Bate-boca

Ciro Gomes é interpelado por jornalista do Estado de Minas

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16 de maio de 2005, 19h57

O ministro da Integração Nacional Ciro Gomes está sendo interpelado no Supremo Tribunal Federal por ofensa ao decoro e à honra. Ele é acusado pelo jornalista Bernardino Furtado, do jornal Estado de Minas, por ter classificado suas reportagens como levianas e por sugerir que ele estaria sendo pago para criticar a transposição do Rio São Francisco, uma das bandeiras do ministério.

Furtado é autor de uma série de notícias, veiculadas no Estado de Minas e no Correio Braziliense, em que aponta aspectos negativos do projeto. De acordo com a inicial, em entrevista coletiva, em Minas Gerais, Ciro feriu a dignidade e o profissionalismo do repórter perante público de peso considerável, em especial seus colegas de profissão. A ação já foi distribuída no STF e o relator do caso é o ministro Celso de Mello.

Segundo transcrição da entrevista, constante dos autos, Ciro Gomes acusou Bernardino Furtado de receber dinheiro para firmar posição contra o projeto de transposição do São Francisco: “Desrespeitoso é quem faz o que você faz, Por dinheiro. Eu estou aqui trabalhando pelo país”, disse o ministro dirigindo-se ao jornalista durante a coletiva. “Porque é muito fácil o sujeito ganhar uma porcaria de DINHEIRO e ficar agredindo coisas que tem essa gravidade….”, continuou Ciro Gomes.

O ministro da Integração Nacional é figura fácil dos tribunais quando se trata de ofensa à honra. No último processo, ele foi condenado a reparar a família do ministro da Saúde na gestão do presidente Itamar Franco, Antônio Henrique Santillo, em cerca de R$ 250 mil. Ciro foi denunciado por acusar Santillo de corrupção e má utilização de recursos públicos em programa de TV. A decisão foi dada pela juíza Maria Lúcia Ribeiro de Castro Pizzotti Mendes, da 32ª Vara Cível do Fórum Central de São Paulo. Cabe recurso da decisão.

Leia a íntegra da inicial

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

BERNARDINO FURTADO, brasileiro, divorciado, jornalista, residente e domiciliado em Belo Horizonte, Minas Gerais, com endereço profissional na Avenida Getúlio Vargas nº 291, Bairro Funcionários, por seus procuradores “in fine” assinados, “ut” instrumento de mandato incluso, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro no disposto no Artigo 102, alínea “c”, da Constituição Federal de 1988 e Artigo 25 e seguintes, da Lei Federal 5.250/67, INTERPELAR o Sr. Ministro de Estado da Integração Nacional, S. Exª, Dr. CIRO GOMES FERREIRA, brasileiro, casado, advogado, com endereço na Esplanada dos Ministérios, Bloco E, Brasília/DF – CEP 70.062-900, expendendo, para tanto, as razões de fato de Direito adiante aduzidas:

Em 11 de março de 2005 o interpelado concedeu entrevista coletiva no 1º andar da sede da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), na Capital do Estado. O objetivo da visita do Ministro foi a celebração de um convênio firmado entre o Ministério e aquela federação, bem como, ainda, explanar sobre o Projeto de Transposição do Rio São Francisco, tudo devidamente documentado através de gravação de áudio e vídeo (fita anexa) e testemunhado por significativo número de presentes ao evento, especialmente por representantes dos meios de imprensa, formadores de opinião e outros vinculados à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais.

Cumpre ressaltar, a fim de melhor contextualizar os fatos, que o interpelante é esmerado profissional do jornalismo e, em mais uma ocasião, manteve contato profissional com o interpelado, a saber:

– em 1994 entrevistou o interpelado. Naquela ocasião trabalhava na sucursal do jornal “O Globo”, em São Paulo, e por diversas vezes participou de entrevistas naquela cidade, com o mesmo, quando ocupava o Ministério da Fazenda.

– o repórter, empregado do jornal Folha de São Paulo e depois da revista Época, também acompanhou pessoalmente comícios, inclusive no berço político do interpelado, Sobral (CE), e eventos das duas campanhas presidenciais (1998 e 2002) do atual ministro da Integração Nacional.

