Funcionalismo gaúcho

Julgamento de lei sobre salários de servidores é suspenso

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11 de maio de 2005, 22h11

O julgamento sobre a lei que regula a revisão de salários de servidores públicos do Rio Grande do Sul foi suspenso, nesta quarta-feira (11/5), no Supremo Tribunal Federal. Depois do voto do ministro Marco Aurélio, relator da matéria, o ministro Carlos Ayres Britto pediu vista dos autos.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada no STF pelo governador do estado, Germano Rigotto. Ele pede liminar para suspender a expressão “do Poder Executivo”, contida no artigo 1º da Lei 12.222/04, inserida na legislação por meio de emenda da Assembléia Legislativa gaúcha.

A emenda, segundo o governador, restringiu a revisão salarial dos servidores do governo estadual. O ministro Marco Aurélio votou pela concessão da liminar. Ele afirmou que o inciso X do artigo 37 da Constituição Federal é claro ao assegurar que a revisão geral anual do funcionalismo deve ser feita sempre na mesma data, sem distinção de índices.

O ministro Marco Aurélio votou pela concessão da medida liminar requerida pelo governador gaúcho. Segundo ele, se fosse indeferido o pedido, haveria a possibilidade de ocorrer “um mal maior, ou seja, a revisão parcial e não geral como quer a Carta da República”.

Marco Aurélio se referiu ao fato de que negar a liminar seria manter a emenda promulgada pela Assembléia, que permitiria uma revisão com índices diferenciados para servidores de cada Poder. Para o relator, nesse caso, ficaria “proclamada, de certa forma, a necessidade de lei e a revisão setorizada”.

Leia a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.459-6 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

REQUERENTE(S): GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ADVOGADO(A/S): PGE-RS – HELENA MARIA SILVA COELHO E OUTRO(A/S)

REQUERIDO(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O pedido inicial envolve a revisão geral e anual prevista no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal. O Chefe do Poder Executivo Estadual encaminhou à Assembléia projeto sobre a matéria, prevendo o reajuste linear, em 1%, para todos servidores do Estado, a partir de 1º de fevereiro de 2005. Na Assembléia, o projeto sofreu modificação, inserindo-se, após a referência a servidores e agentes públicos, a expressão “do Poder Executivo”. Eis, respectivamente, o teor do projeto e do que resultou da emenda:

Art. 1º Ficam revistos, na forma do inciso X do artigo 37 da Constituição Federal e do § 1º do artigo 33 da Constituição Estadual, em 1,0% (um por cento), a partir de 1º de setembro de 2005, as remunerações e os subsídios de todos os servidores e agentes públicos do Estado do Rio Grande do Sul, suas autarquias e fundações públicas.

Sustenta o Estado competir ao chefe do Poder Executivo o encaminhamento de projeto, objetivando a revisão geral e anual, a alcançar todos os servidores independentemente de estarem no Executivo, no Ministério Público, no Legislativo ou no Judiciário, integrando os respectivos quadros. Discorre a respeito, entendendo olvidada a problemática da origem do projeto – artigo 61, § 1º, II, “a”, da Constituição Federal e o 37, inciso X referido.

Na inicial, aponta o requerente a urgência no exame da matéria, porquanto existentes, à época, projetos na Assembléia Legislativa, de nºs 305, 306, 310 e 311, a implicarem previsão de reajuste relativamente aos vencimentos da magistratura estadual, dos servidores do Poder Judiciário, dos servidores do Ministério Público Estadual e dos membros do Ministério Público Estadual. Tais projetos teriam a previsão de reajuste dos vencimentos na base de 3%, a contar de 1º de março, e 5,53%, a partir de 1º de agosto, somando-se ao reajuste anterior, da ordem de 28%, concedido no ano de 2003, consideradas as Leis estaduais nº 11.908 e 11.912.

