Trem da anistia

MPF pede investigação de indenizações milionárias

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9 de março de 2005, 20h26

Caso os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) acatem o pedido do Ministério Público Federal de fiscalização das reparações milionárias que o governo vem concedendo a anistiados políticos, as investigações não deverão se limitar aos altos valores administrados pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. O Tribunal poderá aferir a legalidade dos critérios que vêm sendo adotados para a definição dos valores, averiguar a duplicidade de pagamentos e, principalmente, por ordem na fila de chegada dos anistiados que reclamam o benefício.

“Pela sua própria natureza, uma indenização não deve servir ao enriquecimento”, argumenta o procurador-geral da República junto ao TCU, Lucas Furtado, na representação que apresentou, na Corte, na segunda-feira (7/3). Para Furtado, os elevados valores dos benefícios concedidos ferem princípios constitucionais como o da “indisponibilidade do interesse público, da isonomia e da razoabilidade”. (veja a íntegra abaixo)

A iniciativa do procurador pegou no contrapé a Comissão da Anistia, presidida pelo advogado Marcelo Lavenère. Com a disponibilidade orçamentária de distribuir o benefício até o limite de R$ 1 bilhão no atual governo, a Comissão vem concedendo reparações em prestações mensais e vitalícias que chegam a quase R$ 20 mil (veja alguns casos na tabela constante da representação do procurador).

Segundo os critérios adotados pela Comissão, fazem jus ao benefício mensal os requerentes que tiveram seus contratos de trabalho rompidos como decorrência de perseguição política durante os “anos de chumbo”. Não importa se o constrangimento transcorreu por um mês ou dez anos. O anistiado receberá um valor mensal equivalente à remuneração atual do cargo que exercia na época. E, se ele convencer a Comissão de que, se permanecesse no emprego, galgaria funções de chefia, terá um benefício ainda mais gordo.

Esse foi o caso do rumoroso benefício concedido ao escritor e jornalista Carlos Heitor Cony. Os seus advogados convenceram a Comissão de que Cony, então redator do extinto jornal Correio da Manhã, chegaria ao posto máximo da redação se não fosse perseguido pela ditadura. Diante disso, a Comissão administrou o teto da remuneração do serviço público federal — o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal — concedendo ao anistiado uma pensão de R$ 19 mil, em junho do ano passado.

Além da prestação mensal, os anistiados também se habilitam a receber um valor referente à reparação retroativa que, em alguns casos, ultrapassa R$ 3 milhões. No caso de Cony, o valor retroativo é de R$ 1,4 milhão — e, essa conta, não está somada na disponibilidade orçamentária oficial. Esses valores ainda não estão sendo quitados e discute-se no governo uma forma de saldá-los, permitindo a estimativa de que o custo total da anistia política ultrapasse R$ 10 bilhões.

Critérios

“Estou cumprindo a Lei”, afirmou Marcelo Lavenère para a revista Consultor Jurídico. Não interessa, no seu entendimento, se o requerente, em conseqüência da perseguição, tomou um rumo melhor e ganhou muito dinheiro na vida. “Para nós, ele tem o mesmo direito do que qualquer outro perseguido”, disse o presidente da Comissão, para acrescentar: “Não posso desqualificar a Lei que estou aplicando. Se fosse legislador, faria diferente”.

“Não há como reparar um dano econômico que, afinal, acabou de fato não ocorrendo”, rebate o procurador Lucas Furtado em sua representação. Para ele, o critério para a concessão do benefício deveria ser uma compensação que cobrisse a perda de patrimônio imposta pela perseguição política imposta ao agora anistiado.

A interpretação da Lei, no entanto, é um dos problemas que cercam a polêmica em torno da anistia. A questão não é nova. Já em agosto de 2003, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, baixou um decreto criando uma comissão interministerial para “estabelecer critérios e forma de pagamento” dos anistiados. Longe de estabelecer critérios, os trabalhos da comissão resultaram em outro decreto, três meses depois. Decidiu-se que sobre as indenizações dos anistiados não incidiria o Imposto de Renda.

Uma das fontes de informações para o procurador elaborar sua representação foi a listagem dos benefícios concedidos que a Comissão da Anistia disponibiliza na internet. Ali estão arrolados os nomes e valores que foram atribuídos a 13.229 anistiados até setembro do ano passado. Esse número já é bem maior mas, depois da polêmica provocada pelas pensões milionárias, no segundo semestre do ano passado, a relação deixou de ser alimentada.

