Dois é demais

Empresário responde ao mesmo inquérito em duas comarcas

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8 de maio de 2005, 10h11

Um empresário acusado de crime de falsidade ideológica, está respondendo a inquérito policial em duas cidades diferentes — um Araputanga e o outro em Várzea Grande, ambas em Mato Grosso.

Seu advogado Eduardo Mahon entrou com Hábeas Corpus no Tribunal de Justiça do estado, com pedido de liminar, para que os inquéritos sejam suspensos. Segundo Mahon, o empresário não poderia ser indiciado duas vezes, pelo mesmo fato, em comarcas diferentes.

O advogado alega que seu cliente está sofrendo de duplo constrangimento e cita o artigo 70 do Código de Processo Penal, que prevê que “a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”, contestando o inquérito em duas cidades.

Caso o pedido de exclusão do nome do empresário de ambos os inquéritos policiais seja rejeitado, o advogado pede que seja firmada a competência da comarca de Araputanga.

Leia a íntegra do Habeas Corpus

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO.

Impetrante: Eduardo Mahon

Impetrados: MM. Juíza de Direito da 6ª Vara Criminal de VG e Diretoria do Foro de VG.

Paciente: José da Silva*

EDUARDO MAHON, brasileiro, solteiro, professor universitário, advogado, matriculado na Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, sob o número 6363, residente e domiciliado à Av. xxx, xxx, apto. xxx e xxx, xxx. xxx, Bairro xxx, Cuiabá, Mato Grosso, com escritório profissional no endereço indicado no sopé das laudas, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com espeque no art. 5º , da Carta Magna e art. 647 e 648, I, do Código de Processo Penal, impetrar

ORDEM DE HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR INITIO LITIS

Em favor de José da Silva*, brasileiro, casado, empresário, Diretor de Frigorífico* S/A, respondendo no mesmo endereço profissional indicado pelo impetrante, em face do ato da EXMA SRA. DIRETORA DO FÓRUM DE VÁRZEA GRANDE e MM. JUÍZA DE DIREITO DA 6ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE VÁRZEA GRANDE, pelos fatos que vão a seguir expendidos, com supedâneo nos fundamentos de direito processual e constitucional aventados na peça vestibular:

BREVE ESCORÇO FÁTICO ACERCA DA REQUISIÇÃO DE INQUÉRITOS SUPERPOSTOS

1 — Cuida-se de analisar a requisição judicial de dois cadernos policiais investigativos, ambos assinalando o Paciente pelo mesmo fato, em comarcas de Mato Grosso, distantes entre si quase 400 km. De outro giro, em cada recanto jurisdicional, ambos os magistrados foram levados a erro por trama urdida maliciosamente por concorrente comercial dos empreendimentos do Paciente, como será verificado adiante. Em resumo, colhe-se dois inquéritos policiais a apurar eventual participação em crime de falsidade ideológica e/ou documental, o primeiro instaurado por ordem do MM. Juiz de Direito da Comarca de Araputanga e o segundo pela requisição judicial da MM Diretora do Foro da Comarca de Várzea Grande, atualmente sob a responsabilidade judicial da MM. Juíza de Direito da 6ª Vara Criminal da Comarca de Várzea Grande (distribuição?), a fim de prospectar idêntico fato, qual seja, a falsidade de documento havida no Tabelionato de Várzea Grande (Distrito de Bom Sucesso), seja de originais, seja de translado, não podendo informar com precisão cartesiana o Impetrante, porque desconhece qualquer participação do Paciente.

2 — Ocorre ser o Paciente Diretor de um dos maiores empreendimentos comerciais do Estado de Mato Grosso, Frigorífico* e Curtuara S/A — Curtume de Araputanga, ambas empreitadas de porte internacional até porque exportadoras em larga escala. Encontram-se arrendadas temporariamente as instalações do Frigorífico* na cidade de Araputanga para Agropecuária*, por contrato firmado entre as partes, destacando-se a opção de compra nunca levada a cabo, por questões comerciais que não são objeto de análise aprofundada no presente mandamus.

Todavia, informa o Impetrante estar o relacionamento comercial entre as suas grandes companhias esgaçado a tal ponto de imbricarem-se atualmente em contendas judiciais, movidas de parte a parte, tudo gravitando no Juízo Único de Araputanga, por regra básica de competência jurisdicional já firmada. ALIÁS, AGROPECUÁRIA* INGRESSOU COM AÇÃO DECLARATÓRIA (748/2004) NA COMARCA DE ARAPUTANGA, DE ONDE SURGIU O PRIMEIRO INQUÉRITO. Não houve aí o reconhecimento de competência?!

