Controle de horário

Caminhão controlado por tacógrafo assegura hora extra

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27 de maio de 2005, 11h51

Embora faça trabalho externo, o caminhoneiro tem direito a horas extras, que podem ser provadas desde que ele dirija caminhão controlado por tacógrafo. O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) no julgamento do Recurso Ordinário de um ex-empregado da Transportes Della Volpe.

O caminhoneiro entrou com ação na 50ª Vara do Trabalho de São Paulo. Ele pedia o pagamento de verbas devidas pela empresa em por causa da rescisão de seu contrato de trabalho, inclusive horas extras. A empresa rebateu os argumentos do ex-funcionário. A informação é do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

Sustentou que como o motorista trabalhava em funções externas, estaria “inserido na hipótese do artigo 62 da CLT”. O artigo diz que não tem direito a horas extras “os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”.

A primeira instância acolheu a tese da transportadora e negou o direito às horas extras. O caminhoneiro recorreu à segunda instância. Sustentou que sua jornada era controlada por um tacógrafo instalado no caminhão. O relator do recurso, juiz Ricardo Trigueiros, considerou que a própria empresa, em depoimento, confessou que havia fiscalização do trabalho externo, com controle de horário e instalação do tacógrafo, “por exigência do DNER”.

Para o relator, “o tacógrafo, ao contrário do que alega a reclamada, é o instrumento registrador, instantâneo e inalterável, de velocidade e tempo, que permite apurar não só a velocidade do veículo, mas também a toda a atividade do motorista, distância percorrida, data e hora do início do transporte, de forma diária, o que o torna hábil à caracterização do controle do horário efetivamente cumprido pelo empregado”.

O relator observou que “embora se trate de equipamento obrigatório de segurança, consoante dispõe o artigo 105 do Código Nacional de Trânsito, o tacógrafo permite sim, a aferição de jornada”. Segundo o juiz, a transportadora, “ao optar pela incineração dos discos de tacógrafo, prova recente que deveria manter arquivada à disposição das autoridades administrativas e judiciais, assumiu os riscos dessa conduta, resultando fragilizado seu posicionamento processual e erigindo-se presunção de veracidade quanto às horas extras alegadas pelo autor”.

A decisão da 4ª Turma do Tribunal foi unânime. Os juízes condenaram a transportadora a pagar todas as horas extras reclamadas pelo caminhoneiro, além dos reflexos sobre descansos semanais remunerados e feriados, 13º salários, férias, aviso prévio e FGTS acrescido de 40%. Cabe recurso.

Recurso Ordinário 01509.2002.050.02.00-5

Leia a íntegra do voto

4ª. TURMA

PROCESSO TRT/SP Nº: 01509.2002.050.02.00-5 (20030552200)

RECURSO: RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: JESANIAS PEREIRA DA SILVA

RECORRIDO: TRANSPORTES DELLA VOLPE S/A. IND. E COM.

ORIGEM: 50ª VT DE SÃO PAULO

EMENTA: CAMINHONEIRO. CONTROLE DE JORNADA. TACÓGRAFO. RESOLUÇÃO Nº 92/99 DO CONTRAN. INCINERAÇÃO DA PROVA PELO EMPREGADOR. HORAS EXTRAS RECONHECIDAS.

O tacógrafo é o instrumento registrador, instantâneo e inalterável, de velocidade e tempo, que permite apurar não só a velocidade do veículo, mas também toda a atividade do motorista, distância percorrida, data e hora do início do transporte, de forma diária, o que o torna hábil à caracterização do controle do horário efetivamente cumprido pelo empregado.

Embora se trate de equipamento obrigatório de segurança, consoante dispõe o artigo 105 do Código Nacional de Trânsito, o tacógrafo permite sim, a aferição de jornada, conforme explicita a Resolução nº 92, de 4 de maio de 1999, do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), em seus artigos 1º e 2º (“Parágrafo único. Para a apuração dos períodos de trabalho e de repouso diário dos condutores, a autoridade competente utilizará as informações previstas nos incisos III, IV, V e VI”), dirigindo-se o comando desta norma, não apenas às autoridades de trânsito mas também às autoridades trabalhistas, às quais incumbe fiscalizar o cumprimento de normas de ordem pública que velam pela limitação de jornada e horário de repouso do trabalhador.