A listagem exibe os anistiados que passaram a receber pensões mensais e também os que fizeram jus apenas à uma reparação única porque não conseguiram comprovar ou não tinham vínculo empregatício na época da perseguição. Era a situação de estudantes, por exemplo. Neste caso, o critério é o de pagamento de 30 salários mínimos por ano de perseguição até o limite de R$ 100 mil.


Sem ordem de chegada

A análise da listagem provoca dúvidas e também permite pelo menos uma constatação. A dúvida refere-se à concessão, num mesmo processo, da prestação única e do benefício mensal para os anistiados. É o caso, por exemplo, do anistiado Paulo de Tarso Vanuchi. Ele figura como beneficiário de uma prestação mensal de R$ 6 mil, com direito ao valor retroativo de R$ 780 mil e, ao mesmo tempo, teria recebido uma prestação única de R$ 54 mil.

Também há o caso da anistiada Zilda Paula Xavier Pereira que teve dois processos julgados no mesmo dia, em fevereiro do ano passado, concedendo-lhe duas indenizações únicas que somam cerca de R$ 140 mil. Segundo a assessoria da Comissão, um dos processos se referia a João Batista Xavier Pereira, marido falecido da anistiada.

Também salta aos olhos o artifício de passar requerentes na frente de outros não se respeitando a ordem de chegada. Entre fevereiro e abril de 2003, já no atual governo, foram protocolados requerimentos de inúmeros ex-dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Menos de um ano depois todos os processos estavam julgados e os benefícios concedidos. Entre eles, estão os deputados federais do PT Devanir Ribeiro, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, o ex-deputado Jair Meneguelli, e o Secretário de Relações do Trabalho, Osvaldo Bargas.

O privilégio irrita requerentes que se encontravam a mais tempo na fila. O jornalista Celso Lungaretti, por exemplo, espera o julgamento de seu processo desde 2001. “A seleção dos casos tem sido arbritária”, afirma ele. Lungaretti que perdeu boa parte de sua audição em decorrência da tortura foi duplamente perseguido. De um lado pela ditadura militar. De outro, pela sociedade. Apontado na época como preso político que teve “mal comportamento” não resistiu ao preconceito dos colegas da escola de jornalismo da Universidade de São Paulo. Seis meses depois de se matricular, viu-se na contingência de se afastar dos estudos.

Leia a íntegra da Representação

Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Tribunal de Contas da União.

Com fundamento no artigo 81, I, da Lei nº 8.443/1992, e no artigo 69, VII, da Resolução TCU nº 136/2000, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União oferece

REPRESENTAÇÃO

visando a que esta Corte de Contas determine a realização de trabalho de fiscalização com vistas a aferir a regularidade das indenizações financeiras, à conta do Tesouro Nacional, que vêm sendo concedidas pelo Ministério da Justiça aos anistiados políticos a que se refere o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT –, a seguir transcrito:

“Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

§ 1º – O disposto neste artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo.

§ 2º – Ficam assegurados os benefícios estabelecidos neste artigo aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos.

§ 3º – Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica nº S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5 será concedida reparação de natureza econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição.

§ 4º – Aos que, por força de atos institucionais, tenham exercido gratuitamente mandato eletivo de vereador serão computados, para efeito de aposentadoria no serviço público e previdência social, os respectivos períodos.

§ 5º – A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º”.


O comando constitucional acima referido foi disciplinado pela Lei nº 10.559, de 13.11.2002. Entre os direitos compreendidos no que a mencionada lei denominou de “Regime do Anistiado Político”, figurou a reparação econômica, de caráter indenizatório, àqueles que a requererem comprovando ou indicando provas de que, durante o período considerado no artigo 8º do ADCT, foram prejudicados em decorrência de perseguição política.

A reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002 deve ser concedida mediante portaria do Ministério da Justiça, após parecer favorável da Comissão de Anistia criada pela mesma lei para funcionar na estrutura daquele ministério. Ainda segundo a lei, poderá a indenização ser realizada em prestação única, correspondente a 30 salários mínimos por ano de perseguição política, até o limite de R$ 100 mil, ou em prestação mensal, permanente e continuada, correspondente à remuneração relativa ao posto, cargo, graduação ou emprego que o anistiando ocuparia caso não houvesse sido impedido por perseguição política, observado o limite do teto da remuneração do servidor público federal. No caso da prestação realizada em prestações mensais, os efeitos financeiros devem retroagir à data de promulgação da Constituição de 1988. As indenizações previstas na Lei nº 10.559/2002 são isentas de descontos a título de contribuição para o sistema de seguridade social ou a título de imposto sobre a renda.

