Assédio moral

Superior aconselhava funcionárias a sair com clientes

Autor

28 de maio de 2005, 10h28

A Remaza Sociedade de Empreendimentos foi condenada a indenizar uma ex-empregada que vendia cotas para consórcio. Motivo: ela foi aconselhada por seus superiores a “sair com clientes” ou “vender o corpo” para aumentar suas vendas. A funcionária também acusou seu chefe de assédio sexual.

A decisão é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Os juízes fixaram a indenização por danos morais no valor de dez vezes o maior salário recebido por ela. A decisão foi unânime. Ainda cabe recurso.

Para os juízes da 4ª Turma do TRT-SP, a empresa que impõe, de forma explícita ou velada, que a empregada “saia” com os clientes ou lhes “venda o corpo” como conduta profissional para elevar as vendas pratica assédio moral.

A vendedora entrou com ação na 4ª do Trabalho de São Bernardo do Campo. Pediu verbas devidas pelo consórcio por causa da rescisão de seu contrato de trabalho, além de indenizações por assédios moral e sexual.

No processo, a ex-empregada afirmou que sofria “tratamento desrespeitoso por parte de seus superiores, consistentes no assédio sexual e outros tipos de incursões e pressões anormais dentro do ambiente laborativo, no intuito, dentre outros, de vender e atingir metas”.

Testemunhas confirmaram que os superiores tratavam os vendedores do consórcio de modo desrespeitoso e ofensivo e agrediam verbalmente os que não conseguiam atingir as metas estipuladas pela empresa.

Ainda segundo depoimentos, certa vez, na frente de outros funcionários da empresa, o supervisor afirmou que “as mulheres tinham de vender o corpo ou sair com o cliente, se necessário, para trazer uma cota de consórcio”. Sobre a autora da ação, ele teria afirmado que, se tivesse uma irmã “com a bunda que ela tem, ele nem precisaria trabalhar”.

Testemunhos em audiência também confirmaram a existência de “convites” do superior dirigidos às empregadas — inclusive à reclamante — para “sair” com ele.

A primeira instância concedeu a indenização por dano moral à vereadora. O consórcio recorreu ao TRT-SP. Sustentou que “a conduta era generalizada, não havendo especificamente, perseguição ou assédio sexual”. Além disso, alegou ser indevida a indenização, pois não há prova “do real abalo psicológico, afronta à pessoa ou família, à liberdade, dignidade, honra ou imagem da recorrida”.

O relator do recurso em segunda instância, juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, considerou que “ao empregador, além da obrigação de dar trabalho e de possibilitar ao empregado a execução normal da prestação de serviços, cabe, ainda, respeitar a honra, a reputação, a liberdade, a dignidade e integridade física, intelectual e moral de seu empregado”.

Segundo o juiz, “a prova oral demonstrou que o superior hierárquico, efetivamente, tratava de forma despótica e humilhante os subordinados, dedicando particular desprezo pela dignidade das mulheres e da reclamante em especial”.

“Boa parte das condutas machistas ou sexistas nas relações verticais de trabalho reproduzem a velha cultura patriarcalista, assentada na visão deformada de que a mulher tem um papel secundário na sociedade e que deve, assim, estar à disposição do homem para servi-lo integralmente. O machismo no ambiente de trabalho reitera portanto, o paradigma cultural decadente da discriminação da mulher”, observou o relator.

Para ele, “na situação específica dos autos, mesmo que se desconsidere o assédio sexual, a conduta reiterada do superior hierárquico que exercia função de comando delegada pelo empregador, como bem se extrai da prova oral colhida, indisfarçavelmente ofendeu a honra e a dignidade da reclamante, sendo suscetível de reparação indenizatória em face do assédio moral, este sim, a nosso ver suficientemente caracterizado”.

O relator do recurso registrou que “impor, seja de forma explícita ou velada, como conduta profissional na negociação de consórcios, que a empregada ‘saia’ ou ‘venda o corpo’ aos clientes, e ainda se submeta à lubricidade dos comentários e investidas de superior hierárquico, ultrapassa todos os limites plausíveis em face da moralidade média, mesmo nestas permissivas plagas abaixo da linha do Equador. Nenhum objetivo comercial justifica práticas dessa natureza, que vilipendiam a dignidade humana e a personalidade da mulher trabalhadora”.

