Exposição ao ridículo

Empresa revela crise financeira de empregado e é punida

Autor

14 de maio de 2005, 13h06

O empregador que revela a situação de crise financeira de seu empregado e o expõe a situações vexatórias é obrigado a indenizá-lo por danos morais. A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP).

O ex-empregado do Consórcio Carro e Casa Fácil Sopave entrou com ação trabalhista na 1ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul para cobrar verbas trabalhistas em virtude da rescisão de contrato de trabalho. O reclamante — que trabalhava como vendedor de cotas do consórcio — também pediu indenização por dano moral.

De acordo com o processo, o vendedor contou ao seu gerente que, por conta do atraso no pagamento das comissões, enfrentava dificuldades financeiras. O gerente, então, espalhou essa informação entre os demais vendedores.

O empregado afirmou que diariamente, no início do expediente, o consórcio obrigava-o a “pagar mico” e a “dançar e rebolar na frente dos colegas, por ser intolerável qualquer manifestação de insatisfação e desânimo em relação às vendas”.

A primeira instância determinou que o Consórcio Sopave pagasse indenização por dano moral. Inconformada, a empresa recorreu da decisão ao TRT paulista.

O juiz Sérgio Pinto Martins, relator do Recurso Ordinário no TRT-SP, afirmou que o dano moral é a “lesão sofrida pela pessoa no tocante à sua personalidade. Envolve, portanto, o dano moral um aspecto não econômico, não patrimonial, mas que atinge a pessoa no seu âmago”.

Segundo o relator, a atitude do gerente expôs o vendedor ao ridículo perante seus colegas.

“O gerente não poderia divulgar a situação financeira do reclamante aos demais colegas, inclusive sem a autorização do autor, de forma a fazer o autor passar por situação ridícula”, afirmou o juiz. E acrescentou: “Na verdade, o reclamante pretendia receber as comissões atrasadas e, em razão disso, expôs ao gerente sua situação financeira precária”.

Por unanimidade, os demais juízes da 2ª Turma acompanharam o relator. O Consórcio Sopave foi condenado a pagar indenização de R$ 20 mil ao ex-empregado.

RO 00844.2003.471.02.00-0

Leia o voto

Proc. n.º 20030718362 (00844.2003.471.02.00-0)

1ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul

Recorrente: Consórcio Carro e Casa Fácil Sopave S/C Ltda

Recorridos: Marcos de Carvalho Silabe e Rodobens Administração e Promoções Ltda

EMENTA

Dano moral. Exposição da situação financeira do autor aos colegas. A prova testemunhal demonstrou que o reclamante foi exposto a situação humilhante, no sentido de que o gerente apresentou o reclamante aos demais funcionários dizendo que passava por dificuldades financeiras, que lhe foram reveladas, por falta de pagamento de comissões, mas, mesmo assim, continua fazendo as vendas. Assim, era um campeão. O procedimento do gerente expôs o reclamante ao ridículo perante os demais colegas. A situação passada pelo autor foi negativa, pois nenhum campeão de vendas passa por dificuldades financeiras. Trata-se de afirmação contraditória e pejorativa, em razão de que não é possível ser campeão e, ao mesmo tempo, passar por dificuldades financeiras. O gerente não poderia divulgar a situação financeira do reclamante aos demais colegas, inclusive sem a autorização do autor.

I- RELATÓRIO

Interpõe recurso ordinário Consórcio Carro e Casa Fácil Sopave S/C Ltda afirmando que é indevido o dano moral. O reclamante optou em receber os vales na data indicada no documento de fls. 83. Deve ser dado provimento ao recurso para modificar a sentença.

Contra-razões de fls. 263/8.

Parecer do Ministério Público de fls. 269. É o relatório.

II- CONHECIMENTO

O recurso é tempestivo. Houve pagamento das custas e do depósito recursal, na forma legal (fls. 255/6). Conheço do recurso por estarem presentes os requisitos legais.

III- FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

1. Dano moral

Poderia o dano moral ser conceituado pela negativa, no sentido de que seria o dano não patrimonial ou extrapatrimonial. Consiste o dano moral na lesão sofrida pela pessoa no tocante à sua personalidade. Envolve, portanto, o dano moral um aspecto não econômico, não patrimonial, mas que atinge a pessoa no seu âmago.