– II –

De acordo com estimativas veiculadas na parte do site do Ministério da Justiça dedicada à Comissão de Anistia (www.mj.gov.br/anistia), cerca de 40 mil requerimentos de reparação econômica deverão ser apresentados àquela comissão. Segundo a mesma fonte, para arcar com as indenizações deferidas pelo Ministério da Justiça o governo federal realizará despesas de R$ 200 milhões em 2004, R$ 300 milhões em 2005 e R$ 400 milhões em 2006.

No mesmo endereço www.mj.gov.br/anistia podem ainda ser encontradas informações sobre todas as indenizações já autorizadas pela Comissão de Anistia. O acesso àquele espaço permite que se conheça o nome do anistiado, o tipo de indenização que lhe foi concedida (única ou em prestações mensais) e os valores dessas indenizações, incluindo, no caso de indenizações a serem realizadas em prestações mensais, os montantes retroativos a 05.10.1988.

O exame dos relatórios de indenizações divulgados no espaço da Comissão de Anistia na internet faz saltar aos olhos, pelo vulto de seus valores, algumas indenizações em prestações mensais continuadas e permanentes e as respectivas quantias concedidas a título de indenização retroativa a 05.10.1988. Essas indenizações, concedidas àqueles que convenceram a Comissão de Anistia que a perseguição política lhes impôs rompimento de atividade de regular e considerável proveito econômico, discrepam em muito das indenizações que foram concedidas aos que exerciam atividades econômicas modestas ou àqueles que não lograram comprovar o exercício de atividade econômica formal e regular, sujeitando-se, por isso, à indenização em prestação única, no valor máximo de R$ 100 mil. Observe-se, senão, a relação de algumas indenizações autorizadas pela Comissão de Anistia em prestações mensais continuadas e permanentes, acrescidas das respectivas indenizações retroativas a 05.10.1988:

Nome do Requerente/Anistiado

Fernando Pereira Christino

Data da Concessão

23/03/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

19.115,19

Valor da Indenização Retroativa (R$)

2.178.956,71

Nome do Requerente/Anistiado

Carlos Heitor Cony

Data da Concessão

21/06/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

19.115,19

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.417.072,75

Nome do Requerente/Anistiado

José Caetano Lavorato Alves

Data da Concessão

02/08/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

18.976,31

Valor da Indenização Retroativa (R$)

2.541.693,65

Nome do Requerente/Anistiado

Carlos Alberto Ramos Julio

Data da Concessão

21/06/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

18.488,85

Valor da Indenização Retroativa (R$)

2.793.339,66

Nome do Requerente/Anistiado

Denis Toledo Martins

Data da Concessão

21/06/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

18.488,85

Valor da Indenização Retroativa (R$)

3.132.458,16

Nome do Requerente/Anistiado

Romeu Rodrigues da Veiga Filho

Data da Concessão

21/06/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

18.488,85

Valor da Indenização Retroativa (R$)

2.918.424,39

Nome do Requerente/Anistiado

Jorge Cristiano Pinheiro Reis

Data da Concessão


02/08/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

18.488,85

Valor da Indenização Retroativa (R$)

2.618.730,64

Nome do Requerente/Anistiado

Sergio da Silva del Nero

Data da Concessão

02/08/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

18.488,85

Valor da Indenização Retroativa (R$)

3.427.296,93

Nome do Requerente/Anistiado

Ditmar Friedrich Muller

Data da Concessão

23/08/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

18.488,85

Valor da Indenização Retroativa (R$)

2.895.948,11

Nome do Requerente/Anistiado

Alcino Alves de Araújo Filho

Data da Concessão

28/09/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

18.488,85

Valor da Indenização Retroativa (R$)

2.121.058,74

Nome do Requerente/Anistiado

Aureclydes Ponce de León Antunes

Data da Concessão

16/02/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

15.254,75

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.392.857,58

Nome do Requerente/Anistiado

Hélio Fernandes

Data da Concessão

23/08/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

14.777,50

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.482.429,54

Nome do Requerente/Anistiado

Walter Paul Hermann Seiffert Filho

Data da Concessão

04/12/2003

Valor da Indenização Mensal (R$)*

14.618,67

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.896.528,79

Nome do Requerente/Anistiado

Carlos Alberto Oliveira dos Santos

Data da Concessão

16/02/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

14.618,67

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.544.788,56

Nome do Requerente/Anistiado

Sérgio de Azevedo

Data da Concessão

25/05/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

13.704,90

Valor da Indenização Retroativa (R$)

