Paridade de benefícios

Trabalhador avulso tem direito a receber vale-transporte

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12 de maio de 2005, 11h24

Trabalhador avulso tem direito a vale-transporte, mesmo que o benefício não conste na relação de seus direitos constitucionais ou na lei. Se não há restrição expressa, não cabe ao Judiciário fazê-la. A decisão é da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Cabe recurso.

Três trabalhadores portuários avulsos ingressaram com ação na 6ª Vara do Trabalho de Santos, São Paulo, pedindo que o Órgão Gestor de Mão-de-obra do porto fornecesse a eles os vales-transportes. Alegavam que a constituição “estabeleceu a paridade de direitos entre trabalhadores com vínculo empregatício e os trabalhadores avulsos, inclusive para fins de percepção de vale-transporte”. A informação é do TRT-SP.

A primeira instância negou o pedido. Eles recorreram ao TRT-SP. O relator, juiz Rovirso Aparecido Boldo, considerou que antes do acordo coletivo firmado entre os sindicatos da categoria — que garantiu parcialmente aos trabalhadores avulsos o recebimento do vale-transporte, não havia regra específica tratando da concessão do benefício.

Segundo o relator, o arigo. 7º, inciso XXXIV, da Constituição determina a “igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”.

“Veja-se que a norma constitucional não é seguida de qualquer limitação ou especificação sobre quais direitos tenham sido assegurados. Não há restrição sequer aos direitos consagrados pelo artigo 7º, sendo a referência ‘direitos’ o bastante para conferir, inclusive, direitos previstos em legislação infra-constitucional”, observou o juiz.

O juiz reconsiderou posicionamento anterior, “em homenagem a uma leitura ampliativa do rol de direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores”, e reconheceu aos trabalhadores avulsos o direito de receber vale-transporte. A decisão foi unânime.

A 8ª Turma do TRT-SP condenou o Órgão Gestor de Mão-de-obra a pagar, a cada trabalhador, o equivalente a 84 vales-transporte, no que exceder a 6% do valor do salário base dos trabalhadores. Os valores deverão ser acrescidos de juros e correção monetária.

AI 01709.2004.446.02.00-3

Leia a íntegra do voto

Agravo de Instrumento

Agravantes: Nildo de Souza Leite e outros 2

Agravado: Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO

Origem: 6ª Vara do Trabalho de Santos

EMENTA: TRABALHADOR AVULSO. EQUIPARAÇÃO DE DIREITOS. VALE-TRANSPORTE. É lição sabida que a intepretação gramatical é o método hermenêutico que retira o menor potencial de eficácia da norma, e isso mais se ressalta na exegese constitucional. A referência à igualdade de “direitos” entre o trabalhador com vínculo empregatício e o trabalhador avulso não pode importar uma restrição aos direitos previstos no artigo 7º ou em outros cânones da Constituição Federal. Isso porque, em nova referência hermenêutica, onde o legislador não restringiu, não cabe ao intérprete fazê-lo. No caso do vale-transporte, não se pode negar esse benefício ao trabalhador avulso a pretexto de não constar no rol dos direitos positivados pela Constituição. É interpretação restritiva e incoerente quando se trata de direitos constitucionais sociais.

Contra o despacho que denegou o seguimento ao recurso ordinário, recorrem os autores alegando que implementaram os requisitos para a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita. Pedem o processamento do recurso ordinário. Neste, os autores afirmam que a Constituição Federal estabeleceu a paridade de direitos entre trabalhadores com vínculo empregatício e os trabalhadores avulsos, inclusive para fins de percepção de vale-transporte; e, que no período regido pelo acordo coletivo, são devidas diferenças em razão da concessão parcial do benefício.

Contraminuta do réu às fls. 170/187.

Desnecessária a manifestação do Ministério Público do Trabalho, de acordo com o Provimento nº 01/95 do C. TST.

V O T O

AGRAVO DE INSTRUMENTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade (fl. 164), conheço do recurso.

Os autores firmaram declaração, sob suas responsabilidades, de que não têm condições de arcar com as despesas processuais (fls. 12, 14 e 16) e o réu não produziu qualquer prova, como lhe incumbia (art. 11, § 2º, da Lei 1.060/50), que infirmasse esse fato. Concedo a isenção (art. 790, § 3º, in fine, da CLT) e conheço do recurso ordinário que foi aviado a tempo e modo.