RO 01531.2001.464.02.00-0

Leia a íntegra do voto

*Os nomes das pessoas envolvidas na ação são fictícios

4ª. TURMA

PROCESSO TRT/SP Nº: 01531200146402000 (20030552243)

RECURSO:

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE:

REMAZA SOCIEDADE DE EMPREENDIMENTOS E ADM LTDA.

RECORRIDO:

*Maria

ORIGEM:

4ª VT DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

EMENTA: ASSÉDIO MORAL. DEGRADAÇÃO DO AMBIENTE DE TRABALHO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. A sujeição dos trabalhadores, e especialmente das empregadas, ao continuado rebaixamento de limites morais, com adoção de interlocução desabrida e sugestão de condutas permissivas em face dos clientes, no afã de elevar as metas de vendas, representa a figura típica intolerável do assédio moral, a merecer o mais veemente repúdio desta Justiça especializada. Impor, seja de forma explícita ou velada, como conduta profissional na negociação de consórcios, que a empregada “saia” com os clientes ou lhes “venda o corpo” e ainda se submeta à lubricidade dos comentários e investidas de superior hierárquico, ultrapassa todos os limites plausíveis em face da moralidade média, mesmo nestas permissivas plagas abaixo da linha do Equador. Nenhum objetivo comercial justifica práticas dessa natureza, que vilipendiam a dignidade humana e a personalidade da mulher trabalhadora. A subordinação no contrato de trabalho diz respeito à atividade laborativa e assim, não implica submissão da personalidade e dignidade do empregado em face do poder patronal. O empregado é sujeito e não objeto da relação de trabalho e assim, não lhe podem ser impostas condutas que violem a sua integridade física, intelectual ou moral. Devida a indenização por danos morais (art. 159, CC de 1916 e arts. 186 e 927, do NCC).


Contra a respeitável sentença de fls.95/100, recorreu ordinariamente a reclamada argüindo exceção de incompetência em razão da matéria no tocante à indenização por danos morais. Alega ainda, em preliminar, carência de ação em vista do enquadramento sindical. Afirma que as testemunhas são imprestáveis para provar o período sem registro. No tocante às horas extras alega que a própria reclamante reconheceu que se ativava externamente. Aduziu que jamais existiu controle de jornada e que a recorrida nada provou nesse sentido. No que diz respeito aos descansos semanais remunerados alega que o ônus da prova quanto às diferenças do referido título é da reclamante.

Afirma que a reclamada jamais poderia ter sido condenada ao pagamento do dia do comerciário e das multas em favor da recorrida, vez os pedidos foram arrimados em normas coletivas inaplicáveis. Quanto à indenização por danos morais alega que a conduta era generalizada não havendo especificamente, perseguição ou assédio sexual. Aduziu ainda ser indevida a indenização por danos morais ante a falta de prova do real abalo psicológico, afronta à pessoa ou família, à liberdade, dignidade, honra ou imagem da recorrida. Pede, por fim, a improcedência da reclamatória.

Contra razões às fls. 143/146

Considerações do Digno representante do Ministério Público do Trabalho, fls.147, quanto à inexistência de interesse público que justificasse sua intervenção.

É o relatório.

V O T O

Conheço porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA

Improspera a exceção de incompetência ex ratione materiae argüida no apelo.

A indenização por danos morais decorrente de relação de emprego mantida entre os litigantes é, indiscutivelmente, matéria de natureza trabalhista, que a esta Justiça especializada cabe conhecer e dirimir, ante o comando dos artigos 114, da Constituição Federal e 652, inciso IV, da CLT.

Sem embargo das várias conceituações a respeito do que venha a ser o dano moral, pode-se dizer que é aquele que retrata o efeito não material da lesão de direito, que se expressa como mágoa ou dor moral, advinda da afronta aos valores íntimos de um indivíduo, aspectos mais recônditos da individualidade e personalidade, resguardados pela legislação pátria (artigo 1º e artigo 5º, incisos V e X, ambos da Carta Magna c/c artigo 483, alíneas “a”, “b” e “c”, da CLT).

O empregado, como qualquer outra pessoa, está sujeito a sofrer ofensa à sua honra e imagem. Ocorrendo a ofensa, no ambiente de trabalho ou guardando relação com a atividade laborativa, freqüentemente adquire feição até mais contundente em razão da subordinação direta ao empregador e da condição de dependência profissional e econômica, que constituem a marca do contrato de emprego. Destarte, o trabalhador deve ser respeitado não só por sua condição de sujeito do pacto laboral, mas sobretudo, em face da sua dignidade essencial de ser humano, não se podendo desconsiderar que qualquer ato lesivo praticado de forma a atingir sua imagem ou que se traduza em menoscabo a seu patrimônio moral, acaba por afetar indelevelmente sua vida profissional e privada.