O projeto resultante da emenda legislativa viera a se transformar na Lei nº 2.222, de 30 de dezembro de 2004. Foi pleiteada a concessão de medida acauteladora, de modo a suspender a eficácia da expressão “do Poder Executivo” constante do artigo 1º da citada Lei nº 2.222, concluindo-se pela inconstitucionalidade da expressão.

À folha 97, acionei, em 08 de abril do corrente ano, o disposto no artigo 12 da Lei nº 9.868/99, objetivando o julgamento definitivo do pedido formulado.

O Estado peticionou, insistindo na apreciação da medida cautelar (folha 102 a 104), sendo que, então, despachei, determinando fossem solicitadas informações, conforme previsto no artigo 10 da Lei nº 9.868/99 (folha 105).

A Assembléia prestou as longas informações de folha 110 a 178, sustentando a improcedência do pedido. A um só tempo, o Executivo teria encaminhado projeto sobre o reajuste linear de 1%, alcançando a todos os servidores do Estado, e dispondo sobre melhoria específica para os servidores do Executivo, no que o artigo 2º previra 4%, a partir de 1º de março de 2005, 2%, a contar de 1º de setembro de 2005, e 3%, de 1º de março de 2006 em diante. Com isso, ter-se-ia revisão geral de 1% e revisão dos servidores do Executivo de 10,36%. Os projetos específicos do Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas e a revisão do pessoal do Legislativo estariam a atingir percentual inferior, ou seja, de 8,69%. Alude à observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, discorrendo sobre o princípio da irredutibilidade do subsídio e dos vencimentos – artigo 37, inciso XV, da Constituição Federal.


Às folhas 181 e 182, consta decisão indeferitória do pedido do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul de ser admitido no processo como terceiro, seguindo-se decisões relativas a pleitos idênticos formulados pelo Tribunal de Contas, pela Associação dos Juízes e pelo Tribunal de Justiça, todos do Estado do Rio Grande do Sul.

Lancei visto no processo em 8 último, designando, como data em que o processo estaria em mesa para apreciação do pleito cautelar, a de hoje, 11 de maio de 2005, isso objetivando a ciência, a cargo do Gabinete, de requerente e requerida, no que lhes assiste o direito à sustentação da tribuna.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Extraia-se da Lei Fundamental a maior eficácia possível, dando-lhe, assim, sentido harmônico com os interesses primário em jogo. A relação jurídica mantida pelo Estado com os servidores repousa necessariamente em equilíbrio, versado quando da respectiva formalização. Vale dizer que direitos e obrigações são previstos não só quando da posse, como também considerados os preceitos interativos regedores da relação jurídica. De há muito está afastada a óptica da supremacia do tomador dos serviços, a ponto de se ter modificações unilaterais na prestação dos serviços. Não bastassem as balizas da Constituição Federal, não bastasse figurar como fundamento próprio à República a dignidade da pessoa humana, tome-se o exemplo pedagogicamente contido na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 – consentânea, no particular, com os novos ares democráticos -, que disciplina o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Repita-se que, pedagogicamente, dispõe o artigo 13 dessa lei que a posse do servidor ocorre mediante assinatura de termo, e aí segue-se a norma de que nele estarão “as atribuições, os deveres, as responsabilidades e os direitos inerentes ao cargo ocupado, que não poderão ser alterados unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de ofício previsto em lei”.