2.028.096,79

Nome do Requerente/Anistiado

Antonio Luiz Oliveira Pereira

Data da Concessão

27/05/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

13.558,07

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.633.374,25

Nome do Requerente/Anistiado

Luiz Edgard de Andrade Furtado

Data da Concessão

21/06/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

13.483,20

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.080.453,76

Nome do Requerente/Anistiado

Hélio José Dantas Rosado

Data da Concessão

29/04/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

11.899,21

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.200.030,19

Nome do Requerente/Anistiado

José Thadeu Dias Madureira

Data da Concessão

29/04/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

11.899,21

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.662.967,44

Nome do Requerente/Anistiado

Moacyr Pinheiro Silva

Data da Concessão

29/04/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

11.899,21

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.015.868,41

Nome do Requerente/Anistiado

José Carlos Valle de Lima

Data da Concessão

05/08/2002

Valor da Indenização Mensal (R$)*

11.406,28

Valor da Indenização Retroativa (R$)

2.392.657,33

Nome do Requerente/Anistiado

Eduardo José Chagas Pires

Data da Concessão

29/04/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

11.300,16

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.045.928,41

Nome do Requerente/Anistiado

Luiz Carlos Natal

Data da Concessão

03/12/2002

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.931,51

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.015.384,42

Nome do Requerente/Anistiado

Léo de Judá Barbosa

Data da Concessão

25/11/2003

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.919,99

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.104.046,04

Nome do Requerente/Anistiado

Ângela Maria Leitão de Macedo

Data da Concessão

29/04/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.804,78

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.212.538,31

Nome do Requerente/Anistiado

Leda Maria Teles de Souza

Data da Concessão

29/04/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.804,78

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.525.702,75

Nome do Requerente/Anistiado

Paulo Roberto Almeida Abreu

Data da Concessão

12/02/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.764,47

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.916.966,92

Nome do Requerente/Anistiado

Fernando Talma Sarmento Sampaio


Data da Concessão

29/04/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.764,46

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.345.349,94

Nome do Requerente/Anistiado

Nudd David de Castro

Data da Concessão

29/04/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.758,70

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.094.193,29

Nome do Requerente/Anistiado

Pedro de Arbues Martins Alvarez

Data da Concessão

25/03/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.752,94

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.385.953,11

Nome do Requerente/Anistiado

Pedro Guedes Martins

Data da Concessão

29/04/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.752,94

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.066.058,23

Nome do Requerente/Anistiado

Antônio Ferreira Nunes Júnior

Data da Concessão

20/01/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.747,18

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.322.248,00

Nome do Requerente/Anistiado

Edilberto Palma Cocolichio

Data da Concessão

12/02/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.747,18

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.070.330,57

Nome do Requerente/Anistiado

Frederico Birchal de Magalhães Gomes

Data da Concessão

12/02/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.747,18

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.233.682,88

Nome do Requerente/Anistiado

Nelson José Japaulo

Data da Concessão

27/04/2004

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.649,00

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.647.772,29

Nome do Requerente/Anistiado

Ronaldo Duarte Guimarães

Data da Concessão

30/09/2003

Valor da Indenização Mensal (R$)*

10.312,29

Valor da Indenização Retroativa (R$)

1.373.959,59

* a ser paga 13 vezes no ano

– III –

Os altos valores de algumas das indenizações autorizadas pela Comissão de Anistia têm provocado grande polêmica no seio da sociedade e nos meios de comunicação em geral. Vêm sendo discutidos, principalmente, os aspectos políticos e morais que o assunto suscita e a própria constitucionalidade dos critérios de concessão de indenização adotados na Lei nº 10.559/2002. Também vem sendo alvo de discussão a atuação da própria Comissão de Anistia, que decide autonomamente sobre as provas apresentadas pelos requerentes, sobre o mérito das concessões das indenizações e sobre os métodos e regras a serem adotados para o cálculo destas. Para que se tenha uma idéia da celeuma gerada em torno do tema, vale trazer a conhecimento trechos de três trabalhos da mídia que tiveram grande repercussão:

1º) reportagem de “O Estado de S. Paulo”, edição de 15.11.2004, assinada por Carlos Marchi e Eugênia Lopes:

“O professor Miguel Reale disse ontem que a legislação que regulamenta as indenizações para anistiados pode ser mudada sem qualquer ameaça à constitucionalidade, que fica garantida pelo ‘evidente interesse social’ da questão. Parlamentares da base aliada e do governo defenderam ontem a fixação de um teto para as indenizações e pensões. ‘Tem muito aproveitador entre os anistiados, que acabam recebendo antes das reais vítimas da ditadura’, reconheceu o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP).