Há, por conseguinte, manifesta compatibilidade entre o dano moral sofrido pelo empregado e de responsabilidade do empregador ou de seus prepostos, e a tutela ofertada pela legislação civil e constitucional, a ser perseguida nesta Justiça Especializada.

Desse modo, o estudo do dano moral, embora oriundo do Direito Comum, não pode se restringir somente ao âmbito da responsabilidade civil. Nos pedidos que se referem a danos morais e materiais que envolvam circunstâncias próprias do pacto laboral, inarredável a competência ex ratione materiae da Justiça do Trabalho para apreciar a demanda, em torno da obrigação de reparação. Nesse sentido observa o Ilustre Juiz Valdir Florindo, in “Dano Moral e o Direito do Trabalho, 4ª Ed., abril, 2002: Não se objetiva com isso retirar parcela da competência da Justiça Comum, como alguns processualistas afirmam, mas sim estender a competência da Justiça do Trabalho para a solução completa dos conflitos que são inerentes às relações trabalhistas e que foram dadas pelo constituinte. É preciso que o Judiciário Trabalhista esteja próximo dos conflitos de sua órbita, sobretudo numa época em que cada vez mais há especialização do Direito”.

Perfilhamo-nos à consagrada corrente jurisprudencial que entende pela competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar as ações de reparação por dano moral trabalhista, quando a controvérsia tiver origem estritamente na relação de trabalho.

Vale reproduzir posicionamento histórico adotado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal:

“Justiça do Trabalho: Competência: Ação de reparação de danos decorrentes da imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa para despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil”. (STF-1ª T. —RE nº 238.737-4 — Rel. Min. Sepúlveda Pertence — unânime — 17/11/98 — Diário da Justiça, nº 226, seção 1, 25/11/98, pág. 22).


Por fim, a recente Emenda Constitucional nº 45, publicada no DOU de 31/12/04, deu nova redação ao Artigo 114, da Carta Magna, que em seu inciso VI, dispõe ser de competência desta Justiça Especializada, verbis: “(- vi — as ações de indenizações por dano moral ou patrimonial, decorretnes da relação de trabalho;”.

Logo, não há dúvida, que, tratando o presente caso, de ato praticado pela reclamada e diretamente relacionado ao contrato de trabalho, é esta E. Corte Trabalhista competente para dirimir a controvérsia. Não há porque negar a prestação jurisdicional plena e remeter à Justiça Comum, tema manifestamente trabalhista, afeto ao contrato de emprego havido entre as partes. Cabe pois, a esta Justiça, e a nenhuma outra, apreciar e definir sobre a existência ou não do nexo de causalidade entre a conduta da reclamada, se dolosa ou culposa, e o resultado danoso à laborista, de forma a atribuir ao empregador responsabilidade subjetiva pelo dano moral causado à trabalhadora, propiciando-lhe a devida indenização.

Incensurável, neste aspecto a r. sentença de origem.

Mantenho.

CARÊNCIA DE AÇÃO — QUANTO AO ENQUADRAMENTO SINDICAL

A carência de ação tem sido entendida como a ausência do direito de ação. Ou seja, entende-se como tal, a falta de quaisquer das condições para o exercício do direito de exigir do Poder Público a providência de tutela jurisdicional.

Tais condições são: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade ativa e passiva das partes.

In casu, a legitimidade ativa e passiva para a causa não é controvertida.

Tampouco se cogita da impossibilidade jurídica do pedido porque a pretensão não é vedada a priori pelas normas vigentes.

O interesse de agir resume-se na “necessidade” que leva a parte a procurar uma solução judicial para ter satisfeita uma pretensão ou o direito de que se afirma titular. Nestes autos, expressa-se na lesão de direitos afirmada no libelo.

Desta forma, considerando que o artigo 267, parágrafo 3º, do CPC, autoriza o magistrado, em qualquer tempo, a verificar a presença das condições da ação e pressupostos processuais, constata-se que, in casu, encontram-se notadamente presentes todos os elementos necessários para o exercício da ação.

Portanto, o que aqui transparece, é o evidente equívoco por parte da recorrente, que confundiu as condições para esse exercício com a verificação jurisdicional das questões de fundo.

Rejeito assim a preliminar de carência de ação.

Mantenho.

