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Bilheteira insultada por falta de troco será indenizada

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22 de maio de 2005, 12h18

Empresa que não fornece troco suficiente para a venda de bilhetes expõe o bilheteiro à situação publicamente vexatória. Com esse entendimento, os juízes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), determinaram que a CPTM — Companhia Paulista de Trens Metropolitanos pague indenização correspondente ao valor de cinco salários de uma bilheteira.

A funcionária entrou com ação na 40ª Vara do Trabalho de São Paulo questionando a punição disciplinar que sofreu, em virtude de desentendimento com usuário da CPTM. Também buscava indenização pelo dano moral sofrido com o episódio.

De acordo com o processo, um passageiro “exaltado” procurou a direção da estação de trens para se queixar da vendedora de bilhetes, que alegava falta de troco. Uma testemunha relatou que o usuário “ofendeu a reclamante com palavras de baixo calão”, levando a bilheteira ao choro e ao desequilíbrio emocional. Por causa do ocorrido, a funcionária levou suspensão disciplinar de dois dias, com desconto de salário.

A primeira instância entendeu que as provas apresentadas pela reclamante não seriam suficientes para comprovar o dano moral. Inconformada, ela recorreu à segunda instância, insistindo no pedido de indenização com o argumento de que o incidente que resultou na sua punição foi decorrente da falta de moedas para troco, responsabilidade do encarregado da estação.

Segundo o juiz Paulo Augusto Camara, relator do Recurso Ordinário no TRT da 2ª Região, “considerando a seqüência dos acontecimentos, é razoável concluir que a reclamante, vítima de palavras extremamente ofensivas, as quais o depoente nem sequer ousou reproduzir em Juízo, tenha se descontrolado e, aos prantos, tenha instado o ofensor a utilizar outra condução, atirando o bilhete ao chão”.

Para o juiz, “os insultos provocados pelo cliente insatisfeito provocaram um justificável e transitório descontrole emocional na autora. Ademais, todo o incidente é fruto direto da gestão deficiente do empregador, pois se as multicitadas moedas para troco fossem oportunamente providenciadas pela pessoa responsável, nada teria ocorrido”.

Ainda de acordo com o relator, “a conduta patronal, de negligência no fornecimento de troco para o regular funcionamento da venda de bilhetes, expôs a reclamante, enquanto bilheteira, à fúria e aos insultos do usuário agressivo e à situação publicamente vexatória, para a qual a mesma não contribuiu”.

Por maioria de votos, a 4ª Turma do Tribunal paulista acompanhou o voto do relator e condenou a CPTM a anular a pena disciplinar, reembolsar o desconto dos dois dias parados e pagar indenização por danos morais no valor equivalente a cinco salários da época do fato.

RO 00995.2002.040.02.00-7

Leia o voto do relator

PROCESSO TRT/SP Nº 00995.2002.040.02.00-7 – 4ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO DA 40ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

RECORRENTE: SORAYA GHANNOUN DREIDE MARQUES

RECORRIDA: COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS

Ementa: Dano moral. Nexo causal entre a conduta patronal lesiva e o sofrimento causado à trabalhadora provados. Indenização devida. A conduta patronal, de negligência no fornecimento de troco para o regular funcionamento da venda de bilhetes, expôs a reclamante, enquanto bilheteira, à fúria e aos insultos do usuário agressivo e à situação publicamente vexatória, para a qual a mesma não contribuiu. Soma-se a este lamentável episódio, a injusta punição disciplinar aplicada à trabalhadora, que além das ofensas, sofreu também o impacto financeiro resultante da suspensão disciplinar e do desconto dos dias de inatividade. A lesão extrapatrimonial é indiscutível, caracterizando-se o dano moral e impondo-se, por corolário lógico, a respectiva indenização, pela aplicação do art. 159 do Código Civil, com a redação vigente à época dos fatos.

A r. sentença de fls. 148/150, cujo relatório adoto, julgou improcedentes os pedidos. Inconformada, recorre ordinariamente a reclamante, consoante razões de fls. 154/166, alegando, em síntese, equívoco na valoração do conjunto probatório e na aplicação do direito, por entender demonstrado, através da prova oral, que foi injusta a punição (suspensão seguida de desconto dos dias parados) aplicada pelo empregador.

Esclarece que a própria testemunha da recorrida confirma que a punição foi excessiva, informando que o usuário estava exaltado, tendo ofendido a reclamante, vez que esta não possuía troco. Insiste na indenização decorrente do dano moral diante do sofrimento ao qual foi submetida, argumentando que o incidente que redundou em sua punição foi decorrente da falta de moedas para troco, incumbência esta do encarregado da estação. Por fim, pleiteia honorários advocatícios, por reputar preenchidos os requisitos legais. Requer a ampla reforma e a conseqüente procedência dos pedidos. Recurso tempestivo. Preparo dispensado (fl. 150). Contra-razões às fls. 179/185.