3 — Das farpas trocadas lado a lado, restaram decisões judiciais, muito embora provisórias todas elas, pró e contra cada qual. De um lado, a fim de preservar o patrimônio francamente ameaçado pelas evasivas do grupo Agropecuária*, a empresa do Paciente obteve liminar de arresto cautelar de bens, a fim de discriminá-los cautelarmente, de modo a elidir a hipótese de eventual desvio de bens de valor substancial. Obteve mais — ganhou liminar em ação declaratória de ineficácia do contrato de compra e venda, demonstrando jamais restada perfeita a opção pela compra do empreendimento. De outro giro, o grupo Agropecuária* colheu liminar em interdito proibitório, a fim de afastar Frigorífico* e seus diretores da posse da planta, uma vez que já finda o prazo contratual do arrendamento. Em remate, as partes digladiam-se não só pela posse do imóvel em questão, como pela cognição judicial definitiva sobre a natureza negocial da relação jurídica atual — se arrendamento ou se venda. Arrastaram, ambos os contendores, suas respectivas irresignações a este Egrégio Sodalício, em grau recursal, das decisões que lhes afetaram.


4 — Ainda fruto das múltiplas lides que giram em torno de interesses que afetam toda a comunidade de Araputanga, uma vez que aquele frigorífico é esteio da renda municipal, sobraram questões criminais como sucedâneos de todo o percurso comercial. De forma que o Grupo Agropecuária* e seus sócios-diretores encontram-se investigados pelo Ministério Público Federal por crimes de relevância nacional e internacional, uma vez noticiados os fatos típicos ao Parquet. Consta da notícia crime de há muito formalizada a incidência de graves delitos como lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva em órgãos públicos federais, como o BNDES e UGFIN (sucessora da extinta SUDAM), além dos crimes de usurpação de marca e outras tantas falsidades menores, licenciosamente praticadas pelo Grupo Agropecuária*.

Mais atualmente, de posse de pormenorizado laudo contábil, provará judicialmente Frigorífico* ter havido grosseiras fraudes no balanço das parcerias comerciais, maquinadas pelo Grupo Agropecuária*, configurando-se também crime do colarinho branco. Do veemente noticiamento criminal, restou comprovado inúmeras irregularidades que estão em vias de correção pelos mais diversos órgãos públicos federais, arrimados inclusive na pressão que ofícios da Procuradoria da República têm causado e, ainda, em processos administrativos inaugurados por Frigorífico*. Apenas para ilustrar, sublinha o Impetrante notícia veiculada pelo Jornal A GAZETA do dia 17 de março de 2005, onde aponta Agropecuária* como líder da cartelização do mercado de carne, com mais 7 outros comparsas. Assim sendo, já é de conhecimento público e notório onde são capazes de chegar para alcançar o desiderato a qualquer custo — qualquer…

5 — Como não podia deixar de ser, a parte que tomba reagiu. Mas o fez com o pior caráter e da forma mais malévola: por faz ou por nefaz, alcançou um documento supostamente forjado que seria uma procuração de A. S. conferindo poderes a terceiros para a transferência de imóvel à família do Paciente e a ele próprio. Insta sublinhar que o negócio foi realizado formal e materialmente, conforme afirma o próprio cedente, também primo do Paciente em primeiro grau. Contrato de compra realizado, preço convencionado devidamente consignado, recibos preparados e montante regularmente quitado, foi levado a efeito a transferência do imóvel. Nesse ínterim, descobriu-se translado de procuração a terceiros supostamente inidôneo, confeccionado pelo Tabelionato de Várzea Grande (Distrito de Bom Sucesso). Perseguindo a anulação do negócio jurídico já sacramentado e reconhecido pela parte compradora e vendedora, ligados por laços sanguíneos inclusive, a fim de causar repercussão nas demandas existentes e já historiadas, o Grupo Apropecuária* se apossa deste documento que o Paciente desconhece e noticia eventual crime de falso, AO JUÍZO DE ARAPUTANGA, no seio de ação cível própria.

6 — REPISE-SE BEM CLARAMENTE — NO DIA 12/07/2004, INGRESSOU AGROPECUÁRIA* COM A AÇÃO GERADORA DO INQUÉRITO NA COMARCA DE ARAPUTANGA. Do despacho deferindo a liminar em 30/07/2004, o MM. Juiz de Araputanga afirmou:

“Às fls. 83/85, a autora noticia e apresenta documentos sobre várias ilegalidades praticadas pelo réu M. M. B., seu procurador M. A. R. C. e os tabeliães do Distrito de Bom Sucesso e o da Comarca de Mirassol D’Oeste – D. R. F. B e, ao final, pediu a exclusão de A. S. do pólo passivo da lide, pedindo esse deferido às fls. 95

7 — Diante daquela alegação, o que faz excelente magistrado de Araputanga? Remete os autos ao Parquet para providências e este, por sua vez, requisita incidentalmente a instauração de procedimento investigativo, a fim de apurar responsabilidades sobre a feitura daquele documento objurgado, o que é perfeitamente compreensível e não se nega que recomendável. Até mesmo o Paciente tem interesse em saber se, junto ao Tabelionato, houve qualquer irregularidade, uma vez que o parente cedente-vendedor já declarou em prosa e verso que, efetivamente, vendeu e recebeu pelo negócio. Portanto, ao Paciente não resta dúvida acerca da validade negocial, mas se assombra com descaminhos que possam eventualmente ter ocorrido nos desvãos de Tabelionato. Ocorre que, de forma insólita, o próprio Paciente foi ele mesmo indiciado pela autoria do ilícito criminal — justamente ele que conta com recibos, contratos e a própria declaração do vendedor, seu primo. Do despacho de encaminhamento do MM. Juiz de Direito Mário Augusto Machado, extrai-se ipsis literis:

“Encaminho a Vossa Excelência cópia dos autos acima mencionados, para apuração de crime de falsificação de documentos, falsidade ideológica e outros correlatos”( Referia-se ao Processo 434/2004)

8 — O Magistrado de Araputanga encaminhou os autos no dia 03 de Agosto, anote-se bem. Inaugurados os autos de inquérito policial em 25 de Agosto de 2004, por meio de portaria do Sr. Delegado de Polícia de Araputanga Carlos Américo Marchi por comunicado do magistrado e do promotor público, o Paciente compareceu espontaneamente àquela Delegacia de Polícia de Araputanga a fim de ser ouvido (dia 05 de outubro de 2004), consignando suas declarações junto à autoridade policial. Constam lá os Autos de n. 073/04, registrado em Juízo sob n. 106/2004. Naquele procedimento inquisitivo foram ouvidos o Tabelião, o vendedor e outros dois envolvidos no caso por retirarem translado da procuração em questão daquele Serviço Notarial de Várzea Grande. Consta, ainda, como indiciados o Paciente e o Sr. A. S., seu primo.


9 – Já aprazada a conclusão do sobredito inquérito pelo MM. Juiz de Direito daquela comarca de Araputanga em 29 de Outubro de 2004, encontram-se praticamente encerrados os autos, faltantes pequenos detalhes para o remate do Delegado de Polícia e envio do conseqüente relatório à respectiva autoridade judiciária. Informa o Impetrante que o Bel. Delegado de Polícia de Araputanga já ultimou cartas precatórias justamente para a cidade de Várzea Grande, a fim de ouvir o Sr. L. L. M. F., escrevente juramentado do Serviço Notarial e Registral do Distrito de Bom Sucesso, Várzea Grande, assim como o funcionário daquela mesma autarquia Sr. C. F. F.. Em 18 de Outubro de 2004, requereu a autoridade policial dilação de prazo a fim de colher mais informações, pedido ao qual ganhou parecer favorável do Ministério Público em 22 de outubro do mesmo ano e foi enfim deferido em 29 daquele mesmo mês. Em 27 de outubro, foi ouvido o Sr. L. L. M. F., por meio de carta precatória na Delegacia Municipal de Várzea Grande. Este afirmou:

Que é escrevente juramentado do Serviço Notarial e Registral do Distrito de Bom Sucesso neste Município. Que é verdade que existe naquele Serviço Notarial a Procuração lavrada no Livro 13, Fls. 52, em 14 de novembro de 2002, onde A. S. constitui seu bastante procurador M. A. R. C., conforme cópia que faz anexar na presente declaração. Que a referida Procuração foi digitada por L. C. C. , digitador daquele Serviço Notarial e foi ela assinada pelo declarante. Que a pessoa de C. F. F. não é e nunca foi funcionário daquele Serviço Notarial. Realmente a pessoa de C. F. F. foi quem abonou o cartão de assinatura de A. S., não se recordando o declarante se C. o acompanhava naquele momento no Cartório, mas sabe que ele ali se fazia presente quando o cartão foi confeccionado. Questionado sobre a divergência nas rubricas do cartão de assinatura e da Procuração, afirma o declarante não haver qualquer divergências entre as assinaturas ali constantes (…)

10 – Exsurge de tudo, com solar clareza, que o Paciente M. M. B em nada se relaciona com os fatos investigados, já que: a) não compareceu àquele Serviço Notarial de Bom Sucesso; b) não assinou abonando cartão de quem quer que seja; c) não retirou nenhum documento daquela autarquia e nem foi a Procuração a ele dirigida. Excelência, é insólita a situação do Paciente duplamente indiciado em duas comarcas, que não participou em lugar algum dos fatos investigados! Mas o que mais surpreendente: em Araputanga, estão indiciados o Paciente e seu primo Sr. A. S. (que, entre si celebraram o negócio!) e em Várzea Grande (Processo 24/2005) tem-se indiciados o Paciente, o Sr. L. L. M. F. e o Sr. M. A. R. C.! Ora, pelo mesmo fato, lá e cá temos indiciado duas vezes o Paciente e pessoas diversas.

11 — Qual não é a surpresa do Paciente ao saber que, na Comarca de Várzea Grande, o Grupo Agropecuária* de forma malévola e daninha, procedeu da mesma forma que em Araputanga, noticiando O MESMO FATO à autoridade judiciária que, não sabendo correr procedimento policial com o mesmo fito em outra localidade, mandou instaurar novo inquérito, dessa vez em outra comarca?! O que se deu, comprovadamente por meio de documentos juntados no presente remédio heróico, foi um PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS DE AGROPECUÁRIA* (N. 105/2004), em 20 de Agosto de 2004, dirigido à MM. Juíza Diretora do Fórum de Várzea Grande. Do pedido, aquela magistrada determinou vista ao Sr. Tabelião para manifestação, donde-se colhe-se contrariedade formal daquele servidor público, em 20 de Setembro de 2004. Ainda, a Exma. Sra. Diretora determinou manifestação do Parquet, em 23 de Setembro daquele mesmo ano, onde somente em 11 de Novembro de 2004 opinou pela conversão em Inquérito Policial a apurar a mesma questão da falsidade havida no translado de procuração. Em 26 de Novembro de 2004, aquela Diretora encaminhou tudo à Delegacia de Polícia Municipal de Várzea Grande e, como era de se esperar, o Delegado de Polícia fez lavrar Portaria de Instauração de Inquérito Policial (24/2004), em 17 de Dezembro de 2004.