ENQUADRAMENTO SINDICAL

Temos como regra, que o enquadramento sindical do empregado é feito em razão da atividade preponderante da empresa (CLT, art. 570) e o sindicato representativo da categoria profissional do empregado é sempre aquele que se contrapõe ao sindicato representante da atividade econômica do empregador.

Todavia a atividade econômica preponderante da reclamada foi ocultada na medida que a recorrente se limitou a juntar apenas a alteração do contrato social, onde não se pode identificar o objeto social do recorrente.

Não fosse isso suficiente, a recorrente também não juntou aos autos as guias de contribuição sindical.

De outra parte, não se pode olvidar que o Direito Coletivo Brasileiro dispõe que a organização dos trabalhadores e a respectiva representação sindical são feitas de forma objetiva, por categorias, respeitados sempre os princípios constitucionais da autonomia e da liberdade sindical, positivados no artigo 8º da Constituição Federal, caput e incisos I e V, in verbis:

“Artigo 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I — a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

(..)

V — ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato;”

Óbvio que se nem mesmo o Poder Público pode interferir ou intervir no âmbito sindical, é forçoso concluir que igual proibição se estende ao empregador, sendo-lhe defeso imiscuir-se na esfera das organizações dos trabalhadores, a ponto de determinar a que base de representação sindical deva estar integrado seu empregado.

Por conseguinte, in casu, apesar de a recorrente não ter sequer carreado as guias de contribuição sindical aos autos, o certo é que a identificação do órgão de representação de seus empregados não decorre simplesmente da verificação do endereçamento da contribuição sindical, já que esta é facilmente manipulável pelo empregador interessado em contracenar com entidade menos combativa.

Nessa medida existem outros elementos igualmente relevantes, indicativos daquela associação que detém o munus representativo dos trabalhadores e que devem ser examinados de modo a que não se permita que a empresa escolha, unilateralmente, outra entidade sindical que tão-somente atenda seus interesses menores, em franca violação ao princípio constitucional da liberdade sindical insculpido no artigo 8º da Constituição Federal, caput e incisos I e V.


Assim, com espeque na Carta Magna, temos que não é a empresa quem determina sponte sua a representação dos trabalhadores, e sim, estes, a partir de sua coesão profissional ou funcional, em face da especificidade dos misteres (categoria diferenciada) ou da atividade em comum (categoria profissional lato sensu) afetos aos fins econômicos perseguidos pela empresa.

Nesse aspecto vale reproduzir decisão desta Corte, da lavra do MM. Juiz José Carlos da Silva Arouca:

“AUTONOMIA X ENQUADRAMENTO SINDICAL. COMPREENSÃO. 1. A Constituição Federal consagrou a autonomia da organização sindical (art. 8º e inciso I), assentando que será definida pelos trabalhadores e empregadores interessados, inclusive quanto a sua extensão territorial (art. 8º, II). Significa dizer que foi extinto o enquadramento prévio ditado pelo Ministério do Trabalho. 2. CATEGORIA PROFISSIONAL DIFERENCIADA. LIBERDADE SINDICAL. Da mesma forma, a sindicalização seguindo a profissão, por ser excepcional, não configura direito adquirido de uma associação frente a seus representados. Mas quem definirá sua organização de classe, em função da profissão ou do grupo, serão os trabalhadores interessados e não o empregador”. TRT/SP — 20237200300002007 — AD — Ac. SDC 2004000536 — Rel. Juiz José Carlos da Silva Arouca — DOE 16.03.2004, in “Synthesis”, TRT/2ª Reg., 39/2004, pág. 320. (grifamos).

Temos pois, que o ponto de partida para o conhecimento e definição da representação sindical está na configuração fática do trabalho e sua subsunção aos parâmetros fixados na própria lei. Com efeito, a inserção dos trabalhadores na chamada base profissional e sindical se faz levando em conta a similitude de vida oriunda do trabalho em comum, em situação de emprego em determinada atividade econômica, sendo este o conceito jurídico-sociológico de categoria profissional que se extrai do art. 511, § 2º, da CLT.

Fixada esta premissa maior, cabe descer ao exame minucioso da prova dos autos, sempre tendo em conta que a recorrente se furtou a trazer a íntegra do contrato social e as contribuições sindicais apesar desta última não ser determinante do enquadramento sindical.

A análise da prova oral, permite afirmar com segurança que a reclamante tinha como principal tarefa a venda de cotas de consórcio, sendo esta a atividade econômica preponderante na reclamada e não aquela que procurou impingir à reclamante.