[…]

O governo tem de mudar essa lei e, do ponto de vista legal, não precisa temer eventuais ações pretextando direito adquirido’, garantiu ao Estado ontem o professor Miguel Reale. Ele se disse ‘totalmente favorável’ à revisão da legislação da anistia. ‘Isso que está sendo feito não tem cabimento’, disse ele, aduzindo que ‘depois da anistia, não cabe onerar o Estado e a sociedade com indenizações de alto valor’. O professor Reale disse que ‘a legislação das indenizações foi feita por determinados grupos com interesses específicos’, que mais tarde ‘cometeram abusos contra o povo e contra a Nação’. Para ele, ‘a mudança da lei, além de extremamente necessária, terá completa cobertura legal e constitucional’. ‘A lei é mais forte que a pretensão abusiva de alguns”, protestou o professor, que considerou haver ‘plena justificativa legal e social para mudar a lei’.

[…]

Parlamentares ouvidos pelo Estado avaliaram que a legislação que regula as indenizações e pensões dá margem a muitas distorções, como a concessão de benefícios para pessoas que nem chegaram a ser perseguidas políticas. O deputado Alberto Goldman (PSDB-SP) defendeu a revisão dos valores das indenizações e pensões pagas aos anistiados políticos. ‘A legislação deixou brechas para que isso acontecesse. A intenção foi a melhor possível, mas o resultado mostra que ocorreram exageros’, afirmou.


[…]

O professor Leôncio Martins Rodrigues, da USP, classificou como ‘revoltante’ a enxurrada de pensões milionárias concedidas a dezenas de pessoas com base na lei da anistia. Para ele, ‘um aspecto safado da nossa cultura acaba impregnando pessoas de vários matizes ideológicos. E deu um diagnóstico: pessoas que lutaram contra a ditadura e foram derrotadas pelos militares acham agora que, por terem vencido a guerra ideológica, têm plena legitimidade para todo e qualquer ato. Ele reconhece que, na questão das indenizações a vítimas da ditadura, ‘prevaleceu o velho modelo brasileiro: tudo para a elite e migalhas para os menos favorecidos’. Na fixação das indenizações e pensões, observou ele, enquanto os mais bem formados e bem relacionados ganharam indenizações milionárias, os mais pobres, de profissões mais humildes – que possivelmente se arriscaram mais na luta revolucionária – acabaram relegados a valores insignificantes. Registra, ainda, uma segunda distorção que deveria ter profundo alcance ideológico para pessoas ‘de esquerda’: os mortos e desaparecidos, talvez os mais legítimos e indiscutíveis ‘heróis’ da luta contra a ditadura mereceram indenizações inexpressivas, entregues a suas famílias, enquanto os vivos embolsam fortunas. Uma terceira distorção foi anotada por Leôncio: pessoas que pertenciam a carreiras regulares do Estado ficaram limitadas, em suas reivindicações, a seus antigos regulamentos funcionais e a dificuldades para comprovar as alegadas perseguições, ocorridas em ambiente fechado; já os de carreiras liberais, como os jornalistas, puderam solicitar fortunas, já que não atendiam a regulamentos funcionais estritos. ‘Muitos não foram notoriamente prejudicados’, diz.”

2º) reportagem da Revista Veja, edição de 24.11.2004, assinada por Malu Gaspar:

“O operário Manoel Fiel Filho e o jornalista Carlos Heitor Cony são duas vítimas do regime militar – cada um a seu modo. Cony, um ilustre membro da Academia Brasileira de Letras, nunca militou em nenhuma organização de esquerda nem participou de passeatas ou movimentos políticos. Mesmo assim, durante a ditadura, foi demitido do jornal em que trabalhava, uma novela que escrevia para a TV foi retirada do ar e, sem condições de trabalho, acabou decidindo mudar-se para o exterior. Morou na França e em Cuba, até regressar ao Brasil, onde foi detido quatro vezes. Suas filhas adolescentes sofreram ameaça de seqüestro. O jornalista pediu uma reparação ao Estado por tudo o que passou. Em junho passado, a Comissão de Anistia julgou procedente sua reclamação e concedeu-lhe uma indenização de 1,4 milhão de reais, além de uma pensão mensal vitalícia de 23.000 reais. Cony, porém, vai receber apenas 19.000, o teto máximo que a lei permite. Para chegar a esses valores, a comissão calculou o salário médio de um editor de opinião, cargo que o jornalista ocupava quando foi demitido. A parte milionária vem da soma dos salários que ele deixou de receber nos últimos anos. Para Cony, fez-se justiça.

