias liberais e divulgando teorias carentes de consistência científica, desde a que informa a sua supremacia eterna à da inusitada previsão do fim da história. O sindicalismo capitulou na companhia da esquerda, que já não é mais tão esquerda assim, na busca de consertos primários do sistema. Contentam-se tais personagens com os projetos de administração da crise capitalista e de redução de direitos da classe trabalhadora em nome do exercício do poder.


Esse cenário tem permitido, no Brasil e no mundo, a adoção de medidas que flexibilizam o direito do trabalho, com a redução do patamar de garantias da classe trabalhadora, além do desemprego acentuado. Segundo dados da OIT, há mais de um bilhão de pessoas desempregadas no mundo ou laborando sem o amparo de qualquer legislação trabalhista. No Brasil, diz o IBGE que são quarenta milhões em tais condições. Aliás, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) assegura que dos 840 (oitocentos e quarenta milhões) de subnutridos existentes no planeta, 95% deles estão em países em desenvolvimento, nos periféricos, nas economias dependentes e superexploradas pelas nações imperialistas.

A tarefa primeira de qualquer humanista consiste na produção de antídoto eficaz contra os males deste segregacionismo social, invertendo a lógica perversa que valoriza a coisa em detrimento do homem trabalhador; que enaltece o individualismo em contraposição ao conceito de coletividade; que escancara a miopia social no esbanjamento, quando 30 (trinta) milhões de pessoas morrem por ano pela má distribuição mundial de alimentos, conforme dados da FAO.

É essa sociedade que, na concepção do economista e professor da UFRPE, Carlos Alberto Fernandes, de maneira paradoxal, autoriza o maior fabricante de calçados esportivos no mundo – a Nike – não possuir fábricas, nem equipamentos ou imóveis, pois apenas vende idéias ou conceitos e contrata fabricantes anônimos para produzir as formas concretas de seus conceitos. É também a que foi encontrada por jornalista da Folha de São Paulo, em reportagem do dia 12 de setembro de 2004, no Caderno “Emprego e Negócios”, segundo a qual, nos dias atuais, tem sido comum a utilização da seguinte frase: “Temos total interesse no seu serviço, mas, para trabalhar aqui, você precisa ter registro de pessoa jurídica”.

No âmbito de sua atuação, a Anamatra não tem medido esforços para defender o valor trabalho e a efetiva intervenção do Estado nas relações desiguais entre o capital e o trabalho, assegurando a todos os trabalhadores as garantias sociais previstas na Constituição e na CLT, repudiando, de forma veemente, as múltiplas tentativas de precarização levadas a efeito nos últimos anos.

Foi assim na luta contra a alteração do artigo 618, da CLT, que dava prevalência ao negociado sobre o legislado, jogando no lixo garantias históricas dos trabalhadores. Também tivemos participação importante de denúncia qualificada da ampliação das hipóteses de trabalho temporário e da terceirização, projeto que acabou não vingando; na defesa do crédito trabalhista na nova lei de falências; no repúdio às declarações do Senhor Presidente da República que visavam criar o “simples trabalhista” e autorizar a negociação de qualquer verba do contrato de emprego; na luta contra o trabalho escravo e contra o trabalho infantil; na obstinada batalha contra as falsas cooperativas de trabalho e as fraudulentas comissões de conciliação prévia. Nos últimos anos, nenhuma medida de conteúdo flexibilizante trabalhista deixou de receber a crítica pública, consistente e contundente da Anamatra.

Oferecemos sugestões ao Ministério do Trabalho e Emprego para uma reforma trabalhista com enfoque na valorização do trabalhador, ampliando os seus direitos e repartindo melhor a renda.

Na reforma sindical, buscamos a liberdade e o fortalecimento das entidades com base em premissas que passam pela extinção do imposto compulsório e da unicidade, mas que também estão a exigir a proibição contra a dispensa arbitrária, a inclusão dos desempregados e autônomos no movimento sindical, a fixação do princípio da norma mais benéfica, a ultratividade da norma coletiva, a substituição processual ampla, além de tantas outras propostas que parecem estar incomodando alguns setores do Poder Executivo.

A Anamatra, definitivamente, não tolera a precarização, nem faz da sua plataforma mera peça retórica a ser exibida em dias de festa. Angariando antipatias e colecionando inimigos poderosos, internos e externos, não tem vergonha de assumir o seu compromisso histórico com a defesa dos direitos da classe trabalhadora mundial. Como entidade da sociedade civil organizada e não como órgão do Poder Judiciário, pois não o é, entende que o mundo será mais justo quando houver melhor repartição da renda entre os reais construtores das riquezas da nação.

Avaliando esse novo e perverso mundo do trabalho, a Anamatra não teve qualquer dúvida ao reivindicar a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para apreciar as demandas de todos os trabalhadores, empregados ou não. O tratamento jurídico material diferenciado longe está de permitir, do ponto de vista de homogeneidade da classe trabalhadora, o destino de suas demandas para segmentos diversos do Poder Judiciário.