12. RESUMINDO ATÉ AQUI – AGROPECUÁRIA* REQUER ANULAÇÃO DE PROCURAÇÃO, INAUGURA AÇÃO PARA LEVAR À CABO SUA PRETENSÃO, O MAGISTRADO DE ARAPUTANGA DETERMINA ABERTURA DE INQUÉRITO EM 30 DE JULHO DE 2004 NAQUELA COMARCA. EM 20 DE AGOSTO DO MESMO ANO, VEM AGROPECUÁRIA* NOVAMENTE À TONA COM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS NA COMARCA DE VÁRZEA GRANDE, REQUERENDO INQUÉRITO POLICIAL A INVESTIGAR O MESMO FATO QUE SABIA SER INVESTIGADO EM OUTRA COMARCA!!!

13 — Evidentemente, o achincalhe ao bom nome do Paciente é estratégia pré-ordenada pelo Grupo Agropecuária* seu oponente, reagindo que está aos sucessivos êxitos judiciais e extrajudiciais conquistados por Frigorífico*. Nem se questione em sede de habeas corpus, quem tem ou não razão comercial no litígio por não ser o meio idôneo a prestar-se a tal mister. Todavia, daí exsurge uma constatação cristalina — O JUDICIÁRIO FOI MANIPULADO DE FORMA INESCRUPULOSA PELOS NOTICIANTES DO CRIME, DE MODO A REPLICAR PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO SOBRE O MESMO FATO E IDÊNTICA PESSOA, EM DUAS COMARCAS DISTINTAS.


14 — De tudo, extrai-se justamente essa fantasmagoria que achega-se a verdadeira teratologia, não por culpa direta de uma ou de outra autoridade judicial, mas pelas gestões maquiavélicas de terceiros. Prima facie, não se opõe o Paciente ao fato de ser investigado o fato narrado como suspeito, mas daí ser ele (quem pagou o preço, arcando com todos os custos) também indiciado é, deveras, extravasar as balizas do aceitável. E mais — agora o insólito — ser duplamente investigado pelo MESMO FATO NARRADO, em locais distintos por autoridades policiais diversas, mas do mesmo Estado Federado, por desconhecimento de um e de outro magistrado — é exceder em muito qualquer limite razoável.

15 — Até mesmo para o desempenho da ampla defesa, a bipartição e a replicação de inquéritos não poderão ser toleradas. Ora, se o caderno investigativo cuida de fornecer ao Ministério Público elementos suficientes à promoção de ação penal, como saber onde e como será eventualmente o Paciente submetido às malhas do processo-crime?! E, ainda, havendo duplicidade desconhecida até então, estamos às barras de dupla denúncia pelo mesmo fato em comarcas diversas?! Excelência, são cerca de 400 quilômetros.

16 — Nem precisa deixar claro o Impetrante que o Paciente é primário e conta com ótimos antecedentes, não tendo sequer registro de qualquer ocorrência em seu nome, conforme demonstra levantamento do INFOSEG — sistema nacional de segurança pública. Contudo, vê-se constrangido a vagar de um lado a outro do Estado de Mato Grosso, atendendo notificações policiais e eventuais intimações judiciais a responder pelo mesmo fato. Daí animar-se o Impetrante, face à inusitada e ilegal condução das coisas até então, a impetrar remédio mandamental adequado para SUSPENDER O CURSO DE AMBOS OS INQUÉRITOS, até quando, no mínimo, se tenha firme a competência para a apuração jurisdicional que habilita o juiz de direito a requisitar procedimento investigativo. Enquanto este Digno Pretório não resolver dois conflitos — um de ordem jurisdicional e mais importante e outro na esfera da colisão de atribuições — não pode o Paciente ser vexado por ambos os procedimentos concomitantes e independentes a pesar-lhe o nome e a boa fama.

PRIMEIRA ANOTAÇÃO: DA DÚVIDA OBJETIVA ACERCA DA COMPETÊNCIA JURISDICIONAL PARA REQUISIÇÃO DE INQUÉRITO.

17 — Para todo e qualquer ato acobertado pela jurisdicionalidade, há de ter competência o juiz. Mesmo para casos como o espancado nos presentes autos, deve ter o magistrado delimitação jurisdicional exata para requisitar abertura de inquérito policial em desfavor do Paciente. Nem mesmo conflito de competência entre a Justiça Estadual e Federal há — o caso é ainda mais simples de ser dirimido pelo E. Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Ambos os magistrados — de Araputanga e de Várzea Grande – cada qual cioso de suas funções das quais arrogam-se fiscais e entenderam por bem lançar mão de requisição judicial, conflitam-se mutuamente, causando enorme gravame processual penal ao Paciente. Ocorre que a Exma. Dra. Diretora do Fórum de VG não foi informada da malícia do Noticiante!