Através do r. parecer de fl. 186, a D. Procuradoria do Ministério Público do Trabalho opina pelo prosseguimento do feito, sem prejuízo de futura manifestação.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, uma vez que presentes os pressupostos legais de admissibilidade. Da anulação da sanção disciplinar

O foco inicial do inconformismo da recorrente reside no pedido de cancelamento ou anulação da punição (suspensão, seguida de desconto dos dias de inatividade) sofrida em setembro/2001, sob o argumento de que não deu causa ao incidente registrado (discussão com cliente, gerada pela falta de troco, que deveria ser providenciada pelo chefe da estação). Com razão a irresignada.

Do exame da prova oral (ata de audiência às fls. 73/75), é possível concluir que a ré, ora recorrida, por seu representante, no caso o encarregado de estação, não cumpriu a obrigação de fornecer as moedas necessárias ao procedimento de comercialização dos bilhetes. Este fato não é isolado, pois a testemunha Denise Pacheco afirmou que também teve problemas com ausência de troco (fl. 75).

Diante do reiterado problema, a reclamante, que desempenhava a função de bilheteira, viu-se envolvida em um conflito, no qual um cliente exaltado proferiu impropérios, que por sua vez, levaram-na ao choro e ao desequilíbrio emocional.

Note-se que a testemunha convidada pela própria reclamada, Luiz Francisco Vieira, afirmou que foi procurado por um usuário “exaltado” que queria comprar um bilhete, mas a bilheteira não tinha troco, fato que foi confirmado pelo depoente, na condição de encarregado de estação. A testemunha em apreço também declarou que o referido usuário “ofendeu a reclamante com palavras de baixo calão”, que a reclamante ficou nervosa e chorou, porém, “não usou de palavras de baixo calão com o cliente” (fl. 74).

Embora o depoente tenha declarado que a reclamante jogou o bilhete no chão, podemos constatar que a agressão verbal partiu do usuário que teria se sentido insultado com a falta de troco na bilheteria.

Considerando a seqüência dos acontecimentos, é razoável concluir que a reclamante, vítima de palavras extremamente ofensivas, as quais o depoente nem sequer ousou reproduzir em Juízo, tenha se descontrolado e, aos prantos, tenha instado o ofensor a utilizar outra condução, atirando o bilhete ao chão.

Não se olvide que o trabalhador é, antes de tudo, um ser humano, que merece ser tratado com o mesmo respeito e urbanidade mencionados pela ré, à fl. 90.

Ao contrário do sustentado pela demandada, a reação da obreira não revela violação ostensiva das normas internas. Também não ficou demonstrada a indisciplina e a insubordinação mencionadas na contestação (fl. 89).

A argumentação defensiva no sentido de que a reclamante já havia sido penalizada com duas advertências escritas e duas suspensões comprovadas através dos documentos nº 5/9 evidencia a reprovável conduta de tentar legitimar a injusta punição aplicada à obreira.

Senão, vejamos.

O documento nº 5 do volume anexo refere-se à suspensão disciplinar por dois dias, tendo como causa o incidente sob exame.

Os documentos seguintes, ou seja, nº 6, 7 e 8, referem-se a advertência decorrente da falta não justificada em 19/09/99; suspensão por atraso nos dias 25 e 26/09/99 e suspensão por atraso nos dias 15 e 16/02/2000.

A única falta injustificada em setembro/99, seguidas de dois atrasos em setembro/99 e outros dois em fevereiro/2000 não configuram a indisciplina referida na contestação, se consideradas as notórias dificuldades de deslocamento e/ou transporte do cidadão paulistano.

Ainda que assim não fosse, tratam-se de “faltas” diferentes das anteriores, de modo de que não justifica o rigor da punição. A conclusão emergente dos autos é que reclamante não tem antecedentes de agressividade no trato com os clientes.

Os fatos revelam que os insultos provocados pelo cliente insatisfeito provocaram um justificável e transitório descontrole emocional na autora. Ademais, todo o incidente é fruto direto da gestão deficiente do empregador, pois se as multicitadas moedas para troco fossem oportunamente providenciadas pela pessoa responsável, nada teria ocorrido.

Registro, ainda, que embora o representante da reclamada tenha afirmado em Juízo (fl. 74) que a reclamante teria proferido “impropérios contra o usuário”, tal fato foi negado pela testemunha convidada pelo empregador, conforme já consignado, pois esta declarou, de forma inequívoca, que foi o cliente quem proferiu palavras ofensivas contra a reclamante.

À luz das regras que norteiam o ônus da prova, conforme estatuído nos artigos 818 da CLT e 333, inc. II do CPC, a reclamada não se desonerou do encargo de demonstrar os atos de indisciplina e insubordinação ensejadoras da punição.