Portanto, resulta claro que a categoria profissional da reclamante era mesmo ligada ao Sindicato dos Empregados no Comércio de Santo André e Região, ainda que a reclamada, buscasse desvencilhar-se dos efeitos das normas coletivas atinentes a essa categoria e que seriam mais benéficas ao trabalhador, sob o surrado argumento de que não participou da relação jurídica, o que, nas circunstâncias dos autos, equivale a argumentar com a própria torpeza.

Vale destacar que, na situação “sub judice”, o fato de a reclamada alegar que a autora estava enquadrada em entidade diversa, e mesmo a omissão em participar das negociações, não tem o condão de eximí-la quanto à aplicação das normas coletivas carreadas pela reclamante, já que deixou de trazer documentação para dar arrimo a suas argumentações.

Desse modo, não milita em favor da recorrida o argumento de que não participou das convenções coletivas encartadas na inicial, vez que encontrava-se legalmente submetida a tais negociações e respectivas normas coletivas, em vista do perfil da atividade profissional e econômica revelado pela prova oral. Outrossim, sequer cuidou de identificar seus objetivos sociais, deixando deliberadamente de carrear a documentação pertinente e que possibilitaria, em tese, demonstrar atividade econômica preponderante incompatível com as normas coletivas que deram suporte à pretensão da autora.

Nesta moldura, impõe-se a manutenção da r.sentença de origem no tocante ao enquadramento sindical, à luz das disposições constitucionais e legais retro referidas e à míngua de elementos probatórios cujo aporte era de responsabilidade da recorrente em face da distribuição da carga probatória.

Rejeito assim a extinção propugnada.

PERÍODO SEM REGISTRO.

A recorrida, na inicial, alegou que foi admitida aos serviços da reclamada em 08.08.2000, nas funções de vendedora, sem obter o imediato registro em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (vide fls.03)

A contestação (fls.57) negou o fato, alegando que a reclamante ingressou aos serviços da reclamada em 01 de novembro de 2000 para desempenhar as funções correspondentes ao cargo de vendedora de cotas de consórcio. (vide fls.57).

Constato que do depoimento da primeira testemunha a reclamante se desonerou do encargo probatório que lhe competia, a teor do artigo 818 da CLT e 333, I do CPC.

A primeira testemunha da autora, Sr. *João, em seu depoimento às fls. 48, quanto ao período sem registro informou o seguinte “…trabalhou para a reclamada de 01.08.2000 até 22.11.2000, na função de vendedor. (…) trabalhou com a reclamante; o depoente entrou 1 semana antes da reclamante, em agosto de 2000 e saiu dois dias depois da reclamante…”


O enfático depoimento não comporta digressões, restando provada a prática ilegal do trabalho sem registro, durante algum tempo.

Impossível a reforma da r.sentença neste tópico, em vista do manifesto respaldo na prova oral produzida.

Mantenho.

HORAS EXTRAS.

Extrai-se dos depoimentos das testemunhas da reclamante que ela não estava jungida à hipótese do artigo 62, I da CLT, visto que a primeira testemunha, *João, às fls.48 esclareceu o seguinte: “…tinham que comparecer pela manhã, até 7:50 horas, do contrário não receberiam o ticket refeição; eram obrigados a retornar entre 17:30/18 horas e saíam as 21/21:30 horas, isso de segunda à sexta feira, aos sábados saíam às 16/17 horas; se não comparecessem pela manhã e não retornassem à tarde eram advertidos pelo supervisor *Pedro….”

O comparecimento diário, pela manhã, e retorno ao final do dia, com permanência em misteres internos prorrogados afasta a hipótese do artigo 62 inciso I da CLT e denota o controle de horário, com jornada extraordinária.

Desse modo, não há como afastar a condenação de horas extras, diante da prova oral produzida.

Mantenho.

QUANTO AOS DESCANSOS SEMANAIS REMUNERADOS

No que toca aos descansos semanais remunerados novamente andou bem a r. sentença de origem já que a reclamada não comprovou o correto pagamento desse título, mormente levando-se em consideração o período sem registro reconhecido.

Mantenho.

DIA DO COMERCIÁRIO E MULTAS

Pelo descumprimento das normas coletivas com relação às quais se reconheceu serem as partes destinatárias, nenhum reparo merece a condenação referente ao dia do comerciário e multas normativas.

Mantenho.

DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

As relações de trabalho devem pautar-se pela respeitabilidade mútua, face ao caráter sinalagmático da contratação, impondo-se aos contratantes, reciprocidade de direitos e obrigações. Desse modo, ao empregador, além da obrigação de dar trabalho e de possibilitar ao empregado a execução normal da prestação de serviços, cabe, ainda, respeitar a honra, a reputação, a liberdade, a dignidade e integridade física, intelectual e moral de seu empregado. Isto porque tratam-se de valores que compõem o patrimônio ideal da pessoa, assim conceituado o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valoração econômica, integrando os chamados direitos da personalidade, essenciais à condição humana e constituindo assim, bens jurídicos invioláveis e irrenunciáveis.

Tais valores foram objeto de preocupação do legislador constituinte de 1.988, que lhes deu status de princípios constitucionais que fundamentam a República (CF, artigo 1º, incisos III e IV), assegurando o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação (CF, art.5º,V e X).

Portanto, sempre que o trabalhador, em razão do contrato de trabalho, por ação ou omissão do empregador, sofrer lesão à sua dignidade, honra, ou ofensa que lhe cause um mal ou dor (sentimental ou física) causando-lhe abalo na personalidade ou psiquismo, terá o direito de exigir a reparação por danos morais e materiais decorrentes da conduta impertinente. Nesse sentido dispõem os artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002 (artigo 159 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos).

In casu, a reclamante imputou à reclamada, na inicial, responsabilidade por conduta ilícita de assédio sexual praticada por superior hierárquico, a par de outros tipos de incursões e pressões anormais incompatíveis com os padrões morais de relacionamento dentro do ambiente laborativo, no intuito, dentre outros, de incrementar vendas e atingir metas, no trabalho diário na empresa.

A prova oral demonstrou que o superior hierárquico, efetivamente, tratava de forma despótica e humilhante os subordinados, dedicando particular desprezo pela dignidade das mulheres e da reclamante em especial.

Resta saber, todavia, se a conduta do superior hierárquico chegou a caracterizar o “ASSÉDIO SEXUAL”, que Maria Helena Diniz (in “Dicionário Jurídico”, v. I, p. 285) conceitua como o “..ato de constranger alguém com gestos, palavras ou com emprego de violência, prevalecendo-se de relações de confiança, de autoridade ou empregatícia, com o escopo de obter vantagem sexual”.

A primeira testemunha, Sr. *João, no seu depoimento às fls. 48, prestou com detalhes as seguintes informações acerca do comportamento do superior hierárquico: “…*Pedro colocava para as mulheres que tinham que vender o corpo ou sair com o cliente, se necessário, para trazer uma cota de consórcio, esse procedimento era adotado na presença de outros funcionários da empresa; uma vez *Pedro saiu com o depoente e comentou que se tivesse uma irmã como a reclamante com a bunda que ela tem ele nem precisaria trabalhar….”


De outra parte, a prova oral também registrou a existência de “convites” dirigidos às empregadas, relatando a testemunha *Joana “que o Sr. *Pedro chamava as vendedoras para sair com ele… a depoente presenciou estes convites, inclusive para a reclamante…” (sic — fls. 48).

Ao contrário do que sustenta a inicial, a prova dos autos não permite configurar com clareza a ocorrência de assédio sexual por parte do superior hierárquico. É bem verdade que o supervisor teceu comentários pornográficos sobre a autora, com um colega desta, e que convidou-a para sair, como de resto ocorreu com outras colegas. Mas não há prova cabal de que estes convites foram feitos em situação de cerco sistemático e sufocante, com claro e permanente objetivo sexual, e que teria havido reiteração da investida após a recusa da reclamante, com novas importunações, o que afasta a figura específica do assédio sexual, hoje tipificada como crime, a teor do artigo 216-A do Código Penal Brasileiro (com a redação dada pela Lei nº 10.224, de 15/05/01).

Boa parte das condutas machistas ou sexistas nas relações verticais de trabalho reproduzem a velha cultura patriarcalista, assentada na visão deformada de que a mulher tem um papel secundário na sociedade e que deve, assim, estar à disposição do homem para servi-lo integralmente. O machismo no ambiente de trabalho reitera portanto, o paradigma cultural decadente da discriminação da mulher. É preciso distinguir, todavia, postura machista, de assédio sexual, para cuja configuração se exige o perfil do caçador diante da caça, da perseguição sem trégua, sob a forma de pressão direta ou psicológica, com uso do poder, objetivando obter da mulher os favores íntimos que ela efetivamente não quer conceder. Nesse contexto, transforma-se a relação num verdadeiro tormento, num suplício cujo desfecho certas vezes é a capitulação forçada, a humilhação, e por outras, a demissão indesejada, o isolamento discriminatório ou o afastamento por doença de fundo emocional.

