Levantando o traseiro

Justiça do RS limita em 12% juros anuais de cartão de crédito

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13 de maio de 2005, 20h10

São nulas as cláusulas do contrato padrão de Cartão de Crédito Visa que estabelecem juros remuneratórios acima de 12% ao ano.

O entendimento é do juiz Giovanni Conti, titular do 1º Juizado da 15ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre. Ele também declarou a nulidade da capitalização mensal de juros; cobrança de comissão de permanência; juros de mora em 1% ao mês e fixação de correção monetária por outro índice que não seja o IGP-M. Cabe recurso.

A sentença foi proferida em Ação Civil Pública proposta pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Adcon), contra o Banco ABN Amro Real. As informações são do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

A devolução da quantia excedente paga indevidamente pelos consumidores, no período anterior a cinco anos da data da propositura da ação (15 de outubro de 2001), deverá ocorrer após cálculo em liquidação de sentença. A instituição financeira terá prazo de 60 dias, a contar de trânsito em julgado da liquidação da sentença, para restituir os valores.

O juiz assinalou ser perfeitamente possível a via da Ação Civil Pública para proteção dos interesses difusos (possíveis clientes), coletivos (todos os atuais e ex-clientes) e individuais homogêneos (atingidos diretamente).

Na análise do mérito, registra ser “inaceitável qualquer divergência quanto à aplicação de todo o sistema consumerista à relação jurídica posta em causa e estruturada em normas que prevêem proteção especial ao consumidor, baseado amplamente nos Princípios da Repressão Eficiente aos Abusos, da Boa-Fé Objetiva e da Vulnerabilidade”. (Artigo 4°, inciso I, da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – CDC).

Conti afirmou, ainda, que tudo deve ser objetivado a partir do conceito de vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor buscando a efetivação das normas no contexto social de que derivam as relações de consumo.

Limitação dos juros

“Com relação à aplicação dos juros, tenho por indispensável sua limitação, que não deriva unicamente de uma norma específica ou simplesmente de preceito fundamental constitucional, mas de todos os princípios aplicáveis ao sistema de proteção aos mais vulneráveis da relação de consumo”, afirmou o Conti.

O juiz explicitou que o sistema consumerista não pode concordar com a negociação privada, com cláusulas eivadas de nulidades absolutas, devendo ser respeitada a figura do consumidor. Entende que os juros devem ater-se ao percentual de 12%, independente de se tratar de instituição de crédito ou financeira.

Segundo Conti, embora a Emenda Constitucional 40/03 tenha revogado o dispositivo que limitava os juros em 12% ao ano, é imprescindível que a decisão tenha por base os Princípios Gerais do Direito, aplicáveis ao CDC. Os artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil dispõem que o juiz deve basear-se na Analogia e nos Princípios Gerais do Direito, devendo atender aos fins sociais e às exigências do bem comum.

Após o trânsito em julgado da decisão, o banco terá 15 dias para publicar, às suas expensas, em dois jornais de grande circulação no estado (Correio do Povo e Zero Hora), a parte dispositiva da sentença. O esclarecimento aos consumidores deverá ser apresentado nas dimensões 20 cm X 20cm, em três dias alternados. A multa diária em caso de eventual descumprimento das determinações foi fixada em R$ 200 mil, em caso de descumprimento dos itens 2º, 3º e 5º da decisão, que deverão ser destinados ao Fundo previsto na Lei da Ação Civil Pública (artigo 13 da Lei 7.347/85).

Processo nº 105.020.888-62

Leia a íntegra da sentença

COMARCA DE PORTO ALEGRE – 15ª VARA CÍVEL – 1ºJUIZADO

Processo nº 105.020.888-62

Autor: ADCON – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor

Réu: Real Administradora de Cartões de Crédito e Serviços S/A

Natureza: Ação Civil Pública

Juiz Prolator: Giovanni Conti

Data da Decisão: 11.05.2005

Vistos os autos.