Destinando-se pois, o tacógrafo, ao controle da atividade do motorista, inclusive quanto aos seus períodos de trabalho e de repouso, e estando in casu, associado a outras formas de acompanhamento da atividade, pelo empregador, afasta-se a incidência do art. 62, I, da CLT, restando devidas ao caminhoneiro às horas extras e reflexos. A conduta temerária da recorrida, de eliminar mensalmente os discos, incinerando provas recentes, ainda sujeitas ao exame das autoridades administrativas e judiciais, milita contra a tese defensiva, fazendo presumir a prorrogação sustentada pelo autor. Inteligência da OJ nº 332 da SDI-1 do C. TST.


Contra a respeitável sentença de fls. 229/232, que julgou procedente em parte a reclamação, recorreu ordinariamente o reclamante às fls. 234/245, alegando preliminarmente nulidade da sentença por cerceamento de prova. No mérito aduz que restou provada a existência de sobrejornada e a possibilidade do efetivo controle pela empresa.

Contra-razões às fls. 249/253.

Parecer do Digno Representante do Ministério Público do Trabalho às fls. 254, quanto à inexistência de interesse público que justificasse sua intervenção.

É o relatório.

V O T O

Conheço porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

DA PRELIMINAR DE NULIDADE

Sustenta o recorrente, que teve o seu direito de defesa tolhido pelo indeferimento do pedido de determinação de juntada pela empresa, dos discos de tacógrafo, vez que a carreta por ele operada estava equipada com Registrador Instantâneo e Inalterável de Velocidade e Tempo, onde consta a hora de partida e de chegada, tempo de condução, tempo de parada, velocidades desenvolvidas e quilometragem rodada.

Ab initio vale ressaltar que ao Juízo cabe a direção do processo, autorizando ou rejeitando a produção de provas, sob o enfoque exclusivo da necessidade ou não das mesmas para o deslinde do feito. Tal preeminência configura exercício de seu poder de direção na fase instrutória. É o princípio do livre convencimento motivado, insculpido no artigo 130, do CPC, que se reforça no artigo 765, da CLT: “Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causa, podendo designar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”.

Embora seja discutível como meio efetivo de fiscalização do horário, o fato é que nos veículos da reclamada havia o sistema de tacógrafo, de sorte que a princípio, o indeferimento da juntada dos respectivos discos caracterizaria o alegado cerceamento de defesa.

Todavia, não há como acatar a preliminar, vez que a reclamada, em depoimento (fls. 132), expressamente declarou que “guarda por apenas 30 dias por exigência da fiscalização e depois incinera(..)”.

Assim, a preliminar afigura-se inócua, em face da impossibilidade material de se obter a juntada de documentos que a própria empresa admitiu ter eliminado fisicamente, através de incineração, sem prejuízo de posterior avaliação da conduta temerária adotada pela recorrida ao eliminar provas sujeitas ao exame das autoridades administrativas e judiciais.

Rejeito.

MÉRITO

DAS HORAS EXTRAS

O reclamante, na exordial, alegou que se ativava em sobrejornada.

A reclamada, na contestação, negou o trabalho extraordinário e alegou que o reclamante laborou em funções externas, concluindo que, nessa qualidade, estava inserido na hipótese do artigo 62 da CLT. A r. sentença de origem indeferiu o pleito vestibular arrimando-se no conjunto probatório, considerando que a prova oral produzida não revelou qualquer controle sobre o horário do reclamante.

Pugna o reclamante pela reforma da r. decisão de origem, sustentando restar confessado pela recorrida o referido controle.

Razão assiste ao recorrente.

Vale ressaltar que era da reclamada o ônus da prova do fato impeditivo do direito pleiteado (artigo 818 da CLT c/c com artigo 333, inciso II, do CPC) e dele não se desincumbiu.

