Terra de índio

Projeto propõe anular homologação de reserva indígena

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24 de maio de 2005, 13h30

Projeto de Decreto Legislativo do deputado Luciano Castro (PL-RR) pretende anular a homologação da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. O deputado afirma que as terras da reserva não constitui mais terra indígena.

“Não são indígenas as terras que, nos dias atuais, não preencham os requisitos e as condições estabelecidas na Constituição, mesmo que no passado pré-colombiano tenham sido ocupadas pelos índios. Do contrário chegaríamos à absurda conclusão de que todas as terras brasileiras pertenceriam aos índios”, argumentou o deputado. As informações são da Agência Câmara.

De acordo com Castro, “a Constituição não abre a possibilidade para o poder público demarcar áreas a seu bel-prazer, sendo nulos ou anuláveis todos os atos que exorbitaram ao ordenamento constitucional brasileiro, que não prevê a chamada demarcação de área contínua, isto é, aquela que inclui os espaços vazios e as propriedades particulares localizados entre as terras definidas pela Constituição como indígenas, sejam elas urbanas ou rurais”.

Para o deputado, o decreto presidencial que homologou a reserva constitui “flagrante exorbitância”, e a demarcação resultou de um processo administrativo, “eivado de vícios, desde o laudo antropológico de lavra duvidosa, que não resiste a mais superficial análise, dadas as suas imperfeições, imprecisões, erros e equívocos amplamente denunciados, até as transgressões de princípios, direitos e garantias constitucionais, em especial o direito de propriedade e o direito adquirido”.

Limites do Executivo

“É de pasmar o abuso de autoridade do Executivo ao editar o decreto homologatório apenas dois dias após a edição da portaria ministerial que veio a substituir a anterior (Portaria 820/98), que estava sub judice. Com essa manobra, as contestações judiciais perderam o objeto e ficou evidente o abuso do poder de regulamentar e transparente a intenção de inviabilizar qualquer ação administrativa ou judicial das partes prejudicadas “, afirmou, ainda, o deputado.

Para Castro, o ato do Executivo é “altamente lesivo ao estado de Roraima e à sua população, tendo em vista que extingue as atividades agrícolas naquelas áreas, onde se localizam as culturas de arroz e outros cereais, sendo a principal atividade econômica do Estado e fonte de renda e emprego para a população”.

O projeto tramita em conjunto com o PDC 1.621/05, do deputado Francisco Rodrigues (PFL-RR), de idêntico teor. Sujeita à análise do Plenário, a matéria encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, tendo como relator o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF).

Conheça o Projeto de Decreto Legislativo

PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO Nº 1.625, DE 2005.

(Do Sr. Luciano Castro)

Susta o Decreto de 15 de abril de 2005, sem número, que homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Fica sustado o Decreto de 15 de abril de 2005, sem número, que homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima, promovida pela FUNAI.

Art. 2º. Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O Decreto de 15 de abril de 2005, sem número, do Poder Executivo, publicado no Diário Oficial de 18 de abril de 2005, homologou a demarcação administrativa, promovida pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima.

Este Decreto, no seu art. 1º, estabelece o seguinte:

“Art. 1º. Fica homologada a demarcação administrativa, promovida pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, destinada à posse permanente dos Grupos Indígenas Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang, e Wapixana, nos termos da Portaria nº 534, de 13 de abril de 2005, do Ministério da Justiça.”

Como se vê, o artigo 1º modifica a realidade existente na ocupação dessas terras indígenas, pois estas são independentes umas das outras, não havendo entre elas uma continuidade natural. Esses grupos indígenas são independentes entre si, havendo espaços territoriais vazios e outros ocupados por aglomerações urbanas e propriedades rurais.

De acordo com o artigo 231, § 1º, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e que devem ser demarcadas são aquelas: “habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural.”

O texto constitucional, ao estabelecer, no artigo 231, as características das terras indígenas, ou seja, aquelas atribuições que as distinguem das demais terras, está, implicitamente, reconhecendo, também, que as demais terras não são objeto de demarcação.