Se antes da reforma, apenas a reclamação trabalhista tinha como destino a Justiça do Trabalho, enquanto o pleito do trabalhador desprotegido seguia para uma outra vara com reduzida afinidade com os valores em disputa, agora qualquer trabalho é de competência do juiz do trabalho.

O trabalho teórico-doutrinário e de campo da Anamatra, com o forte apoio das Amatras, durante vários anos, foi exitoso, com o reconhecimento público do Parlamento. Muitos foram os embates e ameaças de retrocesso no decorrer do processo legislativo. A Anamatra participou ativamente da construção da redação do artigo 114, da Carta Política.

A nova competência da Justiça do Trabalho compreende as ações pertinentes a todas relações de trabalho, aos litígios sindicais, ao dano moral ou patrimonial derivado das relações de trabalho, as execuções das multas aplicadas pelos órgãos de fiscalização, aos conflitos atinentes ao exercício do direito de greve, também o habeas corpus, o mandado de segurança e o habeas data pertinentes a atos sujeitos à sua jurisdição.

Por razões diametralmente opostas, duas correntes de pensamento resistem à ampliação da competência da Justiça do Trabalho. Os intitulados defensores do direito do trabalho alegam que a ampliação exacerbada fará perder a especialização e escancarará uma porta larga para a precarização das relações sociais. Devo divergir desses bem-intencionados juristas comprometidos com os valores humanos do trabalho. O movimento ocorre de modo diverso.

Se a Justiça do Trabalho não tiver a capacidade de alargar a sua atuação para todas as causas dos trabalhadores, num mundo do trabalho de frenéticas mudanças, será colocada em xeque pelos setores que sempre a aceitaram com restrições. Foi por essa razão que vozes influentes do Governo Fernando Henrique Cardoso, da área econômica, por mais de uma vez, falaram em extinção da Justiça do Trabalho.

Não deve ser diferente a opinião do mesmo Ministério do atual Governo. Aliás, todas as forças detentoras de capital político expressivo no cenário nacional nutrem, de algum modo, preconceito contra a justiça laboral, que, na maioria das vezes, apenas reflete o inconformismo com o direito social legislado e com a efetividade da atuação desse ramo do Judiciário.

É taticamente mais sutil eliminar o Direito do Trabalho a partir da extinção da Justiça Especializada. Para o cumprimento do Direito do Trabalho é indispensável a manutenção de um ramo próprio para julgar tais causas. A professora Flávia Birolli anota que de nada adiantaria a criação dos direitos trabalhistas no Brasil, na era Vargas, se não existisse uma justiça especializada para fazer respeitar as regras previstas em lei.

A outra corrente que se opõe ao comando constitucional vislumbra com nitidez o que representa a Justiça do Trabalho com a sua competência ampliada. São os setores empresariais, nacionais e estrangeiros, os seus economistas e os professores neoliberais que criticam o intervencionismo da justiça laboral nas relações entre o capital e o trabalho. Esses atores reclamam do custo do trabalho, dos encargos sociais, dos direitos sociais constitucionalizados, da CLT e de tudo que possa diminuir as extraordinárias margens de lucro.

Receiam que a Justiça do Trabalho se fortaleça cada vez mais, perdendo, conseqüentemente, força a tese de sua extinção, como também temem que a visão social dos conflitos inerente à magistratura do trabalho expanda-se para a análise de outras relações conflituosas.

A reunião de todos os trabalhadores sob a decisão do mesmo ramo do Judiciário recompõe a fragmentação que a evolução do capitalismo impôs à classe operária.

O resgate da cidadania do trabalhador aflige os que não toleram enfrentar a revolução social necessária ao engrandecimento da Nação, que, passa, inequivocamente, pela redistribuição de renda e pela efetividade na prestação jurisdicional.

A nova Justiça do Trabalho estará pronta – e com este seminário, mais pronta ainda – a enfrentar o longo caminho de construção da competência ampliada.

O escritor português José Saramago, no ensaio “Da Justiça à Democracia, passando pelos sinos”, narra a história de um camponês dos arredores de Florença, no Século XVI, profundamente indignado com a justiça que, apesar de provocada, nada havia feito para coibir as sucessivas apropriações de sua pequena parcela de terra por ganancioso marquês ou conde.

Numa época em que o sino da igreja dobrava melancolicamente a finados, o revoltado camponês atraiu a atenção do povo pelo toque insistente do sino. Queriam saber os seus vizinhos onde se encontrava o sineiro e quem era o morto.

O camponês respondeu, então, que o sineiro não estava ali. Disse, ainda, que não tinha morrido ninguém, pelo menos com nome e figura de gente, tendo tocado a finados “pela justiça porque a justiça está morta”.

A todos comoveu, após relatar o seu drama.

Louvemos o camponês de Florença.

Nesse momento tão significativo e, paradoxalmente, crucial para a Justiça do Trabalho, é hora de, a partir de ações e resultados concretos, deslegitimar a subida à torre da igreja, não do humilde e ingênuo camponês de Florença, e sim das forças ávidas pelo toque do sino contra o único segmento social do Poder Judiciário brasileiro.

Façamos a nossa parte.

A caminho de uma Justiça Social

Obrigado.

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