1. ADCON – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR, DA VIDA E DOS DIREITOS CIVIS, ajuizou ação civil pública, contra BANCO ABN AMRO REAL S/A, com fundamento na abusividade de cláusulas contratuais de cartões de crédito oferecidas aos consumidores através dos serviços da requerida (Lei 8078/90), em razão do excesso de juros remuneratórios e moratórios, bem como a existência de capitalização de juros (anatocismo)., ilegalidade da exigência de comissão de permanência, utilização de índice mais oneroso para fixação da correção monetária, nulidade da cláusula mandado, encargos excessivos, etc. Postula a declaração de nulidade das referidas cláusulas abusivas, devendo refazer seus contratos, com devolução dos valores pagos a maior pelos consumidores. Em sede de tutela antecipada, requer a declaração de nulidade das cláusulas abusivas em especial juros superiores a 12% ao ano, além de juntar cópias de contratos (inclusive da bandeira VISA) e planilha de cálculos, determinação de inclusão do nome do consumidor nos pactos, e por fim, a declaração da requerida dos juros cobrados dos consumidores nos últimos cinco anos. Ao final, pede a procedência de todos os pedidos.


Liminar parcialmente deferida à fl. 93.

Em contestação o réu suscita em preliminar a litispendência, inépcia da inicial, carência de ação (descabimento de ação civil pública e ilegitimidade ativa). No mérito, faz breve sinopse dos fatos alegados pela parte autora, tece considerações sobre o contrato de cartão de crédito disponibilizado aos clientes e sua natureza; afirma a regularidade contratual, inexistência de abusividade, não aplicação da Lei 8078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), validade da cobrança de juros acima do limite legal de 12% (doze por cento), não aplicação da Lei de Usura com a perfeita incidência da Lei 4595/64 e Súmula 596 do STF, legalidade das demais taxas e encargos (comissão de permanência, capitalização e encargos de mora, etc.). Ao final requer improcedência total da demanda (fls. 55/122).

Determinada realização da prova pericial, cujo laudo restou juntado às fls. 357/382 e complementado às fls. 411/426. Memoriais finais apresentados às fls. 450/452 (autora) e fls. 454/460 (ré). O Ministério Público exarou parecer às fls.461/474, opinando pela improcedência da demanda.

Vieram os autos para julgamento antecipado da lide com fundamento no art. 330, inciso I, do CPC.

Relatei.

Decido.

2. O presente feito percorreu todos os trâmites legais, estando presentes os pressupostos e as condições da ação, inexistindo nulidades a serem declaradas.

2.1 – Das preliminares:

As preliminares suscitadas pela requerida não merecem guarida. Primeiro, porque não vislumbro a ocorrência da litispendência, uma vez que a demanda ora proposta diz respeito apenas ao Estado do Rio Grande do Sul, com conseqüente exclusão dos demais estados da Federação. Além disso, a outra ação proposta pelo Ministério Público e que tramita perante a MM. 16ª Vara Cível, refere-se a outra questão contratual, diga-se, Cartão de Crédito com bandeira diversa (Mastercard).

Em segundo, verifico que a petição inicial preenche os requisitos do art. 282 do CPC, com pedidos claros e objetivos, facilitada a defesa, aliás muito bem apresentada pela requerida, inocorrendo a alegada inépcia. Em terceiro, saliento que é perfeitamente possível a via da ação civil pública para proteção dos interesses difusos (possíveis clientes), coletivos (todos atuais e ex-clientes) e individuais homogêneos (atingidos diretamente), nos termos dos arts. 1º, inciso II, e 21 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), combinado com os arts. 81, incisos I, II e III, e 90 da Lei nº 8.078/90 (CDC).

Em quarto lugar, é inquestionável a legitimidade ativa da autora, alicerçada exatamente nos termos do art. 5º, inciso II da Lei nº 7.347/85 e arts. 82, inciso IV e 91, ambos da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), especialmente quando regularmente constituída há mais de um ano e que tem por finalidade precípua a defesa do consumidor (fls. 32/38). Em quinto e último lugar, a preliminar de falta de interesse no pedido de restituição em dobro, refere-se ao mérito da demanda.

Portanto, REJEITO as preliminares.

