Números da Justiça

Maior represamento da Justiça está no primeiro grau

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13 de maio de 2005, 10h15

O maior desafio para um processo na Justiça estadual brasileira está onde tudo começa: é sair do primeiro grau. A primeira instância do Poder Judiciário dos estados registra o maior grau de congestionamento, com média de 75,45% das ações atrasadas. O índice corresponde à divisão dos casos sentenciados pela soma dos casos novos com os que pendem de julgamento e os que, apesar de já contar com decisão, ainda aguardam execução. Os dados fazem parte do estudo Indicadores Estatísticos do Judiciário Brasileiro feito pelo Supremo Tribunal Federal e divulgado pelo presidente da corte, Nelson Jobim, na última sexta-feira (6/5).

No primeiro grau dos tribunais estaduais, dos 382.378 processos que foram ajuizados em média por tribunal, apenas 189.848 terminaram com alguma sentença no prazo de um ano. Ou seja, 49% das ações recebidas foram julgadas.

Some-se a esse percentual as ações que já se encontravam represadas, num total que passa da casa do primeiro milhão. O montante é a metade do número de ações paradas na Justiça do Ceará, a pior colocada na lista, que somou 2 milhões de processos parados em 2003 e onde foi registrada a pior vazão de todos os tribunais do país. No estado, dos cerca de 190 mil casos novos que entraram no período, apenas 33.741 foram julgados, ou uma taxa de congestionamento de 98,52%.

O segundo estado com o maior índice de casos parados é São Paulo, com percentual de 98,08%. Lá, dos 4 milhões de casos novos, somente cerca de 270 mil foram sentenciados. As ações pendentes de julgamento chegaram a 9,8 milhões no ano. Na outra ponta está a Justiça estadual mais eficiente do país: no Amapá, todos os processo novos que entraram na primeira instância no ano foram julgados – o montante de ações que aguardam julgamento chegou a 12.761. O índice de congestionamento foi o menor do Brasil, de 46,02%. Em segundo lugar ficou Minas Gerais, com 58,74%. Ficaram fora da lista Alagoas e Rio Grande do Norte, que não forneceram dados aos pesquisadores do STF.

Ao mesmo passo, ambos os estados que mais acumularam processos em 2003 registraram a carga de trabalho por juiz mais alta de todos os tribunais do Brasil. Os juízes paulistas tiveram no ano três vezes mais ações para cada um que a média nacional, que é de 3,4 mil ações por cada julgador. No Ceará, cada gabinete contou com mais de 7 mil ações. O menor índice de casos por juiz é o do Amazonas, com 561 ações para um. Ainda assim, a taxa de congestionamento do estado foi uma das maiores do estudo, 96,25%. No estado, dos 57.041 processos impetrados, apenas 2.146 foram sentenciados no período.

Na segunda instância, o panorama parece melhorar, mas ainda fica longe do razoável: a média de recursos atulhados nas cortes estaduais brasileiras é de 57,84%. Do total de mais de 40 mil casos novos (novamente com exceção de Alagoas e Rio Grande do Norte) ajuizados nos Tribunais de Justiça, foi calculada uma média de pouco mais de 35 mil ações julgadas. O montante de processos represados chegou à média de 37 mil. Nesse contexto, o Ceará mais uma vez é o estado com a taxa de congestionamento mais alta do país, com 94,78%. Lá, das 19.465 contestações de decisões de primeira instância que chegaram ao Tribunal de Justiça em 2003, apenas 5.306 saíram da corte com um acórdão. O número de ações pendentes de julgamento no segundo grau cearense ultrapassou os 80 mil.

O segundo TJ com maior taxa de congestionamento é o da Bahia, com 90,49%, estado seguido pelo de Pernambuco, que registrou índice de 80,71%. São Paulo cravou a marca de 60,6% de processos represados – dos mais de 362 mil casos novos na segunda instância, os desembargadores julgaram cerca de 270 mil e os processos pendentes de julgamento chegaram a mais de 320 mil. Minas Gerais computou percentual de 50,74%, com 96.654 das 122.517 ações concluídas. No TJ-MG, mais de 73 mil processos ficaram parados à espera de julgamento em 2003.

O tribunal de Justiça mais produtivo do Brasil é o do Rio de Janeiro, que conseguiu julgar mais recursos dos que entraram no ano: os desembargadores julgaram 83.498 ações, 213 processos além dos casos novos. Com isso, a taxa de congestionamento do tribunal fluminense ficou em 15,13%. Cada desembargador do estado teve, no entanto, cerca de 600 processos em mãos, um dos menores índices do país.