Manoel Fiel Filho não pôde buscar essa mesma justiça. Ele morreu em janeiro de 1976. […] A família só conseguiu liberar o corpo de Manoel depois de se comprometer com a polícia que o velório seria rápido e que o caixão permaneceria lacrado. Cumpriu-se apenas metade do acordo. A visão do que sobrou de Fiel Filho era assustadora […] Segundo a versão oficial, o operário teria se suicidado na cela usando as próprias meias. Deixou duas filhas pequenas e a mulher desempregada. […] Em 1980, a União foi condenada a pagar seis salários mínimos como indenização pela morte do operário, mas o governo recorreu três vezes. Thereza Fiel, hoje com 72 anos de idade, conseguiu enfim receber a indenização em 1997. […] Sua pensão mensal foi fixada em 900 reais.

[…]

Desde que foi instalada, em setembro de 2001, a Comissão de Anistia já recebeu 60.000 pedidos, julgou 15.000 processos e concedeu o status de anistiado político, além de uma indenização pelos prejuízos sofridos na época da ditadura, a 6.184 brasileiros. Outros 31.000 processos esperam julgamento na comissão, formada por notáveis escolhidos pelo ministro da Justiça. O caso de Carlos Heitor Cony não é único, mas ele ilustra o triste fato de que as reparações pecuniárias refletem a mesma estrutura de classe contra a qual os militantes diziam lutar: rico recebe um dinheirão dos cofres públicos. Os pobres devem se contentar com muito menos.

Dezenas de pessoas receberam indenizações milionárias – que somam 1,5 bilhão de reais só em benefícios retroativos. Na Argentina e no Chile, países que enfrentaram ditaduras sanguinárias, os anistiados também tiveram direito à indenização, mas nada comparável ao que ocorreu no Brasil. ‘A lei contém distorções graves e permite o enriquecimento de algumas pessoas’, afirma Nilmário Miranda, secretário dos Direitos Humanos. O advogado Belisário dos Santos Junior, membro da Comissão de Mortos e Desaparecidos, também critica o critério estabelecido para a reparação aos perseguidos pela ditadura: ‘Um ex-operário que não tinha carteira assinada nunca vai receber mais, ou talvez a mesma coisa, que outros que tinham profissão e um bom salário’. A luta de classes, mesmo entre personagens vivos e mortos, continua, e a burguesia, de novo, pode comemorar.”


3º) reportagem de “O Estado de S. Paulo”, edição de 24.11.2004, assinada por Fausto Macedo:

“A Justiça Federal determinou ontem ao governo que não autorize nenhum pagamento de prestação mensal em valor superior a R$ 2.400,00 a anistiados políticos. A ordem foi dada pelo juiz Paulo Alberto Jorge, da 1.ª Vara Federal de Guaratinguetá (SP), que acolheu liminarmente ação civil do Ministério Público Federal contra a ‘balburdia das indenizações milionárias propiciando sangria dos cofres públicos e favoritismos pela rapidez na concessão de pedidos em detrimento de outros’. Paulo Jorge é o juiz que mandou o Exército entregar os arquivos da repressão. No caso dos anistiados, determinou ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que ‘não defira nenhum pagamento’ em montante que ultrapasse o teto da Previdência. O excedente será depositado em conta judicial.

O juiz mandou que o governo ‘proceda à revisão de todas as prestações anteriormente concedidas e atualmente mantidas’, além de auditoria jurídica nos processos administrativos em que houve concessão de reparação pecuniária pela Comissão de Anistia, nos casos em que a prestação mensal, contínua e permanente, seja superior a R$ 2.400,00, bem como naquelas em que a prestação única seja superior a R$ 30 mil.