– o repórter participou, a convite da TV Cultura, no dia 14 de fevereiro de 2005 do programa Roda Viva, em São Paulo, em que o ministro era o entrevistado. O repórter teve participação destacada, apresentando uma série de perguntas ao ministro ao longo do programa;

– no dia 6 de março, cinco dias antes, portanto, da entrevista coletiva de Ciro Gomes na Fiemg, o jornal Estado de Minas, atual empregador do interpelante, publicou em três páginas (anexo) reportagem de autoria do mesmo repórter sobre o Canal do Trabalhador, obra que o ministro cita várias vezes durante a entrevista coletiva. O repórter é autor de uma série de reportagens (publicadas de 21 a 28 de novembro de 2004 nos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense) sobre o projeto de transposição do São Francisco, em que apresenta crítica fundada a alguns aspectos do referido projeto.

Tais precedentes são de fundamental relevância, a demonstrar que o interpelante apresenta formidável cabedal de conhecimento, quer no exercício puro e simples de sua profissão, quer nas questões que envolvam os sistemas de irrigação manejada.

Mas, detendo-se ao objeto da presente INTERPELAÇÃO, transcreve-se, para facilitar a compreensão dos fatos, os segmentos motivadores do presente feito. (O número indica o tempo de gravação da fita).

11:00 (repórter Bernardino Furtado) – Mas ministro, o Castanhão (açude no Ceará, maior do Brasil) também está cheio e a população lá está sem água…

Em resposta, o ministro diz que um canal está sendo construído para manejar essa água…

11:30 (repórter Bernardino Furtado) – Mas as pessoas em volta, quase do lado do açude, estão sem água… Não tem distribuição da água…

11:35 (ministro Ciro Gomes dirigindo-se ao repórter Bernardino Furtado) – Mas, sim, meu jovem, meu querido amigo, se você entendesse um pouco…

12:18 (ministro Ciro Gomes dirigindo-se ao mesmo repórter) O que você escreveu sobre o Canal do Trabalhador só revela uma certa irresponsabilidade…

12:21 (repórter Bernardino Furtado) – O que é irresponsável na matéria, ministro?

12:23 (ministro Ciro Gomes) – É uma grave irresponsabilidade!

12:24 (repórter Bernardino Furtado) – O senhor contesta o que na reportagem?

12:26 (ministro Ciro Gomes) – Não! Eu contesto a reportagem inteira!

12:28 (repórter Bernardino) – Pontue, aponte o que está errado, ministro!

12:30 (ministro Ciro Gomes) – Contesto, leviana, leviana!

12:32 (repórter Bernardino Furtado) – O que é leviano, ministro?

12: 34 (ministro Ciro Gomes) – Não, eu não vou bater boca com jornalista!

12:36 (repórter Bernardino Furtado) – Nem eu…

12:38 (ministro Ciro Gomes) – Então vamos passar para o próximo companheiro…

14:21 (ministro Ciro Gomes referindo-se ao repórter Bernardino Furtado) – Apesar do despreparo do jornalista ali, o coração do programa de revitalização (do São Francisco) é o saneamento básico.

14:26 (repórter Bernardino Furtado) – O senhor está me desrespeitando, ministro!

14:28 (ministro Ciro Gomes) – Não, estou sendo sincero. Desrespeitoso é quem faz o que você faz, Por DINHEIRO. Eu estou aqui trabalhando pelo país.

27:40 (ministro Ciro Gomes) – Porque o maior inimigo do projeto (da transposição do São Francisco) hoje é a desinformação. Às vezes venial, às vezes profissionalmente PAGA pelo que há de mais atrasado e reacionário no Brasil.

33:19 (ministro Ciro Gomes) – Por isso eu sou meio comovido com certas irresponsabilidades, muito gravemente. Porque é muito fácil o sujeito ganhar uma porcaria de DINHEIRO e ficar agredindo coisas que tem essa gravidade…. (a obra do Canal do Trabalhador)

34:02 (ministro Ciro Gomes) – Não devia ser permitido tão irresponsavelmente alguém mencionar esses assuntos sem pelo menos estudar….

34:28 (uma repórter que participava da entrevista coletiva) – Isso é um desabafo… o senhor (ministro Ciro Gomes) está falando por conta da revista Veja?