Afirma Aguiar Dias que o dano moral “consiste na penosa sensação da ofensa e humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos sensoriais experimentados pela vítima do dano, em conseqüência deste, seja provado pela recordação do defeito ou da lesão, quando tenha deixado resíduo mais correto, seja pela atitude de repugnância da reação ao ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam”.

Dispõe o inciso V, do artigo 5.º da Constituição o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem. O inciso X do mesmo artigo declara que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. A própria Lei Maior, portanto, determina a indenização por dano moral e por dano material, que são distintas.

A dificuldade em avaliar o dano moral e a sua subjetividade não podem, porém, ser consideradas como fatores impeditivos para o pagamento de indenização por dano moral, pois, na verdade, se o dano existe, deve ser reparado.

Dispõe o artigo 186 do Código Civil de 2002 que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. O referido dispositivo passa a prever especificamente a possibilidade de uma pessoa causar exclusivamente dano moral a outra, o que não era previsto anteriormente.

Previa o inciso III do artigo 1.521 do Código Civil de 1916 a responsabilidade do patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele. Essa responsabilidade abrangia as pessoas jurídicas que exercessem exploração industrial. Verifica-se do Código Civil que a palavra patrão se refere, na linguagem mais moderna, a empregador, e amo diz respeito ao empregador doméstico, tanto que o referido código usa a palavra serviçais, que significa o empregado doméstico da época. Assim, há a responsabilidade civil do empregador pelos atos de seus empregados.

O inciso III do artigo 932 do Código Civil de 2002 reza que são também responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. É ainda empregada a palavra serviçais.

O reclamante alega que era obrigado todos os dias, no início do expediente, a “pagar o mico”, isto é, a dançar e rebolar na frente dos colegas, por ser intolerável qualquer manifestação de insatisfação e desânimo em relação às vendas.

O autor confessou em depoimento pessoal que não foi constrangido ou humilhado com o procedimento da empresa, razão pela qual não lhe foi deferido o dano moral por esse motivo.

A prova testemunhal demonstrou que o reclamante foi exposto a situação humilhante, no sentido de que o gerente apresentou o reclamante aos demais funcionários dizendo que passava por dificuldades financeiras, que lhe foram reveladas, por falta de pagamento de comissões, mas, mesmo assim, continua fazendo as vendas. Assim, era um campeão.

O procedimento do gerente expôs o reclamante ao ridículo perante os demais colegas.

A situação passada pelo autor foi negativa, pois nenhum campeão de vendas passa por dificuldades financeiras. Trata-se de afirmação contraditória, pejorativa e diminutiva, em razão de que não é possível ser campeão e, ao mesmo tempo, passar por dificuldades financeiras.

O gerente não poderia divulgar a situação financeira do reclamante aos demais colegas, inclusive sem a autorização do autor, de forma a fazer o autor passar por situação ridícula.

Na verdade, o reclamante pretendia receber as comissões atrasadas e, em razão disso, expôs ao gerente sua situação financeira precária.

Houve intenção da empresa em ofender o autor. Previa o artigo 1.553 do Código Civil de 1916 que a forma de fixação da indenização por dano moral era por arbitramento, como foi feito pelo juízo.

A decisão precisa ser mantida, de forma a servir de lição à empresa para coibir procedimentos semelhantes visando a menosprezar e humilhar seus funcionários.

O valor não é exorbitante, mas, ao contrário, razoável e proporcional ao prejuízo moral sofrido pelo autor com a atitude do preposto da empresa. Assim, fica condenada a pagar a indenização fixada na sentença.

2. Vale transporte

O documento de fls. 83 mostra que o autor optou por receber o vale-transporte. Assim, tem direito ao respectivo pagamento.

No período reconhecido do vínculo de emprego, tem direito o autor ao vale, pois somente foi reconhecido em juízo, compreende o período trabalhado e, portanto, deve também haver o pagamento do vale. O reclamante não poderia optar em receber o vale antes, já que a empresa não o reconhecia como empregado.

IV- DISPOSITIVO

Pelo exposto, conheço do recurso, por atendidos os pressupostos legais, e, no mérito, nego-lhe provimento, mantendo a sentença. Fica mantido o valor da condenação. É o meu voto.

Sérgio Pinto Martins

Juiz relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!