Para Paulo Jorge, ‘ainda que se considere justo estabelecer como critério de cálculo das prestações mensais a remuneração que o anistiado receberia se estivesse na ativa, não se pode perder de vista que, por maior que tenha sido a injustiça causada ao perseguido político, ora anistiado, sua reparação não pode gerar injustiça social de mesma monta, ou ainda maior’. ‘É injusto, portanto inconstitucional, prever o pagamento de prestações mensais aos anistiados de forma diversa da estabelecida para os benefícios dos segurados da Previdência, assegurando-se aos perseguidos políticos vantagens não conferidas para a massa de trabalhadores’, advertiu Paulo Jorge. Ele anota que são ‘indevidas as prestações mensais para quem, muito ao contrário de estar até hoje sofrendo as conseqüências dos atos arbitrários e abusivos do Estado, recompôs a sua vida e, como é o caso de muitos dos beneficiados com este tipo de prestação, até enriqueceram’.

Segundo o juiz, ‘é atentatório aos princípios constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária que pessoas sem a menor necessidade recebam amparo do Estado, enquanto milhares passam fome e para conseguirem um mísero benefício de um salário mínimo do INSS precisam sofrer todo tipo de agruras.’

A ação foi proposta pelo procurador João Gilberto Gonçalves Filho. ‘Num país em que crianças morrem de fome, é brutalmente inconstitucional conceder pensões abundantes a pessoas que recebem abundantes salários. Os pagamentos são um desrespeito à Constituição’, diz o procurador.”

– IV –

Por óbvio, nem é preciso dizer que o exame que cabe ao MP/TCU e ao Tribunal de Contas sobre a questão ora em foco deve ficar alheio às passionais discussões de ordem política e moral que o assunto tem suscitado na mídia e na sociedade. Acima dessas discussões, certo e inquestionável é que o constituinte decidiu, legítima e soberanamente, que aqueles que foram prejudicados em razão de perseguição política ocorrida entre 18.09.1946 até 05.10.1988 têm direito a uma reparação econômica pelos danos decorrentes da perseguição.

A Lei nº 10.559/2002 foi editada para disciplinar esse comando constitucional, mas pode ela, na parte em que se estabelecem as regras de indenização aos anistiados, não ter se harmonizado ao conjunto e ao espírito da Constituição Federal. Ou, pelo menos, pode parecer, numa primeira e superficial análise, que não se tem dado àqueles dispositivos legais uma interpretação conforme à Constituição.

Nessa inicial análise, tendemos, na questão das indenizações a serem pagas em prestações mensais, a não sentir como justo ou razoável a interpretação da Lei nº 10.559/2002 que leva ao entendimento de que as ora consideradas indenizações devam corresponder à integralidade do que perceberia o perseguido político caso não lhe houvesse sido ceifado, no período a que se refere o artigo 8º do ADCT, o exercício de uma atividade remunerada. A nosso ver, se se constatar que, apesar da perseguição política, o perseguido teve redirecionada a sua vida e, com isso, passou a exercer outra ou outras atividades que lhe trouxeram proveito econômico, então razão não há para a percepção da integralidade do retorno econômico que lhe proporcionaria a atividade que deixou de exercer em razão da perseguição política. A nós nos parece, sim, justo e razoável, que as indenizações em prestações mensais devam corresponder, no máximo, à diferença entre o que o anistiado perceberia, caso não houvesse sido prejudicado pela perseguição política, e o que ele efetivamente percebeu na outra ou nas outras atividades que, levado pelas circunstâncias, passou a exercer.


Com tanto mais razão também não nos parece sensato falar-se em indenização a se realizar mediante prestações mensais continuadas na hipótese de o retorno econômico proporcionado pela outra ou outras atividades que passaram a ser exercidas pelo perseguido terem superado o retorno econômico que proporcionaria àquele o exercício das atividades de que foi privado pela perseguição política. Nessa hipótese, é de se ver que, a despeito da perseguição política, mas, há que se admitir, em decorrência dela, o perseguido acabou por ser levado a trilhar na vida outros caminhos que, afinal, acabaram lhe sendo economicamente mais favoráveis. A hipótese que ora se considera traduz, por assim dizer, a ocorrência de uma espécie de “compensação patrimonial” proporcionada pela aleatoriedade do destino. Não há, pois, como reparar um dano econômico que, afinal, acabou de fato não ocorrendo.