Voltando ao âmago da questão constitucional de que cuida este processo: o inciso XV do artigo 37 da Constituição Federal encerra, de forma abrangente, o princípio da irredutibilidade do subsídio e dos vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos, ressalvando-se o teto constitucional, a impossibilidade de acréscimos pecuniares serem computados ou acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores, a satisfação do subsídio em parcela única e a incidência de tributos. Eis o teor do citado inciso:

XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

A referência à irredutibilidade não está restrita ao valor nominal. Considerar irredutíveis o subsídio e o vencimento é ter como estável o poder aquisitivo por eles representado, o que implica solapar a garantia constitucional dos agentes públicos e servidores, emprestando ao que previsto cunho simplesmente formal e desprezando o princípio da razoabilidade e, mais do isso, a razão de ser da previsão. Encerrasse a Lei Fundamental simplesmente a impossibilidade de se alterar, para menor, o valor nominal do subsídio e dos vencimentos, não haveria a referência à irredutibilidade, nem seria necessária, no artigo 1º do Diploma Maior, a alusão, a ênfase à dignidade do homem. Em época de inflação, principalmente de inflação a galope, bastaria ao Estado (gênero) deixar de repor o poder aquisitivo da moeda para colocar à mingua agentes públicos e servidores – que comumente são tidos como bodes expiatórios, como os culpados pelas mazelas nacionais.

O enfoque de alcançar a irredutibilidade, prevista no inciso XV do artigo 37, o valor real e não apenas o valor nominal encontra base, não fosse suficiente a questão concernente à dignidade do homem, na interpretação sistemática dos diversos preceitos da Carta da República. No próprio artigo 37, mostra-se, escancarada, a vinculação da irredutibilidade ao valor real, a importar, portanto, na preservação do poder aquisitivo percebido, devendo este comprar o que comprava do início da relação jurídica. Dispõe o inciso X desse artigo que a remuneração dos servidores públicos e os subsídios de que trata o § 4º do artigo 39 serão revistos anualmente, sempre na mesma data e sem distinção de índices, já que a vida econômica é impiedosa para todos. Ora, cumpre emprestar, aos institutos, expressões e vocábulos, o sentido técnico usual. Revisão geral distingue-se de aumento. Revisão geral implica simples manutenção do equilíbrio da equação inicial, afastando-se a perda sofrida por agentes públicos e servidores em virtude da inflação. Revisão geral – e o texto da Lei Fundamental a quer, repita-se, anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices – não resulta em acréscimo, mas na atualização monetária, de modo a eliminar os efeitos da inflação e com isso repor o poder aquisitivo da parcela percebida.


Dir-se-á que a Administração Pública está jungida ao princípio da legalidade. Assim é tendo em conta a própria cabeça do artigo 37 da Lei Fundamental. Mas é esse mesmo artigo que distingue, no texto do inciso X em comento, institutos que podem guardar ligação, mas que não revelam identidade, a sujeitá-los à previsão de lei. Examinem-se as duas partes do inciso X do artigo 37 da Constituição Federal. Na primeira, tem-se a forma de se chegar à definição da remuneração dos servidores públicos e do subsídio versado no § 4º do artigo 39, cuja fixação, como também qualquer alteração, vale dizer, plus em relação ao que satisfeito, deve vir por lei em sentido formal e material, observando-se a iniciativa privativa, tal como encerrado no próprio corpo da Carta. Nota-se, então, que a cláusula a remeter a lei que se quer específica, presente a diversificação de iniciativa, está ligada a fixação e alteração da remuneração e do subsídio. No mesmo inciso, após referência a essa cláusula, após jungir-se fixação de remuneração e de subsídio e alterações a lei específica, dispôs-se – para ter-se como de concretude a garantia da irredutibilidade, algo captável e real, e não simplesmente lírico, formal, sem obséquio ao princípio encerrado -, sobre o direito à revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices. A referência a estes, estando o vocábulo no plural para refutar a tomada de percentagens diversas, indica finalidade única, ou seja, o afastamento dos nefastos efeitos da inflação. Em síntese, ao lado de algo que ficou submetido ao princípio da legalidade estrita – a fixação de remuneração e de subsídio bem como alterações -, previu-se mecanismo para satisfazer-se a irredutibilidade, ou seja, a revisão geral anual.

