Seguro em jogo

TJ-RS nega mudança em registro de filho para recebimento de seguro

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14 de março de 2005, 17h12

Uma mãe do Rio Grande do Sul não conseguiu alterar o registro de nascimento do filho que foi criado pela avó e já morreu. O pedido foi negado pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Cabe recurso.

De acordo com a 7ª Câmara Cível, ficou claro que a mãe biológica tentava apenas obter vantagem econômica para receber o seguro do filho. Para os desembargadores, “se durante toda a vida do filho a autora não foi e não soube ser sua mãe, então não o será depois da sua morte”. A informação é do TJ-RS.

A mulher sustentou ser mãe biológica do rapaz. O fato foi admitido pela própria avó — mãe registral e sociafetiva — do garoto. A mãe biológica afirmou que apenas soube que a criança foi registrada em nome dos avós quando ela já tinha 6 anos de idade. Entretanto, enfatizou que sempre esteve perto e levava comida ao garoto. A avó alegou que a mãe biológica só se interessou pela maternidade quando o garoto morreu, aos 23 anos de idade, para receber a indenização por acidente de trabalho.

O relator, desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, confirmou a decisão da primeira instância. Ele considerou que os autos deixavam bem claro a situação de abandono por parte da mãe biológica.

A mãe biológica admitiu ter deixado seu filho com os avós porque precisava trabalhar. O neto se tornou filho, inclusive perante o cartório. “Se a genitora não deu o devido valor à sua condição de mãe durante os 23 anos de vida do filho, inaceitável sua pretensão de assumir tal postura quando já não é possível materializar-se esse vínculo (…)”, declarou o relator.

Antes de morrer, o rapaz escreveu uma carta intitulada “filho abandonado”. Ele relatou a mágoa que sentia de sua mãe biológica pelo fato dela não ter dado carinho e atenção. Também declarou que os avós eram “seus pais de coração”. O relator considerou que a atitude de tentar retirar da avó a condição de mãe é “imoral”.

Processo nº 70005273099

Leia a íntegra do acórdão

PEDIDO DE ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL PARA FINS INDENIZATÓRIOS, FORMULADO PELA MÃE BIOLÓGICA. DESCABIMENTO. 1. Se a genitora abandonou o filho logo após o nascimento, e este foi registrado, criado e educado como filho pelos avós, restou consolidado o vínculo de filiação socioafetiva. 2. Se esse filho veio a falecer com 23 anos de idade e se a maternidade sempre foi rejeitada, descabe, pelo fato do óbito e por interesse meramente pecuniário, pretender a alteração do registro civil. 3. Se durante toda a vida do filho a autora não foi e não soube ser sua mãe, então não o será também depois da sua morte. Recurso desprovido.

APELAÇÃO CÍVEL – SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70005273099 – NONOAI

TERESINHA DA LUZ DA VEIGA – APELANTE

JULIA VEIGA – APELADA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, desprover o recurso.

Custas, na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Desembargadores José Carlos Teixeira Giorgis, Presidente, e Luiz Felipe Brasil Santos.

Porto Alegre, 12 de março de 2003.

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,

RELATOR.

RELATÓRIO

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – RELATOR — Trata-se da irresignação de TEREZINHA L. V. com a sentença de fls. 40/42 que julgou improcedente a ação declaratória de nulidade de registro público que move contra JÚLIA V.

Nas suas razões, reitera os argumentos postos na exordial. Sustenta ser mãe biológica de VALDIR A. V., fato este que diz ser admitido pela própria requerida, e conta que soube que o menino havia sido registrado em nome dos avós, quando este já contava 6 anos de idade. Diz que, embora VALDIR tenha sido criado por seus pais, ela sempre esteve residindo por perto e sempre levou mantimentos ao garoto. Requer a reforma da sentença a fim de que sejam declarados nulos tanto o registro de nascimento como o de óbito de VALDIR.

Em contra-razões, ressalta a apelada que TEREZINHA somente interessou-se na maternidade de VALDIR quando da morte deste, visando obter indenização por seu falecimento. Pugna pela manutenção do decisum por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Com vista dos autos, opina a douta Procuradoria de Justiça pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – RELATOR — Estou confirmando a decisão atacada pois se trata de pedido de alteração de registro civil do filho para finalidade de obter vantagem econômica, isto é, indenização pelo acidente de trabalho do filho e, certamente, pensão previdenciária.

