Longa espera

Pai de Sandra Gomide reclama de demora de julgamento

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16 de março de 2005, 10h48

A testemunha-chave do assassinato da jornalista Sandra Gomide está desaparecida. E a família teme que o mesmo aconteça com outros circunstantes do crime. Sandra foi assassinada há quase 5 anos, com dois tiros à queima-roupa, pelo jornalista Antonio Pimenta Neves, num haras em Ibiúna, interior de São Paulo.

Ele está em liberdade. E a mãe de Sandra, Leonilda Gomide, está com problemas psíquicos. Internada numa clínica psiquiátrica em Santos, baixada paulista, ela alterna fases em que crê que Sandra esteja viva com períodos de sanidade.

Em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico, o pai de Sandra, João Gomide, avalia que o caso não anda porque “no Brasil a Justiça só pune quem não tem dinheiro, como no caso do taxista que também matou uma jornalista”. Ele refere-se ao julgamento do taxista Claudionor Almeida de Souza, condenado semana passada pela morte da mulher, a jornalista Sueli Jacinto. Ela foi assassinada, em dezembro de 2002, em Praia Grande (litoral de São Paulo), durante a lua-de-mel.

João Gomide passou a sofrer do coração depois da morte de Sandra. Submeteu-se a quatro intervenções coronárias. “Já falei para o médico: Olha, me segura, me mantém vivo até o julgamento do Pimenta. Eu quero Justiça da Terra. Se visse isso sendo feito, eu até poderia morrer satisfeito. Digo isso para o meu médico. O médico me diz que vou durar mais 15 anos, mas isso não me interessa. A única coisa que me interessa na vida, agora, é ver que o Pimenta Neves teve o que ele merece. Cada dia eu fico pior. Não me movimento mais bem. Se saio de casa, tem de ter uma pessoa junto”, relata.

O caso Sandra Gomide caminha lentamente. Pimenta Neves já entrou com cinco Embargos de Declaração no processo, coisa rara em ações criminais. Por ora, os autos estão na Procuradoria-Geral de Justiça, em São Paulo, para contra-razões de Recursos Especial e Extraordinário interpostos pelo réu. Após essa fase, irão para a vice-presidência do TJ para despacho sobre a admissibilidade dos recursos.

O advogado Luiz Fernando Pacheco, que representa a família Gomide, disse que “nada justifica, por exemplo, que o Ministério Público esteja com os autos para contra-razões de recursos desde 1º de dezembro de 2004 quando, de acordo com a lei, teria um prazo de 15 dias para se manifestar”.

Peso e medida

Luiz Flávio Gomes, professor e doutor em Direito Penal, concorda com o pai de Sandra Gomide sobre a rapidez da Justiça para pobres e morosidade para ricos. “A Justiça anda bastante para pobre que não tem dinheiro para contratar advogado e, conseqüentemente, não há recursos. Quando se contrata um bom advogado, há muitos recursos e o caso demora mais para ser julgado”, constata.

Para o professor, que atuou inicialmente no processo em favor da família Gomide, “é um absurdo que esse caso ainda não tenha sido julgado”. Ele atribui a morosidade ao número de recursos pendentes no TJ paulista, mas diz acreditar que o julgamento de Pimenta Neves deve ocorrer ainda este semestre.

Segundo Luiz Flávio Gomes, o jornalista deve ser condenado por homicídio qualificado, cuja pena é de 12 a 30 anos de prisão. Entretanto, se ele for condenado após os 70 anos, a pena cai pela metade. Pimenta Neves tem 68 anos.

O professor lembra que o jornalista está solto até hoje, apesar de ser réu confesso, porque o Supremo Tribunal Federal entendeu que ele não apresenta periculosidade, risco de fuga e tem residência fixa. “O absurdo não é ele estar solto. O absurdo é ele não ter sido julgado ainda”, finaliza.

Leia a entrevista com João Gomide

Que circunstâncias do caso ficaram na sua memória?

Meu primeiro impacto é o seguinte: dia 20 de agosto de 2000, às sete horas da noite, eu recebi a notícia que o Pimenta tinha assassinado a minha filha no haras. Ele foi lá justamente para assassiná-la. Mas o Pimenta Neves esteve na minha casa, lá no sítio, no sábado. Ele veio almoçar comigo na véspera do assassinato. E no domingo, no dia do assassinato, ele esteve lá às seis horas da manhã para levar para nós um bolo para tomarmos café. Ele já havia me prometido que não tinha mais nada com a Sandra, que não queria saber mais de nada.

Quando eu vim embora para a minha casa, lá pelas duas horas da tarde, ficaram meu filho e minhas netas lá. Minha filha foi até o haras para pegar o cavalo. Quando ela pegou o cabresto na celaria, ele veio com o Tempra envenenado, um Tempra Turbo, e puxou a minha filha pela mão. Como era mais forte, ele a puxou, mas ela conseguiu sair da mão dele e pediu socorro. Quando ela pediu socorro ao rapaz do haras, que estava perto, o rapaz achou que era brincadeira. Então, ele foi lá no carro dele e pegou um 38 e deu dois tiros, nas costas, na nuca dela. Deu o primeiro e depois foi lá e deu o outro à queima-roupa.

O senhor acha que a Justiça só manda pobre para a cadeia?

Rapaz, isso dá vontade de me dar um tiro na cabeça porque era a minha única filha, né? Eu só tenho um filho, que é casado. Ela não era casada e estava sempre comigo. Olha, me dá vontade de morrer, viu? E o mal que sinto até hoje é o de ver justamente essa Justiça, né?