De modo algum submete a Carta da República a reposição do poder aquisitivo de vencimentos à iniciativa deste ou daquele poder, deste ou daquele órgão, como se fosse possível encaminhamento de projetos como vem ocorrendo nos últimos anos – em menosprezo às balizas constitucionais, olvidando-se o objetivo da norma, olvidando-se a irredutibilidade assegurada constitucionalmente, em verdadeiro deboche, como dão exemplos as iniciativas do Executivo Federal, a última a alcançar algo que a imprensa apontou como autêntico escárnio, ou seja, a revisão à base 0,1%. Demonstre-se mais: após o reajuste de 1º de janeiro de 1995, na base de 22,07% – Lei nº 8.880/99, veio, em 19 de dezembro de 2001, o de 3,5% – Lei nº 10.331/2001, quando a inflação do período alcançou 77,81%. Em 3 de julho de 2003, novo reajuste foi implementado, da ordem de 1% – Lei nº 10.697/2003, havendo a inflação atingido 23,74%. Por último, presente inflação de 11,54%, seguiu ao Congresso projeto de lei contemplando a percentagem mínima referida, ou seja, 0,1%.

Veja-se que se tem a reserva à lei relacionada com a iniciativa cabível, enquanto a revisão geral, por estar ligada a mesma data e a idêntico índice, não pode ficar a sabor da diversidade de projetos. Aliás, é justamente isso que sustenta o requerente, no que, conforme ressaltado pela Assembléia, remeteu projeto a um só tempo prevendo reajuste linear de 1% e contemplando os respectivos servidores com percentagens outras, a ponto de se alcançar na totalidade 10,36%.

Reafirmo o que tive oportunidade de veicular, em caso ainda não concluído, no Tribunal Superior Eleitoral. A revisão geral anual faz-se com automaticidade necessária a surtir os efeitos desejados, não ficando ao sabor da conveniência, quer sob o ângulo do encaminhamento de projetos, versando-a neste ou naquele patamar, quer no tocante à política legislativa, norteada por maioria existente na casa das leis que venha apreciar o projeto, ou seja, a interesses governamentais momentâneos e isolados e que não atendem à preservação da máquina administrativa em patamar satisfatório.

Concluo, então, que a revisão geral sempre na mesma data e sem distinção de índices, e é essa a expressão contida no inciso X do artigo 37 da Lei Fundamental, independe de lei que a preveja, porque já assegurada, em bom vernáculo, pela Constituição Federal. Assento, por outras palavras, que a envergadura do tema tratado pela Carta levou ao afastamento de perniciosa intervenção normativa que acabasse por solapar o que assegurado pelos servidores. O “faz de conta” – “faz de conta que se observa a Lei Fundamental” – não pode prevalecer, abandonando-se os parâmetros constitucionais e, aí, vingando a lei do mais forte.

Resta, assentadas essas premissas e que decorrem de reflexão maior sobre o tema, o exame do pleito de concessão de medida acauteladora. Faço-o de maneira coerente com a óptica acima revelada. O pedido formulado, no que vincula a atuação da Corte, está ligado ao fato de a Assembléia haver emendado projeto de iniciativa do Executivo para jungir a revisão aos respectivos servidores. Não se coloca em discussão a percentagem prevista e que, iniludivelmente, está muito aquém da inflação do período pesquisado e que diz respeito à revisão. Sopeso, então, valores para compreender que, indeferida a medida acauteladora, o que tenho com mal maior, ou seja, a revisão parcial, e não – como o quer a Carta da República – do subsídio e dos vencimentos, ficará restrita ao Poder Executivo. Se defiro a liminar, chegar-se-á à abrangência da revisão parcial – e que discrepa, a mais não poder, inclusive considerado o tratamento diferenciado em relação ao pessoal do Executivo, do previsto no artigo 2º – a todos os servidores do Estado, desconhecendo, repito, que a reposição do poder aquisitivo dos vencimentos independe de lei e há de se fazer em face da inflação do período. Então, concluo indeferindo o pleito formulado.

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