18 — Cumpre, portanto, DELIMINAR A COMPETÊNCIA DO JUIZO E DA COMARCA A CORRER INQUÉRITO POLICIAL, PORQUE DANOSO É O DUPLO CONSTRANGIMENTO. Expressamente prevista no artigo 69, inciso I, do Código de Processo Penal, a competência fixada pelo lugar da infração, ou forum delicti commissi, é a regra para a determinação do juiz a quem incumbe o exercício do poder jurisdicional (artigo 70, 1ª parte, do CPP). Naquele caso concreto, tal e qual foi descrito por responsabilidade do Sr. Tabelião, tudo faz sentir que a comarca competente é a de Várzea Grande.. Mais precisamente, entende-se que o lugar onde se consumou a infração penal é o que firma a competência para o processo e julgamento da causa e de todas as medidas preparatórias, cautelares ou não, pois é justamente neste foro onde há maior facilidade para coligir os elementos probatórios necessários à constatação da materialidade e à certeza da autoria. Ademais, é o lugar onde o exemplo de repressão é exigido. RESSALTE-SE, MAIS UMA VEZ, QUE AGROPECUÁRIA* LANÇOU MÃO DE AÇÃO DECLARATÓRIA NA COMARCA DE ARAPUTANGA, RECONHECENDO AQUELA COMPETÊNCIA. Mas, depois, pediu providências à Diretoria do Fórum de Várzea Grande, mesmo sabendo haver inquérito instaurado em Araputanga!

19 – Entenda-se foro como o território dentro de cujos limites o juiz exerce a jurisdição. Sob este prisma, Cintra, Dinamarco e Grinover esclarecem que, in verbis:

“Nas Justiças dos Estados o foro de cada juiz de primeiro grau é o que se chama comarca; na Justiça Federal é a seção judiciária. O foro do Tribunal de Justiça de um Estado é todo o Estado; o dos Tribunais Regionais Federais é a sua região, definida em lei (c. Const., art. 107, par. ún.), ou seja, o conjunto de unidades da Federação sobre as quais cada um deles exerce jurisdição; o do Supremo Tribunal de Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de todos os demais tribunais superiores é todo o território nacional (Const., art. 92, par. ún.).”


20 – O artigo 70 do Código de Processo Penal, ao prever que “a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”, adota claramente a chamada Teoria do Resultado. Em contrapartida, o Código Penal, ao definir o lugar do crime (art. 6°), estabelece que “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”, consagrando, para o Direito Penal, a Teoria da Ubiqüidade. Sobre o tema, manifesta-se Mirabete asseverando que “a superveniência da Lei n° 7.209, de 11-7-84, que deu nova redação à Parte Geral do Código Penal, não alterou a regra do artigo 70, caput, do CPP, já que o artigo 6° daquele Estatuto refere-se ao lugar do crime para os efeitos de direito penal e não como regra de competência”. Todavia, anote-se que foi em Araputanga que a procuração invectivada fora usada para efetivar a transcrição do imóvel ao Paciente, gerando conturbada questão acerca da competência para qualquer providência jurisdicional a respeito, a ser esgrimida pelos eméritos pretórios deste Solalício Mato-Grossense.

21 – Destarte, prevalece, para a determinação da competência, o lugar da consumação do crime, onde, em consonância com o artigo 14, inciso I, do próprio Código Penal, é possível se reunir todos os elementos para a definição do delito. Nesse sentido, a Súmula 200 do STJ orienta que “o juízo federal competente para processar e julgar acusado de crime de uso de passaporte falso é o lugar onde o delito se consumou”. No caso dos delitos de falso, deve-se atentar para o fato da consumação dar-se com a imediatividade da própria ação comissiva do Sr. Tabelião.Uma vez considerada a procuração e/ou seu translado na comarca de Araputanga, é certamente lá que se deve colher as provas necessárias ao deslinde do inquérito em curso. Aliás, anote-se, aquele caderno inquisitivo em Araputanga já se finda, porque iniciado 01 mês antes…e, ainda, com a oitiva da maioria dos envolvidos, enquanto em Várzea Grande não houve depoimentos até o presente momento.

22 – Excetuando a regra geral, a Lei n° 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, optou pela Teoria da Ubiqüidade, posto que, em seu artigo 63, prescreve que “a competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal”. Nesse particular, esta regra, interpretada em conjunto com o artigo 6° do Código Penal, onde se tem por praticado o crime “no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”, resultou na adoção da teoria da ubiqüidade pela lei especial, resolvendo-se qualquer conflito pelo critério da prevenção.