Se a pessoa tem dinheiro nesse país, ela fica solta e tal. Não foi o caso do taxista julgado, lá na Baixada, que é um caso que aconteceu há dois anos. O caso da minha filha já vai para cinco anos. Eu tenho ainda três processos contra o Pimenta Neves. Um é porque ele, antes de assassinar minha filha, arrombou a porta do apartamento dela e a agrediu. O outro processo é do assassinato e tem uma outra ação [indenizatória]. Mas toda a vez que o juiz pega esses casos, ou ele entra de férias ou se aposenta. Ou o Fórum entra em greve. Quer dizer, fica-se jogando aquele balaio de gatos. Nenhum dos três processos que tenho contra o Pimenta Neves ainda foi julgado. Já tivemos audiências, testemunhas. Veja, trata-se de um caso de crime com réu confesso e testemunhas! Veja o caso de minha ação indenizatória contra ele: cada um que a pega põe na gaveta. Eu não sei o que acontece com a Justiça brasileira.

A Justiça brasileira só funciona para punir pobres. Esse taxista condenado por matar a jornalista só encontrou a lei porque ele não tem dinheiro. Quem dança é o pobre que não tem dinheiro. O Pimenta Neves tem dinheiro.

O senhor achou que com Lula na Presidência a Justiça seria melhor?

Isso não depende do presidente. Depende daqueles sacanas das Assembléias, do Congresso, do Senado. Para eles, não há vantagem nenhuma. Veja — a maior parte deles — 50% — são ladrões. Então se acontecer de a Justiça ser mudada, eles vão presos. Me diga: você vai fazer uma lei que te prejudica? Não.

O caso pode prescrever?

A principal testemunha já foi para o Rio de Janeiro. O encarregado do haras, o senhor João, que estava a três metros de minha filha quando ela foi morta, foi para o Rio e ninguém sabe mais do endereço dele, . Nem o patrão dele sabe onde ele está.

Tenho medo que as testemunhas se mudem e o caso prescreva. Tem outra coisa: dinheiro compra tudo nesta terra. A lei é feita na hora. O taxista condenado semana passada não ficou solto porque não tem dinheiro para dar para os homens. Eu gostaria que acontecesse para esses caras aí de cima — deputados, senadores — o que aconteceu comigo. Sempre há morosidade quando em casos que envolvem gente de muito dinheiro.

Como está sua família?

Minha mulher ficou com problema psíquico. Ficou com transtorno bipolar e está internada em Santos. De dois em dois meses vou ao psiquiatra com ela. Ela acha que a Sandra está viva, às vezes, e depois acha que sou culpado pela morte dela. Ela toma três remédios de dia e três à noite, só remédio forte. Eu fiquei com neuropatia diabética, tive problemas de coração, tive de fazer quatro safenas e uma mamária. Só de acordar à noite, lá para uma da manhã, de pensar nesse caso…só de pensar que o Pimenta está numa boa e eu aqui nessa vida…Isso é muito ruim para mim. É a pior coisa. É preferível perder as pernas do que perder uma filha desse jeito. Eu nunca pensei que eu ia sair de Minas Gerais, fazer minha família aqui e depois acontecer um negócio desses. Às vezes eu penso “Será que tudo isso aconteceu mesmo? Será que esse sou eu mesmo?”.

O senhor acredita que o caso se resolva logo?

Já falei para o médico: “Olha, me segura, me mantém vivo até o julgamento do Pimenta. Eu quero Justiça da Terra. Se visse isso sendo feito, eu até poderia morrer satisfeito. Digo isso para o meu médico. O médico me diz que vou durar mais 15 anos, mas isso não me interessa: a única coisa que me interessa na vida, agora, é ver que o Pimenta Neves teve o que ele merece. Cada dia eu fico pior. Não me movimento mais bem. Se saio de casa, tem de ter uma pessoa junto. Eu e minha mulher vivemos de aposentadoria agora. Vendi minha loja de escapamentos. Vivo de quirelas. Quero ver o Pimenta pagar.

O senhor acha que Pimenta Neves é louco, inimputável?

Ele é tão sem vergonha que, um mês e meio antes de assassinar a minha filha, veio a nós. Ele tinha muita intimidade com a gente. Ele vinha muito em casa. Ele veio e me disse: fala para a sua esposa, a dona Leonilda, para ela rezar para a minha filha que mora nos Estados Unidos, chamada Andréia, porque ela está com câncer.

Minha mulher foi lá e rezou para a filha dele. E depois ele veio e tirou a vida da minha filha. Esse camarada não é doido não. Ele quer ser poderoso, quer ser o imperador. Quando ele agrediu minha filha, eu disse para ele: Vou pedir para a Sandra não mover ação contra você. Sabe o que ele respondeu? Se ela quiser mover ação contra mim, que mova. Isso não resolve nada. Ele me disse isso na minha loja. E um mês e meio antes de assassinar a minha filha, ele abriu a porta do apartamento dela, usando chave falsa, e bateu nela. Ela morava sozinha na França Pinto. Fizemos boletim de ocorrência, laudo no IML, e movi ação. Até hoje nada, não saiu nada.

O senhor acredita na Justiça brasileira?

Claro que não. Se eu fosse mais novo, eu ia embora do país. Iria arriscar sair pelo México — isso se eu tivesse uns 30 anos de idade. Este país aqui não dá mais. Eu gostava muito da época do regime militar. Naqueles tempos não havia essas falcatruas. Fui do Exército. A lei era cumprida e os generais saíam do Exército sem dinheiro, à míngua. Hoje conheço traficante com ficha de dez metros e advogados que pegam R$ 100 milhões desses caras para poder deixá-los apenas 3 meses na cadeia. O dinheiro compra tudo.

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