2.2 – Do mérito:

Primeiramente, imprescindível que se afirme a possibilidade de aplicação das normas que regulam o sistema de proteção ao consumidor eis que – ainda com algumas vozes em contrário – vê-se plenamente caracterizado o conceito de consumidor e fornecedor nos exatos termos da Lei 8078/90, em especial em seus artigos 2o e art. 3o, parágrafo único, que, explicitamente, refere-se as operações de concessão de crédito e financiamento, como produto comercializável (e diga-se rentável) e posto à disposição de toda população que utilizam tais serviços como destinatário final (finalização na circulação do produto ou serviço/quebra da cadeia produtiva). (1)

Inaceitável então qualquer divergência quanto a aplicação de todo o sistema consumerista à relação jurídica posta em causa e estruturada em normas que prevêem proteção especial ao consumidor, baseado amplamente nos Princípios da Repressão Eficiente aos Abusos, da Boa-fé Objetiva e da Vulnerabilidade (art. 4o, inciso I, da Lei 8078/90). (2)

Tudo deve ser vislumbrado e objetivado a partir do conceito de vulnerabilidade e de hipossuficiência do consumidor – no seu tratamento processual – buscando a efetivação das normas no contexto social de que derivam as relações de consumo.

Sendo assim, com relação à aplicação dos juros, tenho por indispensável sua limitação, que não deriva unicamente de uma norma específica ou simplesmente de preceito fundamental constitucional, mas de todos os princípios aplicáveis ao sistema de proteção aos vulneráveis da relação de consumo.

O sistema consumerista não pode concordar com a negociação privada, com cláusulas eivadas de nulidades absolutas. Pelo que faz crer o CPDC, de característica publicista, não se convalidam as nulidades, eis que há o Princípio da Indeclinabilidade e Inafastabilidade da jurisdição (art. 5o, inciso XXXV, da CF/88). Além de que, provado o prejuízo, tratando-se de relações do consumo (art. 51, inciso I, do CPDC), passível o contrato de cartão de crédito (bandeira VISA) revisão ainda que concluída a relação jurídica, através de composição extrajudicial ou ainda a ser concluída pelos eventuais e futuros clientes.


Por tais razões, não se pode admitir que, do próprio sistema, derivem possibilidades de oneração excessiva do consumidor, como a não observância do limite dos juros. Os princípios que estruturam as relações jurídicas não podem aceitar a captação de recursos como modo de compelir o mais fraco da relação jurídica a aceitar todos os termos de sua proposta, de seu acordo, de sua taxa de juros, a capitalização; não se permitem abusos. (3)

Por tais razões, e por colocar o consumidor, vulnerável, como núcleo de práticas que ofendem a integralidade do sistema, é que os juros devem ficar limitados ao percentual de 12% (doze por cento), independente de se tratar de instituição de crédito ou bancária porque estes devem respeitar a figura do consumidor. Não explica a voracidade do mercado frente às relações jurídicas sob manto da frágil, defasada e engessada estrutura do Código Civil de 1916, que destaca e glorifica a vontade na assinatura dos contratos de adesão quando, em verdade, a ficção que aí se estabelece é parte da estrutura coatora do mercado, que lesa e após injustificadamente se diz “prejudicado”, pelas normas de proteção ao consumidor que “ASSINOU PORQUE QUIS” (Será?).

Ainda que a Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003 (4), tenha revogado o dispositivo constitucional que limitava os juros em 12% (doze por cento) ao ano (art. 192, parágrafo 3º , da CF/88), não fica prejudicada a possibilidade de limitação dos mesmos. A modificação legal não altera, em essência, a situação anterior à alteração constitucional quanto à aplicabilidade do dispositivo.

A Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADIN nº 04, em surpreendente decisão, já havia estabelecido a impossibilidade de auto-aplicabilidade da norma, que não impediu a supressão da lacuna legal e a imposição de limites à remuneração.

Na ausência de lei específica, tenho por imprescindível decidir baseado nos Princípios Gerais do Direito, aplicáveis ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, exatamente como explicitado nos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (5), em que o juiz deve proferir decisão baseada na Analogia e nos Princípios Gerais do Direito, sendo que na aplicação da lei e na utilização destes princípios, o julgador deve atender aos fins sociais e as exigências do bem comum – justificável, eis que a atividade jurisdicional deve ser teleológica/finalista.