A própria reclamada, em depoimento (fls. 132), confessou que havia fiscalização do labor externo, com efetivo controle de horário, ao declarar que “(..) nos últimos 5 anos houve disco tacógrafo por exigência do DNER; (..)que ao deixar a carga no destino o motorista entra em contato com a reclamada para saber de onde vai partir o carregamento; que até seis ou sete meses atrás havia obrigatoriedade de o motorista ligar uma ou duas vezes por dia para que a reclamada pudesse saber onde o motorista estava, por determinação do ISO; que nesses últimos meses foi implantado o sistema satélite e o motorista não precisou mais ligar; (..)”. (grifamos).

Aí está. A própria reclamada confessou a existência de controle da atividade, seja em face da obrigatoriedade de comunicação do motorista, tanto no destino como durante o percurso, e mais recentemente, por meio de satélite, a par do reconhecido uso do tacógrafo.

Ressalte-se que o tacógrafo, ao contrário do que alega a reclamada é o instrumento registrador, instantâneo e inalterável, de velocidade e tempo, que permite apurar não só a velocidade do veículo, mas também a toda a atividade do motorista, distância percorrida, data e hora do início do transporte, de forma diária, o que o torna hábil à caracterização do controle do horário efetivamente cumprido pelo empregado.

Embora se trate de equipamento obrigatório de segurança, consoante dispõe o artigo 105 do Código Nacional de Trânsito, o tacógrafo permite sim, a aferição de jornada, conforme explicita a Resolução nº 92 do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), em seus artigos 1º, 2º e 3º, in verbis:


“Art. 1o O registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo pode constituir-se num único aparelho mecânico, eletrônico ou compor um conjunto computadorizado que, além das funções específicas, exerça outros controles.

Art. 2o Deverá apresentar e disponibilizar a qualquer momento, pelo menos, as seguintes informações das últimas vinte e quatro horas de operação do veículo:

I. velocidades desenvolvidas;

II. distância percorrida pelo veículo;

III. tempo de movimentação do veículo e suas interrupções;

IV. data e hora de início da operação;

V. identificação do veículo;

VI. identificação dos condutores;

VII. identificação de abertura do compartimento que contém o disco ou de emissão da fita diagrama.

Parágrafo único. Para a apuração dos períodos de trabalho e de repouso diário dos condutores, a autoridade competente utilizará as informações previstas nos incisos III, IV, V e VI.

Art. 3º. A fiscalização das condições de funcionamento do registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo, nos veículos em que seu uso é obrigatório, será exercida pelos órgãos executivos do Sistema Nacional de Trânsito.(..)” (grifamos).

Como se extrai do parágrafo único do artigo 2º da Resolução retro reproduzida, é que o comando da norma se dirige às autoridades competentes, sem exceção, o que certamente inclui, a trabalhista, que, para apuração dos períodos de trabalho e de descanso do motorista, pode utilizar-se das informações previstas nos incisos III, IV, V e VI daquela norma.

Não há nenhuma razão lógica para que existindo controles tão precisos, abrangendo tempo de serviço e de repouso diários, este acervo obrigatório por lei não interesse, também, à autoridade trabalhista, a quem incumbe fiscalizar o cumprimento de normas de ordem pública que velam pela limitação de jornada e tempo de repouso dos trabalhadores.

Está claro, portanto, que o tacógrafo é elemento de prova absolutamente válido e relevante para o processo trabalhista, indicativo da existência de controle do trabalho do motorista, e assim, associado a outras formas de acompanhamento da atividade pelo empregador, afasta a incidência da norma exceptiva à limitação de jornada.

Nesse sentido é a jurisprudência:

“MOTORISTA DE CAMINHÃO HORAS EXTRAS TACÓGRAFO. Não obstante o tacógrafo sirva, originariamente, para controlar a velocidade do veículo, na qualidade de equipamento de segurança, ou para viabilizar a racionalização do uso da frota, permite, de igual sorte, a aferição de jornada, ao menos no tocante ao tempo de andamento do veículo. Sobre esse tempo de andamento, há possibilidade de o empregador exercer controle, sendo devidas as horas laboradas em sobrejornada nesse tempo.”