34:32 (ministro Ciro Gomes) – Não, não é Veja não. Eu não vou dar recibo. É de algumas pessoas que falam levianamente sobre as coisas. Porque isso é um assunto sério. Até para não fazer: se quiser ficar contra, fique contra sério, compreende o que está falando.

Como se vê, Excelência, o Sr. Ministro, extrapolando ao decoro e à ética que a altitude de seu cargo exigem e mais, ferindo, substancialmente, a dignidade e profissionalismo do interpelante, fez afirmações perante público de peso considerável, especialmente colegas do interpelante, que desafiam o legal e devido esclarecimento, através das seguintes preposições:

01 – QUE PRETENDEU O SR. MINISTRO AO AFIRMAR, AOS 12:18 MINUTOS DE GRAVAÇÃO, QUE AQUILO QUE O INTERPELANTE ESCREVEU SOBRE O CANAL DO TRABALHADOR REVELOU CERTA IRRESPONSABILIDADE? E MAIS ADIANTE, AOS 12:23 MINUSTOS, QUE A MATÉRIA É UMA GRAVE IRRESPONSABILIDADE?

02 – POR QUE O INTERPELADO AFIRMA, AOS 14:21 MINUTOS DA GRAVAÇÃO, QUE O INTERPELANTE É DESPREPARADO? SERIA O SR. BERNARDINO DESPREPARADO COMO JORNALISTA ? A QUE QUIS REFERIR-SE O SR. MINISTRO?

03 – AOS 14:28 MINUTOS DA GRAVAÇÃO, O INTERPELADO AFIRMA QUE O INTERPELANTE ATUA MOVIDO POR DINHEIRO. O MINISTRO CONSIDERA DESQUALIFICANTE OU ILÍCITO UM REPÓRTER GANHAR SALÁRIO PARA TRABALHAR? QUE QUIS DIZER O SR. MINISTRO COM A EXPRESSÃO PORCARIA DE DINHEIRO? É DINHEIRO ILÍCITO? É VALOR DE PEQUENA MONTA, NO QUE SE REFERE AO SALÁRIO DO INTERPELANTE?

04 – AOS 27:40 MINUTOS, QUE QUIS DIZER O INTERPELANTE COM A AFIRMAÇÃO DE QUE O MAIOR INIMIGO DO PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO É A DESIFNORMAÇÃO, ÀS VEZES VENIAL, ÀS VEZES PAGA… PELO SETOR MAIS ATRASADO E REACIONÁRIO DO PAÍS? QUAL O SETOR A QUE SE REFERE O SR. MINISTRO? QUEM PAGA E QUEM RECEBE PELA ALEGADA DESINFORMAÇÃO?

05 – ENTENDE O INTERPELADO, COM SUAS CONSIDERAÇÕES E INSINUAÇÕES QUE O INTERPELANTE RECEBERIA DINHEIRO DE MANEIRA ILÍCITA? MAIS UMA VEZ QUESTIONA-SE: QUEM PAGARIA DE TAL FORMA O INTERPELANTE ?

06- ENTENDE O INTERPELADO QUE EXISTE CORRUPÇÃO QUANTO ÀS NOTÍCIAS PUBLICADAS EM RELAÇÃO À TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO, QUE REVELAM A DISCORDÂNCIA COM O PROJETO DE GRNADE PARTE DA POPULAÇÃO BRASILEIRA ? EM TAL CASO, QUEM CORROMPE E QUEM É CORROMPIDO, NA VISÃO DO INTEPRPELADO ?

Face ao exposto, requer-se:

a) que seja o interpelado citado para, querendo e sob as penas da Lei, preste os esclarecimentos devidos, no prazo legal;

b) que a fita de vídeo/áudio que instrui a presente, fique sob a guarda da Secretaria;

c)que, após cumprida a presente interpelação, sejam os autos entregues ao interpelante, independentemente da manifestação do interpelado.

Pede juntada e deferimento.

Brasília-DF, 06 de maio de 2005.

Tábata Duarte Lage Cazorla

OAB/DF 16.469

Vitório Augusto de Fernandes Melo

OAB/DF 8415

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