Portanto, compatível com o sistema jurídico a limitação dos juros ao percentual de 12% (doze por cento) ao ano, levando em consideração a norma vigente ao tempo do contrato (o pacto a ser revisado foi firmado antes da alteração do dispositivo), bem como os aspectos atuais de maior estabilidade econômica. É necessário recorrer a outros princípios que estruturam as relações jurídicas, valendo, também, a limitação dos juros instituída pelo Decreto-Lei 22.626/33 ao determinar que a taxa legal de juros é de 1% (um por cento) ao mês.

Por decorrência lógica, incabível a possibilidade de cumulação de juros, o conhecido anatocismo (CAPITALIZAÇÃO DE JUROS DE UMA SOMA DE DINHEIRO, VENCENDO NOVOS JUROS). Primeiro por causar enriquecimento inteiramente ilícito da parte ré; segundo, por afronta ao Princípio de Repressão aos Abusos e terceiro, o crédito do réu se tornaria tão oneroso a ponto de tornar impagável, repudiado, inclusive, pela Súmula 121 do STF. Aliás, sustento que a Súmula 596 do STF é inconstitucional, pois fere o princípio da igualdade previsto no art. 5º da Constituição Federal. Assim como inconstitucional o art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, que possibilitava a capitalização em período inferior a um ano, cujo egrégio TRF da 4ª Região se encarregou de fulminar. (6) [6]

Por mais que o obrigado venha a quitar os valores em atraso, os juros em cadeia e progressivos inviabilizam o cumprimento da relação jurídica sobre bases regulares.

O terceiro ponto a ser explicitado refere-se a “comissão de permanência” que, desde já, merece poucos esclarecimentos ante a aplicabilidade da Súmula 30 do STJ (7), eis que também é cláusula que causa excessiva onerosidade ao consumidor – também pacífico entendimento do TJRGS e Tribunais Superiores. Destaco que mesmo aplicada sem cumulação com a correção monetária fere os Princípios do Equilíbrio Contratual e do Prévio Conhecimento por onerar excessivamente o contrato e por não possuir valor determinado o que faz com que haja modificação unilateral do pacto. Nesse sentido, recente decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE. CUMULAÇÃO DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM JUROS MORATÓRIOS E MULTA CONTRATUAL. PRECEDENTES DA CORTE.

1. CONFIRMA-SE A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE QUE VEDA A COBRANÇA DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM OS JUROS MORATÓRIOS E COM A MULTA CONTRATUAL, ADEMAIS DE VEDADA A SUA CUMULAÇÃO COM A CORREÇÃO MONETÁRIA E COM OS JUROS REMUNERATÓRIOS, A TEOR DAS SÚMULAS


Nº 30, Nº 294 E Nº 296 DA CORTE.

2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.”

(AGRG NO RESP 712801 / RS ; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2004/0183802-4.

Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 04.05.2005)

Já os juros de mora devem ser fixados no percentual de 1% (um por cento) ao ano (e não ao mês como determinado no contrato e apurado na perícia de fls. 357/382 e 411/426) diante das determinações do Decreto 22.626/33.

No mesmo sentido, a correção monetária deverá ter como referencial o IGP-M, por ser menos oneroso ao consumidor, com especial referência ao Princípio do Equilíbrio Contratual. Destacam-se os artigos 47, 51 § 1o e 54 (8). Além do mais, não há relação jurídica perfeitamente acabada quando alicerçada em cláusulas terminantemente nulas, abusivas e ilegais (art. 51, do CPDC). Neste sentido é expresso o artigo 421 da Lei 10.406/2002, que estabelece a “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Tal dispositivo dá ao julgador inúmeras possibilidades, nunca esquecendo da especialidade no trato de relação de consumo. Mas deve ser buscada um modo de harmonização do sistema, com a leitura conjunta dos textos legais (interpretação sistemática) que permite reter a inspiração legislativa sob a ótica social; com especial atenção aos Princípios do Equilíbrio Contratual e da Harmonia das relações de Consumo.