RECURSO ORDINÁRIO

Legitimidade Passiva e Prescrição

A pretensão quanto à exclusão do pólo passivo é matéria que exigia iniciativa da parte por meio de recurso próprio. Quanto à prescrição, a lei de organização dos portos conferiu solidariedade passiva entre o órgão gestor e o operador portuário e vedou a invocação do benefício de ordem (art. 2º, II, § 4º, da Lei n. 9.719/98). Essa lei, portanto, assegurou ao credor trabalhista avulso a escolha no pólo passivo de qualquer um dos co-obrigados. E a propositura da ação contra um dos devedores solidários não importa renúncia à solidariedade, conforme atual disposição das obrigações solidárias (art. 275, parágrafo único, c/c art. 280 do CC/2002). Nesse contexto, há uma relação obrigacional única, e a prescrição aplicável tanto será a bienal, contada da extinção do contrato, quanto à qüinqüenal, contada retroativamente da propositura da ação. Estão prescritos eventuais direitos anteriores a 20/09/1999.

Vale-Transporte

A análise dessa matéria comporta duas ordens de considerações: a primeira diz respeito ao período anterior ao acordo coletivo em que não há regra específica tratando da concessão do benefício ao trabalhador avulso; e a segunda, se há diferenças no pagamento após a previsão normativa que assegura o vale-transporte aos autores.

É de fundamental importância a análise do texto constitucional acerca da extensão de direitos asseguradas aos trabalhadores avulsos. Para tanto, a dicção constitucional sobre a equiparação de direitos entre os trabalhadores com vínculo de emprego e avulsos encontra-se assim redigida: “art. 7º (…): XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso” (art. 7º da CF/88).

Veja-se que a norma constitucional não é seguida de qualquer limitação ou especificação sobre quais os direitos tenham sido assegurados. Não há restrição sequer aos direitos consagrados pelo artigo 7º, sendo a referência “direitos” o bastante para conferir, inclusive, direitos previstos em legislação infra-constitucional. E a prescrição, que nem de direito se trata, mas de fator limitante de pretensões, não está excepcionada.

A técnica de remissão precisa a outras normas da Constituição foi a regra adotada pelo legislador constituinte, tanto que no art. 39, § 3º, há referência expressa aos direitos previstos no artigo 7º que são aplicáveis ao servidor público federal. Daí concluir-se que, na falta de especificação, a referência a “direitos” não traz exceção a direitos de quaisquer ordens, sejam os constitucionais, sejam os infra-constitucionais.

Outra importante referência legislativa é a da Lei n. 7.418/85. Como se pode ver, essa lei foi editada sob a égide constitucional anterior em que as dúvidas sobre os direitos conferidos ao trabalhador avulso eram matérias correntes no Judiciário. Nesse aspecto, poderia se questionar até a recepção dessa lei em face dos termos abrangentes da Constituição Federal quanto à equiparação de “direitos”, não cabendo, repito, ao legislador ordinário a limitação de direitos onde a Constituição não o fez.

Mas o Decreto n. 95.247/87, a pretexto de regulamentá-la, abriu margem a uma interpretação que torna compatível essa fonte obrigacional com a nova ordem constitucional. Isso porque o artigo 1º faz uma enumeração exemplificativa dos beneficiários do vale-tranporte: “São beneficiários do Vale-Transporte (…), os trabalhadores em geral, tais como:” (art. 1º do Dec. n. 95.247/87). Não há restrições.

Veja-se que são duas as referências inexoráveis sobre a abrangência do trabalhador avulso: a certeza de que a Constituição Federal assegurou a mesma rede de proteção social ao trabalhador avulso e a referência “trabalhadores em geral”, dentre os quais, é óbvio, incluem-se os avulsos.

Diante desses fundamentos, revejo posicionamento anterior em homenagem a uma leitura ampliativa do rol de direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores.

Quanto à exigibilidade do vale-transporte após a assinatura do termo de convênio entre o sindicato dos estivadores e o sindicato dos operadores portuários (fls. 46/48), o réu tenta nova investida contra a dicção constitucional.