A “cantada”, a referência debochada com agressão à feminilidade, mas de forma episódica e sem o cerco permanente, conquanto não adquira ainda a feição do assédio sexual, certamente implica atentado grave à dignidade da trabalhadora.

Na situação específica dos autos, mesmo que se desconsidere o assédio sexual, a conduta reiterada do superior hierárquico que exercia função de comando delegada pelo empregador, como bem se extrai da prova oral colhida, indisfarçavelmente ofendeu a honra e a dignidade da reclamante, sendo suscetível de reparação indenizatória em face do assédio moral, este sim, a nosso ver suficientemente caracterizado.

A distinção entre assédio sexual e moral nem sempre é fácil, porquanto tais práticas muitas vezes apresentam-se imbricadas.

Como observa a psicanalista e vitimóloga francesa MARIE-FRANCE HIRIGOYEN (in “Mal-Estar no Trabalho, Redefinindo o Assédio Moral”, Bertrand Brasil, p. 101), ocorrem situações em que “as mulheres que recusam propostas de um superior ou colega e (…) passam a ser isoladas, humilhadas ou maltratadas. Esta mistura de assédio sexual e assédio moral existe em todos os meios profissionais e em todos os escalões da hierarquia. É sempre difícil de provar, a menos que apareçam testemunhas, pois o agressor sempre nega. Aliás, a maior parte do tempo, o assediador não acredita que seu comportamento seja condenável; ele o considera apenas ‘viril’.”

É notório que o ambiente de trabalho, notadamente no mundo altamente competitivo e aguerrido das vendas, não tem nada de monástico, e que o treinamento e estímulo à captação de clientela fazem baixar certas reservas e pudores, instituindo as empresas ou seus prepostos, não raro, como estratégia de motivação do pessoal, o uso de linguagem grosseira que em condições ordinárias ter-se-ia como inaceitável. Todavia, in casu, a sujeição continuada dos trabalhadores e, especial e discriminatoriamente, das empregadas, ao rebaixamento de limites morais, com adoção no ambiente de trabalho de interlocução desabrida e imposição, direta ou através de sugestão velada, de condutas permissivas em face dos clientes, no mesquinho afã de elevar as metas de vendas, faz aflorar a figura intolerável do assédio moral, a merecer o mais veemente repúdio desta Justiça especializada.

Vale aqui considerar o conceito de “ASSÉDIO MORAL” proposto pela grande especialista internacional sobre o tema, a psicanalista MARIE-FRANCE HIRIGOYEN:

“Por assédio moral em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, gestos, escritos, que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho” (in “Mal-Estar no Trabalho, Redefinindo o Assédio Moral”).


Impor, seja de forma explícita ou velada, como conduta profissional na negociação de consórcios, que a empregada “saia” ou “venda o corpo” aos clientes, e ainda se submeta à lubricidade dos comentários e investidas de superior hierárquico, ultrapassa todos os limites plausíveis em face da moralidade média, mesmo nestas permissivas plagas abaixo da linha do Equador. Nenhum objetivo comercial justifica práticas dessa natureza, que vilipendiam a dignidade humana e a personalidade da mulher trabalhadora.

Nesse sentido vale reproduzir julgado pertinente:

“Dano moral — Vendedor que não atinge metas — Submissão a situação vexatória no ambiente de trabalho. Demonstrando a prova testemunhal que o empregado — vendedor — quando não atingia as impostas metas de venda, era obrigado a usar um chapéu cônico, contendo a expressão “burro”, durante reuniões, na frente de todos — vendedores, gerente, supervisores — oportunidade em que era alvo de risadas e chacotas, indubitáveis o vexame e a humilhação, com conotação punitiva. O aborrecimento, por certo, atinge a saúde psicológica do empregado e, estando sujeito a tal ridículo e aflição, por óbvio estava comprometido em seu bem estar emocional. Tal procedimento afronta diretamente a honra e a dignidade da pessoa, bens resguardados pela Carta Maior. Iniciativas absurdas e inexplicáveis como esta têm que ser combatidas com veemência, condenando o empregador ao pagamento de indenização por dano moral”. (TRT da 9ª Região, Ac. Unânime, 2ª T., Publ. 20/09/02, Rec. Ordinário nº 1796/2002, Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther, apud Hádassa Dolores, op. cit. pág. 151).