TRIBUNAL: 3ª Região, DECISÃO: 19 06 2002, TIPO: RO NUM: 4508 ANO: 2002, NÚMERO ÚNICO PROC: RO – 01702-2001-027-03-00; TURMA: Quarta Turma, DJMG DATA: 06-07-2002 PG: 08; Partes: RECORRENTE: Furbino de Lima Soares; Transporte Ceam Ltda; RECORRIDO: os mesmos; Relator: Juiz Maurício José Godinho Delgado

A corroborar a tese de que o autor não estava sujeito à exceção prevista pelo artigo 62, I, da CLT, tem-se ainda, a circular de tráfego emitida pela própria reclamada (fls. 28), na qual obriga o motorista a ligar para a matriz, sob pena punições:

“CIRCULAR DE TRÁFEGO Nº 002/SP/93

REF.: LIGAÇÕES PARA O DEPTO DE TRANSPORTES

Informamos à todos os Motoristas da Frota, que a partir desta data, fica obrigatório fazerem ligações para à Matriz, falar com os Srs. Brito e/ou Claudio, após Descarregarem no Interior e/ou Grande São Paulo seus respectivos/veículos, independentemente da Autorização da Filial de sua origem. Os que assim não procederem sofrerão as punições cabíveis.

Em tempo: Será feito um controle, rigoroso de Carregamento e Descarga pelo Departamento de Transportes.(..)”

Nesse sentido é o depoimento da testemunha do autor, Sr. Crispim(fls. 133), ao declarar “(..) que o disco do tacógrafo era entregue na filial, no destino; que sabe que a reclamada fazia leitura do disco(..); que sabe disso porque a reclamada tinha um arquivo dos discos, mas o depoente não presenciava a leitura; que tinham que ligar para a reclamada três ou quatro vezes ao dia para dar uma posição de onde o motorista se encontrava; (..) que o abastecimento era sempre em postos conveniados; (..)”.

Assim, restou patente que havia controle da jornada do autor pela ré, ainda que de forma indireta, por diversos meios, dentre os quais, o tacógrafo, cuja imprudente eliminação pela reclamada milita contra a tese defensiva. Inteligência da Orientação Jurisprudencial nº 332, da SDI-1 do C. TST: “Motorista. Horas extras. Atividade externa. Controle de jornada por tacógrafo. Resolução 816/1986 do CONTRAN. O tacógrafo, por si só, sem a existência de outros elementos, não serve para controlar a jornada de trabalho de empregado que exerce atividade externa”.

Ressalte-se que a recorrida não produziu outras provas convincentes para roborar suas alegações de defesa e, ao optar pela incineração dos discos de tacógrafo, prova recente que deveria manter arquivada à disposição das autoridades administrativas e judiciais, assumiu os riscos dessa conduta, resultando fragilizado seu posicionamento processual e erigindo-se presunção de veracidade quanto às horas extras alegadas pelo autor.

Nesse contexto, faz jus o autor ao pagamento das horas extras, assim havidas todas as que excederam de oito no dia e de 44 na semana, considerando a média de horas extras e a jornada alegadas na exordial, ou seja, das 7:00 às 22:00 horas, com 1(uma) hora de intervalo, observando-se o divisor 220, a evolução salarial, os dias efetivamente laborados, com adicional de 50%.

Diante da habitualidade das horas extras, seguem-se devidos os acessórios, ou seja, os reflexos, sobre descansos semanais remunerados e feriados, 13º salários, férias mais 1/3, aviso prévio, e FGTS mais adicional de 40%, tudo a apurar em liquidação.

Reformo.

DO EXPOSTO, conheço do apelo, rejeito a preliminar argüida e no mérito, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso do reclamante para acrescer à condenação o pagamento das horas extras, assim havidas todas as que excederam de oito no dia e de 44 na semana, considerando a jornada alegada na exordial, observando-se os parâmetros reconhecidos na fundamentação do voto, o divisor 220, a evolução salarial, os dias efetivamente laborados, o adicional de 50%. Diante da habitualidade das horas extras, seguem-se devidos os acessórios, ou seja, os reflexos, sobre descansos semanais remunerados e feriados, 13º salários, férias mais 1/3, aviso prévio, e FGTS mais adicional de 40%, tudo a apurar em liquidação, na forma da fundamentação supra, que integra e complementa este dispositivo. Custas pela reclamada sobre o valor da condenação ora rearbitrada em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

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