Primeiramente, observo que os fatos foram relatados com suficiente clareza na exordial, não sendo trazido ao longo do feito qualquer comprovação de que a mãe biológica tenha exercido plenamente a maternidade e que a maternagem não tenha ficado por conta da mãe registral (avó materna), a qual disse que “a requerente esqueceu durante vários que era mãe biológica de VALDIR”, bem como que “jamais importou-se com o filho”, o qual “foi criado e educado pela requerida e seu extinto esposo”, sendo que “somente agora pretende anular a certidão de nascimento do falecido VALDIR, com o intuito de receber indenização pela morte de VALDIR” (fl. 16).

O de cujos , nascido quando a mãe contava 14 anos, foi registrado e criado como filho dos avós maternos e como tal se manteve até o seu óbito, que ocorreu quando já contava 23 anos de idade. Somente com o óbito ocorrido em decorrência de acidente de trabalho, é que a mãe biológica pretende obter a retificação do registro civil de nascimento, ficando claríssimo o seu intuito exclusivo de buscar indenização do empregador e, possivelmente, buscar alguma vantagem previdenciária.

Constata-se, pois, a situação de abandono do infante por parte de sua genitora, a qual admitiu, no seu depoimento pessoal (fl. 31), que saiu de casa quando estava grávida e que, quando nasceu VALDIR, o deixou aos cuidados dos pais, justificando que tinha de trabalhar. Essa omissão da genitora relativamente ao filho, configuraria, a rigor, a situação de abandono de que trata o art. 98 do ECA e seria, por si, suficiente para aplicação de medida de proteção à criança.

O neto tornou-se filho da agravada, sendo como tal tratado e também registrado perante o ofício civil, não obstante jamais lhe tenha sido sonegada a verdade biológica. No plano socioafetivo, a filiação foi sempre incontroversa e, por essa razão, descabe promover a alteração post mortem do registro civil eis que única motivação é econômica.

Ora, se a genitora não deu o devido valor à sua condição de mãe durante os vinte e três anos de vida do filho, inaceitável sua pretensão de assumir tal postura quando já não é possível materializar-se esse vínculo no plano social e afetivo, tendo em mira o prematuro óbito. conforme relata o próprio menino em sua carta de fl. 20.

Aliás, a condição de abandono a que ficou relegado o filho VALDIR é por ele mesmo retratada na eloqüente carta por ele deixada, intitulada “filho abandonado”, na qual relata toda a sua mágoa com a recorrente por tê-lo abandonado e por nunca ter dado a ele o carinho e a atenção que gostaria de ter recebido e, ao mesmo tempo, enalteceu a conduta dos avós, seus pais do coração.

A requerida, no seu depoimento de fl. 32, disse que a autora, no princípio, até “visitava o filho, mas não ajudava financeiramente” e que “por um tempo a autora residiu por perto, mas depois saiu do local não sabendo para onde foi”. Ou seja, a recorrente não abandonou seus pais, abandonou, sobretudo – e uma vez mais – , o próprio filho.

Diante disso, considerando que a avó, mais do que ter a condição de guardiã efetiva de VALDIR, que com ela residiu por toda sua vida, exercia de fato e de direito a condição de mãe, afigura-se até imoral a pretensão da recorrente tentando retirar dela a condição de mãe registral e socioafetiva, tudo com o intuito de buscar para si uma indenização pela morte do filho.

Ou seja, com o intuito exclusivo de obter essa vantagem econômica, a recorrente procura criar, artificiosamente, uma forma de vinculação legal, chorando perda de um filho do qual ela nunca foi Mãe. Se durante toda a vida do filho a autora não foi e não soube ser sua Mãe, então não o será também depois da sua morte.

ISTO POSTO, nego provimento ao recurso.

DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS — De acordo.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS — De acordo.

DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS — PRESIDENTE — Apelação Cível nº 70 005 273 099, de Nonoai.

“DESPROVERAM. UNÂNIME.”

JUÍZA A QUO: Dra. Ana Paula Della Latta.

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