A maior carga de trabalho da segunda instância foi a calculada no Ceará, onde cada desembargador teve cerca de 4 mil casos, três vezes a média nacional, que ficou em 1,3 mil. Os desembargadores pernambucanos também tiveram cerca três vezes mais casos para cada um que a média brasileira. Na Bahia, cada julgador ficou com 3,6 mil recursos e em Pernambuco com 3,3 mil.

A menor carga de trabalho foi auferida no Piauí, onde cada desembargador julgou 306 ações no ano, quase mil processos abaixo da média nacional. Mesmo assim, TJ piauiense encerrou 2003 com 1.781 recursos sem sentença. Em São Paulo, cada desembargador recebeu a montanha de 1,6 mil processos. Ainda assim, o número é menor que o calculado em Minas Gerais, com 1,7 mil para um, e Rio Grande do Sul, com 2,1 mil para um.

Custos

De acordo com os dados do levantamento, a taxa de congestionamento é quase que diretamente proporcional ao percentual do orçamento que cada estado destina à Justiça. No Ceará, por exemplo, apenas 3,13% da receita pública é destinada aos tribunais estaduais. Em números absolutos, isso corresponde a R$ 193 milhões dos R$ 6 bilhões de que dispõe o estado. Nesse contexto, São Paulo ficou abaixo da média nacional, que é de 4,99%. Dos R$ 57 bilhões gastos pelo estado apenas R$ 2 bilhões foram encaminhados ao Judiciário estadual paulista, o que corresponde a um índice de 4,73%. Já uma das Justiças mais eficientes do país, o Rio de Janeiro, contou com 6,05% da fatia das despesas fluminenses.

O quadro se reflete no cálculo da despesa da Justiça por habitantes. No Ceará foram gastos R$ 24,88 por cada habitante, número quase três vezes inferior à média de todos os 26 estados mais Distrito Federal, que é de R$ 60,73. Em São Paulo, cada habitante “recebeu” R$ 70,33 (com 4,98 julgadores por habitante) do orçamento público — montante abaixo do registrado pelo Rio de Janeiro, com R$ 84,90, mas acima do auferido em Minas Gerais, R$ 63,16, e do contabilizado no Rio Grande do Sul, que “destinou” R$ 68,57 a cada habitante.

Destinação de verbas

No intento de traçar um diagnóstico do Judiciário brasileiro para determinar quais são os pontos que devem ser atacados e assim melhorar a prestação jurisdicional no país, o estudo também calcula qual o gasto de cada Justiça com pessoal e com investimentos em informática. Comparando os números do levantamento, pode-se dizer que gasta-se muito com pessoal e muito pouco com informática. Em média, 84,25% de toda a despesa das Justiças estaduais foram destinadas a custear o quadro de funcionários, enquanto a média nacional de gastos com informatização foi de 2,58%. Em números absolutos, enquanto R$ 340 milhões foram gastos com recursos humanos, em média, apenas R$ 8 milhões foram para custear o incremento do parque tecnológico dos tribunais.

O estado que mais gastou com pessoal em 2003 foi o Piauí, com 94,53%, seguido do Distrito Federal, com 93,77%, de Rondônia, com 92,17%, e São Paulo, com 90,86%. A Justiça estadual que menos dinheiro destinou ao quadro de funcionários foi a da Bahia, com índice de 71,69%. Ao mesmo passo, a Justiça baiana foi a que mais investiu em informática, com índice de 5,45%, o dobro do percentual médio nacional. Os estados que mais investiram em informática foram Santa Catarina (4,68%) e Rio Grande do Sul (4,35%) – dois dos estados com maior nível de informatização do Brasil. O menor investimento do setor ficou com o Piauí, que marcou 0,26%.

Deve ser considerado, aqui, que alguns estados, como o Rio de Janeiro começaram a investir para que o tribunal fosse todo informatizado bem antes de 2003. Isso pode explicar, por exemplo, o porquê de o tribunal, apesar de ser um dos que menos destinam orçamento para o setor (2,44%, abaixo da média nacional) é um dos únicos que registram a existência de no mínimo um computador por servidor. O outro é Santa Catarina, com 1,02 computador por funcionário dos tribunais. A média nacional, nesse aspecto, é de 0,60 computador por servidor.

O quadro de informatização também pode ser apontado como um dos fatores determinantes da falta de conhecimento que a Justiça estadual tem de si própria – ou do quanto ela não pretende ser conhecida. Índices como taxa de recorribilidade dentro das instâncias e delas para as instâncias superiores, taxa de reforma das decisões, despesas com assistência judiciária gratuita, e participação governamental como autora e ré das ações que tramitam na esfera estadual não possuem índices significativos pela ausência de dados, que não foram fornecidos ao STF pelos estados. Entre os estados que menos forneceram números estão São Paulo, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Amazonas e Amapá.

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