Ante o princípio da razoabilidade, concluo que a conduta obreira não constitui falta apta a redundar na suspensão e no desconto dos dias de inatividade, reiterando que se o empregador tivesse sido diligente no fornecimento ou na reposição do numerário indispensável à comercialização dos bilhetes, a reclamante não teria sido vítima da agressão verbal promovida pelo usuário, nem teria reagido de forma emocionalmente descontrolada.

Nesse passo, reformo o decidido para determinar a restituição do desconto relativo aos dias de suspensão no valor de R$ 143,23, conforme pedido formulado no item “a” do rol de fl. 10.

Da indenização decorrente do dano moral

A recorrente insiste no pagamento de indenização decorrente do dano moral argumentando, resumidamente, que as ofensas às quais foi submetida lhe causaram humilhação, sofrimento e dor.

A irresignação merece acolhida. Senão, vejamos.

Acerca do dano moral, doutrina e jurisprudência preconizam que as dores experimentadas em face de uma lesão ensejam a devida reparação.

Parafraseando Valdir Florindo, in Dano moral e o Direito do Trabalho, dano moral é aquele dano decorrente de lesão à honra, que afeta a paz interior, cujo caráter é extrapatrimonial com reflexos no âmbito patrimonial.

A indenização decorrente da responsabilização por danos causados (materiais ou imateriais/morais) pressupõe a existência concomitante do trinômio conduta (comissiva/omissiva), dano (resultado negativo) e nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o prejuízo.

Imprescindível, para efeito de condenação, que a conduta lesiva seja robustamente demonstrada, a exemplo do resultado danoso.

No caso em tela, a pretensão encontra respaldo, pois o depoimento da testemunha convidada pela própria ré configura prova inequívoca acerca do dano (houve efetivo descontrole emocional da obreira), causado pela reação exaltada do cliente irritado com a dificuldade na aquisição do bilhete, questão esta que deveria ter sido prevenida pela demandada (fl. 74).

A conduta patronal, de negligência no fornecimento de troco para o regular funcionamento da venda de bilhetes, expôs a reclamante, enquanto bilheteira, à fúria e aos insultos do usuário agressivo e à situação publicamente vexatória, para a qual a mesma não contribuiu. Soma-se a este lamentável episódio, a injusta punição disciplinar aplicada à trabalhadora, que além das ofensas, sofreu também o impacto financeiro resultante da suspensão disciplinar e do desconto dos dias de inatividade. A lesão extrapatrimonial é indiscutível, caracterizando-se o dano moral e impondo-se, por corolário lógico, a respectiva indenização, pela aplicação do art. 159 do Código Civil, com a redação vigente à época dos fatos.

É certo que a subjetividade que envolve a questão do dano moral dificulta a dimensão dos prejuízos oriundos da lesão sofrida, todavia, não é permitido perder de vista a necessidade do ofendido, a capacidade patrimonial do ofensor e o princípio da razoabilidade. A indenização deve corresponder à justa reparação do dano, sem implicar em excessiva punição ou que possa redundar na inexequibilidade da medida.

Dessarte, dou provimento ao apelo para condenar a reclamada a pagar indenização correspondente ao quíntuplo do salário obreiro na época do fato, acrescido de correção monetária contada na forma da Orientação Jurisprudencial nº 124 da SDI-1 do C. TST e juros de mora, nos termos da lei.

Dos honorários advocatícios

A recorrente reitera o argumento de que são devidos os honorários advocatícios. A pretensão merece acolhida, pois estão preenchidos os pressupostos do art. 14 da Lei nº 5.584/70, que rege a matéria no âmbito desta Especializada: a autora está assistida por entidade sindical e juntou declaração de miserabilidade jurídica (fl. 13), sendo devidos os honorários advocatícios ao sindicato.

Nesse sentido, doutrina e jurisprudência majoritária, esta última representada pelas Súmulas nº 219 e 329 do C. TST, in verbis:

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – HIPÓTESE DE CABIMENTO

Na Justiça do Trabalho, a condenação em honorários advocatícios, nunca superiores a 15%, não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal, ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – ART. 133 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988

Mesmo após a promulgação da Constituição da República de 1988, permanece válido o entendimento consubstanciado no Enunciado 219 do Tribunal Superior do Trabalho.

Reformo o decidido para acrescer à condenação os honorários advocatícios (15% sobre o valor da condenação) que revertem para a entidade sindical.

Ante o exposto, conheço do recurso obreiro e no mérito, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para julgar parcialmente procedente a reclamação trabalhista e condenar a reclamada a anular a pena disciplinar; a reembolsar o desconto dos dias de inatividade; a pagar indenização por danos morais no valor equivalente a 5 (cinco) salários da época do fato e a pagar os honorários advocatícios (15% sobre o valor da condenação) que revertem para o sindicato. Custas, pela reclamada, no importe de R$ 160,00, calculadas sobre o valor da condenação, ora fixado em R$ 8.000,00. Tudo nos termos da fundamentação.

PAULO AUGUSTO CAMARA

Juiz Relator

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