À luz da hermenêutica, não são indígenas as terras que, nos dias atuais, não preencham os requisitos e as condições estabelecidas no artigo 231, § 1º, mesmo que no passado pré-colombiano tenham sido por eles, índios, ocupadas. Esse raciocínio se impõe, porque, caso contrário, chegaríamos à absurda conclusão de que todas as terras brasileiras pertenceriam aos índios, o que, de certo, não foi o objetivo do Constituinte ao inserir o artigo 231 na Constituição.

Foram, portanto, estabelecidos parâmetros, que devem ser observados, ficando claro que a Constituição Federal não abre a possibilidade para o Poder Público demarque áreas a seu bel-prazer. Assim sendo, no caso em questão, o órgão federal responsável pela promoção do processo administrativo da demarcação das terras indígenas, deve ater-se aos dispositivos específicos estabelecidos pelo artigo 231 da Constituição Federal, sendo, a nosso ver, nulos ou anuláveis todos os atos que exorbitaram ao mandamento constitucional.

Assim, é de se concluir que o ordenamento constitucional brasileiro não prevê a chamada demarcação de área contínua, isto é, aquela que inclui os espaços vazios e as propriedades particulares, localizados entre as terras definidas pela Constituição (artigo 231) como indígenas, sejam elas urbanas ou rurais.

O que nos leva à conclusão de que a demarcação das terras dos grupos indígenas, a que se refere o artigo 1º do Decreto Presidencial, na forma proposta pela Portaria nº 534, do Ministério da Justiça, constituiu-se em flagrante exorbitância do Poder Executivo, em seu poder regulamentar.

Outrossim, a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol resulta de um processo administrativo eivado de vícios, desde o Laudo Antropológico, de lavra duvidosa, que não resiste à mais superficial análise, dadas as suas imperfeições, imprecisões, erros e equívocos amplamente denunciados, até as transgressões de princípios, direitos e garantias constitucionais, em especial os seguintes:

“Art. 5º………

XXII – é garantido o direito de propriedade;

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”

É de se pasmar o abuso de autoridade do Poder Executivo, ao editar o decreto homologatório, apenas dois dias após a edição da Portaria ministerial, que, por sua vez, veio a substituir a anterior (Portaria 820/98) que estava sub judice.

Com essa manobra, as contestações judiciais perderam o objeto. Ficou à evidência o abuso do poder regulamentar, e transparente a intenção de inviabilizar qualquer ação, administrativa ou judicial, das partes prejudicadas, nesse interregno. Dessa forma, tal medida constituiu um verdadeiro embaraço à defesa em juízo e manifesto objetivo de inviabilizar a apreciação das medidas judiciais propostas contra a Portaria anterior, pela perda do objeto.

Outra questão relevante é o fato de que o ato do Poder Executivo é altamente lesivo ao Estado de Roraima e à sua população, tendo em vista que extingue as atividades agrícolas naquelas áreas, onde se localizam as culturas de arroz e outros cereais, sendo a principal atividade econômica do Estado e fonte de renda e emprego para a população.

Trata-se da extinção de uma pequena faixa de terras, localizada nas margens do Rio Surumu, nas bordas Sul da Reserva, onde estão localizadas as atividades agrícolas que representam, hoje, uma produção correspondente, em moeda nacional, a R$ 100 milhões e 6 mil empregos.

O ato presidencial não contempla, também, as manifestações dos grupos indígenas atingidos que, em inúmeras oportunidades, se manifestaram contra a demarcação contínua da Reserva.

Diante do exposto, amparados no artigo 49, V, da Constituição Federal, e convictos de que o Poder Executivo exorbitou de seu poder regulamentar, e incorporou, em seu ato, todas as arbitrariedades e todos os vícios do processo de demarcação da Reserva Indígena “Raposa/Serra do Sol, estamos encaminhando à apreciação dos nobres pares o presente Projeto de Decreto Legislativo, com o objetivo de sustar a aplicação do Decreto de 15 de abril de 2005, sem número, editado pelo Presidente da República, publicado no Diário Oficial de 18 de abril do mesmo ano.

Deputado Luciano Castro

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