A prova dos autos revelou a adoção pela reclamada, de forma injuriosa de gestão que evoluiu para o assédio moral, imposto de forma vertical e descendente pelo superior hierárquico (Sr. *Pedro). Este, sob a complacência do empregador e certamente no interesse deste, com vistas a alavancar as vendas, promoveu brutal degradação do ambiente de trabalho: (1) menosprezando publicamente as mulheres, chegando a dizer que “… tinham que vender o corpo ou sair com o cliente , se necessário, para trazer uma cota de consórcio”; (..) esse procedimento era adotado na presença de outros funcionários da empresa; (fls. 48, 1ª testemunha da recte.); (2) ironizando e desmoralizando a reclamante, através de comentários lúbricos perante colegas (fls. 48, idem); (3) aplicando advertências (1ª test.) e tratando os subordinados de forma grosseira, estúpida, com palavrões e xingamentos, quando não conseguiam vender (2ª test. fls. 48); (4) dirigindo convites às empregadas para sair com ele, inclusive a reclamante (2ª test. fls. 48).

Irrelevante, para a configuração do assédio moral, a ausência de laudo clínico a atestar o impacto sobre o psiquismo da autora, porquanto inquestionável a ocorrência das práticas degradantes, reiteradas ao longo do período trabalhado, dirigidas de forma claramente injuriosa e discriminatória às trabalhadoras, e em especial à reclamante, com o agravante de ser casada e sequer ter registro em sua CTPS, implicando humilhações e manifesto atentado à dignidade e personalidade da empregada.

Em Voto antológico, o Eminente Juiz Relator (Designado) José Carlos Rizk, Acórdão 9029/2002, do TRT da 17ª Região (Processo nº 1142.2001.006.17.00.9, publ. DO 15/10/02), tratando do tema, conceituou a humilhação como “um sentimento de ser ofendido, menosprezado, rebaixado, inferiorizado, submetido, vexado, constrangido e ultrajado pelo outro.” É sentir-se um ninguém, sem valor, inútil, magoado, revoltado, perturbado, mortificado, traído, envergonhado, indignado e com raiva. A humilhação causa dor, tristeza e sofrimento. Adiante, conceituou o assédio moral no trabalho como “a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias, onde predominam condutas negativas, relações desumanas e antiéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigidas a um subordinado, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização”.

Em verdade, resta presumido o impacto moral e psicológico sofrido pela empregada em face da brutalidade do insulto à dignidade e personalidade praticado pelo empregador, ao recomendar através de preposto, que a empregada se prostituísse, para alavancar as vendas, submetendo-a ainda a outras situações vexatórias e degradantes descritas pelas testemunhas. Despicienda pois, a produção de laudo clínico a atestar lesão psíquica em face da prova cabal das injúrias morais e grave atentado à dignidade, cometidos no ambiente de trabalho por superior hierárquico, sendo inquestionável o direito da trabalhadora à indenização por dano moral corretamente deferida pela D. Vara de origem.

Como enfatiza HÁDASSA DOLORES BONILHA FERREIRA (in “Assédio Moral nas Relações de Trabalho”, Russell, 1ª Edição, 2004, pág. 8) “o assédio moral não atinge somente os trabalhadores. Quando determinada situação ameaça a integridade do princípio da dignidade da pessoa humana, toda a sociedade é afetada”.

O empregado é sujeito e não objeto da relação de trabalho, e assim, não lhe podem ser impostas condutas que degradem o meio-ambiente de trabalho, violando a sua integridade intelectual ou moral. A subordinação no contrato de trabalho não compreende a pessoa do empregado, mas tão-somente a sua atividade laborativa, esta sim submetida — de forma limitada e sob ressalvas, ao jus variandi.

O fato de o tratamento degradante ser dirigido também a outras colegas da reclamante não legitima o despotismo patronal, incompatível com a dignidade da pessoa humana, com a valorização do trabalho e a função social da propriedade, asseguradas pela Constituição Federal (art. 1º, III e IV, art. 5º, XIII, art. 170, caput e III).

Concluo assim, ser incensurável a r. sentença de origem neste tópico da decisão.

Mantenho.

Do exposto, conheço do apelo, rejeito a exceção de incompetência, bem como a preliminar argüida e, no mérito, NEGO PROVIMENTO, mantendo a respeitável sentença de origem, tudo na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!