A multa de mora já está limitada no percentual de 2% (dois por cento), exatamente como estabelece o art. 52, § 1º, do CPDC (9) conforme apurado na perícia (fls. 357/382 e 411/426) e determinado pelo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. MULTA. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. JUROS REMUNERATÓRIOS. PRECEDENTES. SALVO EXPRESSA PREVISÃO EM LEI ESPECÍFICA, COMO NO CASO DAS CÉDULAS DE CRÉDITOS RURAIS, INDUSTRIAIS E COMERCIAIS, É VEDADA A CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. CORRETA A REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA DE 10% PARA 2% NOS CONTRATOS CELEBRADOS NA VIGÊNCIA DA LEI N. 9.298/96. (…).” (AGRG NO RESP 480508 / RJ ; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2002/0144031-4, REL. CESAR ASFOR ROCHA,

DJU 04.10.2004)

Quanto ao pedido de inclusão nos contratos padronizados, o nome, endereço e a qualificação da requerida e dos contratantes consumidores, bem como previsão de data e assinatura dos pactuantes, trata-se de dedução lógica a ser exigida em qualquer relação contratual para que o pacto transite pelos planos da existência, validade e eficácia.

Quanto à cláusula mandato, no trato da relação jurídica em análise, pode ser mantida, eis que o réu deve responder ao consumidor pela regularidade na prestação dos serviços ou fornecimento de produtos.

Ainda que para efetuar suas operações necessite firmar “em nome do consumidor” outros contratos, este somente será responsável se houver a regularidade das cláusulas contratais e respeito às determinações do sistema de proteção ao consumidor.

Somente assim se observa a natureza dos contratos de Cartão de Crédito e simultaneamente respeita-se a lei consumerista que veda as cláusulas abusivas e torna responsável o demandado pelo resultado final da prestação de seus serviços.

Aliás, o consumidor não se vincula a terceiro por obra do fornecedor de cartões de crédito, mas ao próprio prestador de serviços que acaba se responsabilizando pelo resultado final das demais contratações que perfectibilizam tais contratos – uma vez que intervém na cadeia de consumo.

Por fim, saliento que não é cabível a restituição dos valores de modo dobrado (art. 42, parágrafo único, do CPDC) já que somente após a declaração de nulidade das cláusulas abusivas é que estes valores se tornam indevidos. A repetição simples é adequada e suficiente para manutenção do Equilíbrio Contratual. Neste sentido a jurisprudência recentíssima do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284-STF.

VIOLAÇÃO GENÉRICA. CONTRATOS BANCÁRIOS. REVISÃO. POSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ERRO.

1. A FALTA DE PARTICULARIZAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS TIDOS POR VIOLADOS INVIABILIZA A ABERTURA DA VIA ESPECIAL, INCIDINDO O ÓBICE DA SÚMULA Nº 284 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

2. A SEGUNDA SEÇÃO DESTA CORTE PACIFICOU O ENTENDIMENTO NO SENTIDO DA POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE TODOS OS CONTRATOS

FIRMADOS COM A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, DESDE A ORIGEM (SÚMULA Nº 286/STJ.)

3. A JURISPRUDÊNCIA ITERATIVA DA TERCEIRA E QUARTA TURMA ORIENTA-SE NO SENTIDO DE ADMITIR, NAS DEMANDAS REVISIONAIS DE CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO, A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NA FORMA SIMPLES, INDEPENDENTEMENTE DA PROVA DO ERRO, FICANDO RELEGADO ÀS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS O CÁLCULO DO MONTANTE, A SER APURADO, SE HOUVER.


4. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.”

(AGRG NO RESP 546446 / RS ; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2003/0087444-9, REL. MIN. FERNANDO GONÇALVES, DJU 02.05.2005)

Contudo, baseado no Princípio da Proporcionalidade e da necessidade de releitura do contrato, não pode o réu obter aumento patrimonial sem causa, operando sobre cláusulas abusivas e nulas, hipótese em que os valores pagos indevidamente deverão ser apurados, após, em liquidação de sentença.