Poder-se-ia alegar, neste ponto, que, não obstante a perseguição política ocorrida no período a que se refere o artigo 8º do ADCT não ter provocado dano patrimonial perene ao perseguido, haveria, ainda, que se considerar o dano moral causado pela perseguição. Essa alegação, todavia, não merece prosperar, pois, a toda evidência, o artigo 8º do ADCT diz respeito apenas à obrigação estatal de reparação pelos danos patrimoniais causados aos perseguidos políticos. Ou seja, o aludido artigo 8º do ADCT busca tão-somente viabilizar, ainda que apenas em parte (a Constituição vedou indenizações que retroajam a datas anteriores à de sua promulgação), a concretização das expectativas patrimoniais que tinham aqueles que, por motivações exclusivamente políticas, foram privados de exercer atividades que lhes proporcionavam uma remuneração ou um outro tipo de retorno econômico. Daí que a decisão pela concessão da reparação a que se refere aquele artigo 8º da ADCT não pode ser tomada sem que se considere se aquelas expectativas de realização patrimonial acabaram sendo, ainda que por obra das circunstâncias e das vicissitudes da vida, e a despeito da perseguição política, parcial, total ou até mesmo excedentemente atendidas. Nunca é demais lembrar, afinal, que, pela sua própria natureza, uma indenização não deve servir ao enriquecimento, mas simplesmente a reparar um dano, na medida exata da extensão em que este tenha efetivamente ocorrido.

Em suma, o que se quer aqui enfatizar é que se para algumas pessoas a perseguição política ocorrida no período a que se refere o artigo 8º do ADCT trouxe um prejuízo patrimonial real e incontornável, decorrente, em certos casos, até mesmo da incapacitação ou da morte desses perseguidos, para outras pessoas esse prejuízo patrimonial acabou de fato não ocorrendo ou, ainda, ocorrendo apenas em parte, uma vez que, a despeito da perseguição política sofrida, lograram estas pessoas refazer suas vidas, passando a obter renda de outras fontes.

De se frisar, contudo, e mais uma vez, que a indenização a que se refere o artigo 8º do ADCT não se confunde com a indenização pelos danos morais que eventualmente tenham sido causados pela perseguição política. A reparação a que se refere aquele dispositivo constitucional é de cunho estritamente patrimonial e não se presta, por isso, a reparar os prejuízos ou as marcas de ordem moral deixados naqueles que sofreram perseguição política no período compreendido entre 18.09.1946 e 05.10.1988.

– V –

A matéria ora trazida à discussão revela-se, como se vê, de todo merecedora da atenção do Tribunal de Contas da União. Os valores deveras significativos e o alto montante das indenizações que vêm sendo concedidas pelo Ministério da Justiça aos anistiados políticos a que se refere o artigo 8º do ADCT requerem um controle mais acurado do assunto, pelo que se justifica a provocação do TCU para que o órgão atue no caso, acionando os necessários e cabíveis instrumentos de controle que lhe foram conferidos pela Constituição e pela lei. No entender deste representante do MP/TCU, a questão ora em tela poderá ser adequadamente tratada com a realização de um trabalho de fiscalização, por meio do qual espera-se seja possível aferir a regularidade, sob os prismas legal e constitucional, daquelas indenizações financeiras.

Nesse primeiro contato que temos com a matéria em foco, a nós nos parece que à Lei nº 10.559/2002, na parte desta que toca às reparações econômicas, vem sendo dada interpretação que não só frustra o verdadeiro fim buscado no artigo 8º do ADCT como também fere alguns dos mais proeminentes princípios constitucionais, notadamente os da indisponibilidade do interesse público, da isonomia e da razoabilidade. Talvez seja possível “salvar” a referida parte da Lei nº 10.559/2002, dando-lhe uma interpretação conforme à Constituição, muito embora já se levantem vozes, como visto nas reportagens jornalísticas acima transcritas, apontando a inconstitucionalidade daqueles dispositivos legais. Não temos, ainda, entendimento firmado sobre essa questão. Esperamos que a proposta de realização de trabalho de fiscalização que ora fazemos seja acatada pelo TCU para que, a partir de seus resultados, possamos nos posicionar sobre o assunto. Afinal, a inconstitucionalidade de uma norma legal nem sempre se evidencia num exame abstrato dessa norma. Por vezes é necessário conhecer e avaliar os efeitos concretos decorrente da aplicação da lei para que se conclua se ela, ou a interpretação que se lhe está dispensando, se harmonizam ou não com a Constituição Federal.

– VI –

Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, com fulcro no que dispõe o artigo 81, I, da Lei nº 8.443/92, e no que dispõe o artigo 69, VII, da Resolução TCU nº 136/2000, requer ao Tribunal que decida pela realização de trabalho de fiscalização mediante o qual se possa aferir a regularidade das indenizações financeiras, à conta do Tesouro Nacional, que vêm sendo concedidas pelo Ministério da Justiça aos anistiados políticos a que se refere o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.

Ministério Público, 7 de março de 2005.

Lucas Rocha Furtado

Procurador-Geral

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