Vale aqui o mesmo raciocínio quanto à prescrição. A equiparação de “direitos” não restringiu o alcance da norma, e em nova lição de interpretação, onde o legislador não o fez não cabe ao intérprete fazê-lo, e o direito ao vale transporte está incluído nesse rol. Repito, o inciso XXXIV não faz restrições apenas aos direitos previstos na Constituição Federal, mas alcança todos os direitos dos trabalhadores com vínculo empregatício.

Neste contexto, o acordo entre os sindicatos, que o réu sustenta ser a fonte obrigacional do vale-transporte, além de não ter sido subscrito por entidade sindical que o represente, visou apenas operacionalizar a concessão do vale-transporte, mas não serve de marco de exigibilidade, pois a fonte o direito estava garantida desde 05/10/1988 (Constituição Federal).

A quantificação da condenação, também impugnada pelo réu conforme os “Demonstrativos de Ganho”, não foi contestada validamente. A instituição do vale-transporte é inteiramente voltada à utilização de transporte coletivo público (art. 1º da Lei 7.418/85). A estrita observância dos requisitos formais é condição sine qua non para que a empresa inclua os valores pagos pelo benefício como despesa operacional, além da possibilidade de dedução no imposto de renda (art. 3º da Lei 7.418/85). A regularidade da concessão do vale-transporte não gera efeitos exclusivamente na relação entre empregado e empregador, como também na implantação de políticas públicas de transporte e de arrecadação fiscal. O programa do vale-transporte é matéria de tamanha relevância que eventuais informações falsas fornecidas pelo usuário ou uso indevido do benefício importam falta grave do empregado (art. 7º, § 3º do Decreto nº 95.247 de 17/11/1987).

Portanto, é um instituto cujo maior interessado na implantação é o empregador, pois passa a deduzir os valores subsidiados ( o que exceder 6% do salário básico ou vencimento do empregado, art. 9º, I, do Dec. 95.247/87) da receita operacional e do imposto de renda (art. 3º da Lei n. 7.418/85). Some-se a isso a inexistência de encargos sobre os valores, pois não possui natureza salarial, não se inclui na base de cálculo de contribuições previdenciárias ou do FGTS, além da gratificação de natal (art. 6º, I, II e III, do De. 95.247/87), cabendo, portanto, à empresa fornecer os meios para obtenção do benefício, notadamente, o formulário para declaração do empregado das conduções utilizadas (art. 7º do Dec. 95.247/87). E isso não veio aos autos, tornando verossímil a alegação contida na inicial.

Defiro o pagamento do equivalente a 60 vales-transportes a cada um dos autores até outubro de 2001 e de 24 vales-transportes a partir de novembro de 2001 (inclusive), no que exceder a 6% do valor do salário base dos autores (art. 9º, I, do Dec. 95247/87).

Correção Monetária

A correção monetária é devida a partir do vencimento da obrigação (OJ/TST nº 124 da SDI – 1). Considerando que o pagamento dessa verbas é feito na mesma ocasião do pagamento do salário (art. 11 do Dec. 95.247/87), e que para os salários o vencimento ocorre no 5º dia do mês subseqüente, a partir daí será contada a correção monetária.

INSS e IR

Indevidos quaisquer descontos por esses títulos, em razão da verba não possuir natureza salarial (art. 2º da Lei n. 7.418/85).

Ante o exposto, dou provimento ao agravo para deferir a isenção de custas e determinar o processamento do recurso ordinário. A este, dou provimento parcial para, julgando procedente em parte a ação, condenar o réu a pagar a Nildo de Souza Leite, Marcos Aclécio Quartieri e Nivaldo José dos Santos, com juros e correção monetária, observada a prescrição declarada, o que se fizer apurado pelo equivalente a 60 vales-transportes a cada um dos autores até outubro de 2001 e de 24 vales-transportes a partir de novembro de 2001 (inclusive), no que exceder a 6% do valor do salário base dos autores (art. 9º, I, do Dec. 95247/87).

Custas pelo réu, sobre o valor da condenação de R$ 20.000,00, no importe de R$ 400,00

ROVIRSO A. BOLDO

Juiz Relator

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