3. ANTE O EXPOSTO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos da Ação Civil Pública proposta pela ADCON – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR, DA VIDA E DOS DIREITOS CIVIS, contra BANCO ABN AMRO REAL S/A, para:

1º) DECLARAR NULAS as cláusulas do contrato padrão de Cartão de Crédito (Bandeira VISA) que estabelecem: (a) juros remuneratórios acima de 12% (doze por cento) ao ano; (b) capitalização mensal de juros, autorizando a capitalização anual; (c) cobrança de comissão de permanência; (d) juros de mora em 1% (um por cento) ao ano, para reduzir a 1% ao ano, e (e) fixação de correção monetária por outro índice que não seja pela variação do IGPM;

2º) CONDENAR o requerido a adaptar seu contrato padrão de Cartão de Crédito (Bandeira VISA) para e nos termos desta decisão, inclusive com previsão de local adequado para inserção do nome, qualificação e endereço da requerida e dos contratantes consumidores, além de espaço físico para constar a data da contratação e respectivas assinaturas das partes, no prazo de 90 (noventa) dias;

3º) CONDENAR o requerido a restituir no modo simples os valores pagos indevidamente pelos consumidores (excedentes), no período anterior a cinco anos da data da propositura da presente demanda, sendo tudo apurado em liquidação de sentença. O requerido terá o prazo de 60 (sessenta) dias, a contar do trânsito em julgado da liquidação da sentença, para devolver os valores excedentes;

4º) CONDENAR o requerido genericamente à obrigação de indenizar na forma ampla, efetiva e completa, decorrente dos danos materiais causados aos consumidores individualmente considerados, conforme determina o art. 6º, inciso VI, e art. 95 do CDC, tudo a ser apurado em liquidação de sentença;

5º) CONDENAR o requerido à obrigação de fazer, consistente em publicar, às suas expensas, no prazo de 15 (quinze) dias após o trânsito em julgado da decisão, em dois jornais de grande circulação deste Estado (Correio do Povo e Zero Hora), em três dias alternados, nas dimensões 20cm X 20cm, a parte dispositiva da sentença, para que os consumidores dela tomem ciência, oportunizando defesa dos interesses já lesados com a seguinte mensagem: “Acolhendo pedido veiculado em ação coletiva de consumo ajuizada pela ADCON – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR, DA VIDA E DOS DIREITOS CIVIS, o juízo da 15a vara Cível condenou o BANCO ABN AMRO REAL S/A, nos seguintes termos: (copiar dispositivo)”;

6º) FIXAR multa diária equivalente a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em caso de eventual descumprimento das determinações dos itens 2º, 3º e 5º, decorrentes da procedência da demanda (em garantia do cumprimento das determinações judicias), que deverão ser destinados ao fundo de que trata o art. 13 da Lei 7347/85;

7º) CONFIRMAR a medida liminar que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela. Fixo, desde já, multa diária de R$ 3.000,00 (três mil reais) em caso de descumprimento da decisão;

8º) CONDENAR o requerido ao pagamento integral das custas e honorários advocatícios que fixo em 15% sobre o valor da causa.

Registre-se.

Publique-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 12 de maio de 2005.

GIOVANNI CONTI

Juiz de Direito

Notas de rodapé

(1) Súmula 297 do STJ : “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

(2) “Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor;”

(3) Pelo menos em relação ao ganho extraordinário (lucros exorbitantes) das Instituições Financeiras.

(4) ALTERA o inciso V do art. 183 e o art. 192 da Constituição Federal, e o “caput” do art. 52 dos atos e disposições constitucionais transitórias.

(5) “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum.”

(6) Apelação nº 200171000048560, Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon, Corte Especial, julgado em 02.08.2004.

(7) SÚMULA 30 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

“A COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E A CORREÇÃO MONETÁRIA SÃO INACUMULÁVEIS.”

(8) “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.”

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(…)

§ 1º . Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I – ofende aos princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II – restringe os direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III – se mostra onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares do caso.”

“Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecida ou unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”

(9) “Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva a outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

§ 1º As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.” (Redação dada pela Lei 9298/1996)

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