23 – Seguindo as regras do artigo 70 do CPP, seu §3° estipula que “quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições [sic], ou quando incerta a jurisdição [sic] por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições [sic], A COMPETÊNCIA FIRMAR-SE-Á PELA PREVENÇÃO“. Neste caso específico, Mirabete leciona que a sede do delito se equipara à sede do juízo, tornando-se prevento o órgão jurisdicional que primeiro tiver praticado algum ato do processo ou de medida a este relativa (art. 83, CPP). DE MODO QUE, INDUBITAVELMENTE, TOMANDO POR BASE ESSA ÓTICA, RESTA COMPETENTE O JUÍZO DA COMARCA DE ARAPUTANGA, POR TER DESPACHADO REQUISIÇÃO EM PRIMEIRO LUGAR, INCLUINDO CORREIÇÃO QUE PROCEDEU NA PRÓPRIA DELEGACIA DE POLÍCIA DAQUELA CIDADE, DILAÇÃO DE PRAZO DETERMINADA, E POR FIM, LOCAL ONDE JÁ FORAM REALIZADOS TODOS OS ATOS DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO, INCLUINDO A PRESENÇA DO PACIENTE PARA O SEU DEPOIMENTO.

24 – Dissertando sobre o assunto, Tourinho Filho bem o sintetiza, in verbis:

“Pois bem: diz o nosso Código que o crime se consuma quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal. Assim, para saber se houve ou não a consumação, deve o intérprete atentar para a definição legal do tipo. E, com definir um crime é dar os elementos que o constituem, deverá o intérprete investigar se o fato praticado reúne todos os elementos do tipo penal. […] Ora, nos delitos qualificados pelo resultado, que os alemães chamam durch den Erfolg qualifizierte Delikte, o segundo resultado, isto é, aquela circunstância agravadora, que pode ser a morte ou a lesão grave, funciona, como diz Soler, como verdadeiro elemento constitutivo, e, assim, tal circunstância, nessas modalidades de crimes, é de capital importância para a definição legal do tipo”.

25 – Por fim, resta gizar que a competência pelo lugar da infração não está estampada na Constituição Federal e, por assim ser, não se reveste do status de uma competência constitucional. Nesse caso, aplica-se à espécie o artigo 567 do CPP, pois a incompetência do juízo anulará apenas os atos decisórios, podendo o juiz competente, na forma do artigo 108, §1°, do CPP, ratificar os atos anteriormente praticados pelo juiz incompetente e prosseguir no processo. A incompetência ratione loci é, portanto, causa de nulidade relativa e, como tal, deve ser argüida oportunamente e de forma hábil. Todavia, o caso tratado é sui generis, porque ainda não havida ação penal em nenhuma das comarcas em questão — todavia, há dupla e superposta determinação de investigação emanada de duas autoridades diversas, em locais distantes, sobre o mesmo fato.


26 – De forma que não nos resta alternativa que requerer a suspensão de ambos os feitos, enquanto o mérito da atual peça vestibular não for apreciado. Não há prejuízo algum na concessão da medida liminar pleiteada, uma vez que a suspensão da determinação pela instauração de ambos os inquéritos policiais em nada afasta a eventual pretensão punitiva estatal. O contrário sim é que se avulta como excessivamente quebrantador ao Paciente que terá que se deslocar 400 km para atender determinações de autoridade que não sabe se competente ou não ou, por outro lado, prestar um depoimento idêntico em Várzea Grande, constrangido que fica pela segunda vez. Convém não olvidar, ainda, que a Escritura de Compra e Venda do referido imóvel foi lavrada pelo 1º Ofício da Comarca de Mirassol D’Oeste, o que também garantiria competência jurisdicional àquele foro para cuidar de investigação e condução de eventual ação penal pública.

SEGUNDA ANOTAÇÃO: DA ILEGALIDADE DA DUPLA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL — A OBSTRUÇÃO DA AMPLA DEFESA.

27 — É sabido que o direito processual penal constitucional brasileiro, assim chamado após a promulgação do novo ordenamento constitucional de 1988, encarta o princípio maior da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, do qual desmembram-se sub-princípios penais garantistas a assegurar aquela mesma dicção. Um dos pilares do Estado Democrático de Direito é o PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM — “não duas vezes, pelo menos assunto”. A vedação à odiosa prática da replicação de procedimentos penais de qualquer natureza é tão afeita ao atual ordenamento que custa crer que tal Espada de Dâmocles pese sobre o Paciente. A tudo, some-se os empecilhos intrínsecos à regular condução da defesa criminal, sendo Paciente investigado e, eventualmente, acusado PELO MESMO FATO EM DUAS COMARCAS DIFERENTES. É teratologia pura. Sendo assim, considerando a distância de 400 km que entre si guardam as cidades de Várzea Grande e Araputanga, tal procedimento investigativo duplicado, clonado, replicado é contraproducente, para se dizer o mínimo.

28 — Não é apenas sufragado no entendimento constitucional mais primário, que sustentamos a impossibilidade fática e jurídica de manter tal situação que gera gravames ao Paciente. É escorado na doutrina e ordenamentos constitucionais alienígenas que o Impetrante quer ilustrar o coro a esta hermenêutica. A Constituição dos Estados Unidos da América, na Emenda V, também garante, entre outros direitos do cidadão, o direito à coisa julgada, in verbis:

EMENDA V: Ninguém será detido para responder por crime capital ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um Grande Juri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado; nem ser obrigado em qualquer processo criminal; a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização.:

29 – A Constituição da República das Filipinas, em seu artigo III (declaração de direitos), seção 21, apresenta a coisa julgada, in verbis: “Ninguém correrá o perigo de sofrer punição duas vezes pelo mesmo crime. Se uma ação for punida por uma lei e um decreto, a condenação ou absolvição de acordo com qualquer dos dois constituirá impedimento para que se inicie outro processo pela mesma ação.”. A Constituição do Paraguai, em seu capítulo V, artigo 64, estabelece: “Nadie puede ser sometido a juicio por los mismos hechos en virtud de los quales hubiera sido juzgado anteriormente, ni privado de su libertad por obligaciones cuyo incumplimiento no haya sido definido por la ley como delito o falta. No se admite la prisión por deuda.”. A Constituição de Portugal, em seu artigo 29 (ao tratar da aplicação da lei criminal), item 5, prevê a coisa julgada, in verbis: “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.”

30 — Considerando que o Inquérito Policial presta-se exclusivamente à preparação de ação penal, é muito compreensível que tenha receio o Paciente de responder duas ações penais em comarcas diferentes pelo mesmo fato. De forma que, já em sede indiciária, é preciso definir a jurisdição responsável pelo recebimentos destes autos. Daí surgir a premência da concessão da liminar suspensiva. Remate-se aqui a má-fé à qual foi vítima as Impetradas em Várzea Grande.

TERCEIRA ANOTAÇÃO: DA FLAGRANTE DESVINCULAÇÃO DAS AÇÕES DO PACIENTE DOS FATOS DESCRITOS NAS REQUISIÇÕES JUDICIAIS.

31 — Excelência, o que houve no caso investigado? Uma suposta falsidade de Procuração e seu translado. Quem elaborou os documentos? Certamente, o Serviço Notarial e Registral do Distrito de Bom Sucesso. A quem foi dirigida a Procuração suspeita? Ao Sr. M. A. R. C. Quem lá compareceu para abonar o cartão de assinatura? O Sr. C. F. F.. Pergunta-se: o que fazem o Paciente e seu primo INDICIADOS POR DELITO DE FALSIDADE???

32 — Repise-se na declaração do próprio responsável pelo Cartório:

Que é escrevente juramentado do Serviço Notarial e Registral do Distrito de Bom Sucesso neste Município. Que é verdade que existe naquele Serviço Notarial a Procuração lavrada no Livro 13, Fls. 52, em 14 de novembro de 2002, onde A. S. constitui seu bastante procurador M. A. R. C., conforme cópia que faz anexar na presente declaração. Que a referida Procuração foi digitada por L. C. C., digitador daquele Serviço Notarial e foi ela assinada pelo declarante. Que a pessoa de C. F. F. não é e nunca foi funcionário daquele Serviço Notarial. Realmente a pessoa de C. F. F. foi quem abonou o cartão de assinatura de A. S. , não se recordando o declarante se C. o acompanhava naquele momento no Cartório, mas sabe que ele ali se fazia presente quando o cartão foi confeccionado. Questionado sobre a divergência nas rubricas do cartão de assinatura e da Procuração, afirma o declarante não haver quaisquer divergências entre as assinaturas ali constantes (…)

33 — Do depoimento do Paciente em sede indiciária, extrai-se:

(…) Que o declarante afirma que nunca esteve no cartório de Registro de Imóvel da cidade de Várzea Grande-MT para que fosse estar em seu nome e se isso aconteceu, alguém é que usou seu nome para defender interesses próprios.

34 — Sem maiores delongas, se o responsável pelo Cartório declarou que jamais esteve o Paciente naquelas dependências, se nem o nome nem a assinatura do mesmo consta naquela Procuração nem mesmo no translado realizado, como entendê-lo indiciado?!

35 — Por tudo o que se viu, de forma clara, dispensado o aprofundamento probatório incabível neste remédio constitucional, roga desde já o Impetrante a exclusão do nome do Paciente de ambos os inquéritos instaurados por encaminhamento de ambos os Impetrados. Por derradeiro, torna-se muito claro o que está ocorrendo — uma tentativa maliciosa, rasteira, desprezível do concorrente comercial do Paciente de enredá-lo em tramas que em nada se relacionam com o seu nome, a fim de colher vantagens judiciais, iludindo o Juízo de Araputanga e mentindo ao Juízo de Várzea Grande. Certamente, ambos ignoram o procedimento investigativo de parte a parte, fato que ressalta ainda mais a má-fé já historiada.

QUARTA ANOTAÇÃO: DA IMPOSSIBILIDADE DE REQUISIÇÃO JUDICIAL DE INQUÉRITO NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL

36 – Objetivamente, o que fez o MM. Juiz de Direito de Araputanga? Recordemos o seu despacho ao Ministério Público e à autoridade policial:

“Encaminho a Vossa Excelência cópia dos autos acima mencionados, para apuração de crime de falsificação de documentos, falsidade ideológica e outros correlatos”( Referia-se ao Processo 434/2004)

37 – Pergunta-se: pode-se negar o encaminhamento dado por um juiz de direito, a fim de investigar fatos supostamente criminosos?! De forma unânime, a doutrina e a jurisprudência ensinam que não.

38 – Preliminarmente, deve-se a menção obrigatória à diferença pouco anotada pela jurisprudência pátria, mas presente na doutrina alienígena, entendimento a ser urgentemente importado para os arestos nacionais. Trata-se de conformar o processo penal da década de 40 aos novos paradigmas constitucionais de 1988. Assim, a fim de apenas circunscrever essa confirmação ao prisma do caso concreto, tem-se a premência de um JUIZ NÃO APENAS FORMALMENTE ISENTO, MAS MATERIALMENTE DESINTERESSADO. Qual seria a diferença básica entre o conceito tradicional de isenção (formal) e o conceito que a Carta Magna quer ver implantado?

39 – O juiz formalmente isento é aquele que não guarda “interesse pessoal” no deslinde da causa. Não poderá ser amigo íntimo, inimigo capital, ter com o réu relações comerciais, sociedades, parcerias, ou com a parte adversa. É vedado ao magistrado antecipar sua convicção íntima sobre os casos em que vai atuar. Enfim, é o conceito clássico e estagnado de magistrado isento. Não basta. O magistrado deve ser “materialmente imparcial”, ou seja, não deve ter “interesse processual” no resultado da causa em questão. Tal diferenciação torna-se obrigatória na atual era das garantias na qual a Constituição Republicana soprou como premissas informadoras e diretivas do processo penal moderno.

40 – De forma que, poderá o magistrado que REQUISITOU DE OFÍCIO, A INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO AO MINISTÉRIO PÚBLICO, por constatar eventual surgimento de fato delituoso, instruir eventual processo? Temos para nós, escudados pela doutrina mais moderna e consentânea com o texto constitucional, que não. Por óbvio, o magistrado pode não ser “pessoalmente” comprometido, mas está invariavelmente contaminado “processualmente”. À toda evidência, concedeu o Texto Maior o monopólio da ação penal pública ao Ministério Público (art. 129,I), e agindo assim quis o legislador distanciar ainda mais o julgador de quaisquer intervenções judiciais na fase da coleta probatória mínima para o oferecimento da inicial.

41 – O juiz não deve, de forma alguma, imiscuir-se no Inquérito. E, se não pode participar do procedimento preliminar, o que dirá instaurá-lo? Não é entendimento de vanguarda, na verdade, mas simples constatação de que o MESMO MAGISTRADO responsável por determinar a instauração de um inquérito comprometeu minimamente sua cognição futura.

42 – Interne-se o entendimento balizado de um dos maiores doutrinadores nacionais, especialista na conformação constitucional das investigações preliminares, o ilustre e ilustrado promotor de justiça Marcelo Lessa Bastos, em sua obra “A investigação nos Crimes de Ação Penal de Iniciativa Pública”, ed. Lúmen Júris:

Outras anomalias ainda permeiam o Código, numa convivência promíscua com o sistema por ele reclamado.

Poder-se-ia destacar, numa leitura perfunctória: a requisição de instauração de inquérito policial por parte do juiz. (pág. 16)

Como se conceber um processo penal garantista que permita que o julgador — aquele que individualizará a lei no caso concreto, aplicando ao réu a sanção penal em virtude do delito que reconheceu ter ele cometido — poste-se à descoberta da autoria da infração penal e à colheita de elementos de prova iniciais em desfavor do réu?

Como se garante o fundamental direito à ampla defesa, obrigando-se o réu a se defender contra seu próprio julgador? Que o contraditório e equilíbrio substancial existem num processo unilateral, sem partes, onde quem acusa, mais tarde, dizer se possui ou não razão?! (pág. 38)

43 – Todavia, não é só aquele brilhante promotor que pensa dessa forma. A distorção processual da requisição judicial para instauração de inquérito policial, como ele mesmo adjetiva o procedimento canhoto, foi notada muito antes, em 1998, pelo festejado Geraldo Prado, em sua obra “Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais”, Ed. Lúmen Juris. Da obra referendada pela maioria dos tribunais nacionais, extraem-se trechos esclarecedores:

(…)

Tal conformação só admitirá a influência das atividades realizadas pela defesa, se o juiz, qualquer que seja ele, não estiver desde logo psicologicamente envolvido com uma das versões em jogo. Por isso, a real acusatoriedade depende da imparcialidade do julgador, que não se apresenta meramente para se lhe negar, sem qualquer razão, a possibilidade de também acusar, mas, principalmente, por admitir que a sua tarefa mais importante, decidir a causa, é fruto de uma consciente e meditada opção entre duas alternativas, em relação às quais manteve-se, durante todo o tempo, eqüidistante. (pág. 128)

(…)

Não basta somente assegurar a aparência de isenção dos juízes que julgam as causas penais. Mais do que isso, é necessário garantir que, independentemente da integridade pessoal e intelectual do magistrado, sua apreciação não esteja em concreto comprometida em virtude de algum juízo apriorístico (pág.131).

(…)

Exemplo claro de causa de impedimento, derivada desta ordem de coisas, reside na impossibilidade de o juiz que tenha requisitado a instauração de inquérito policial vir a processar e julgar acusado em processo penal iniciado em razão desta investigação. Observe-se que nesta hipótese o juiz poderá se sentir habilitado a apreciar com isenção as teses que eventualmente a defesa venha a apresentar. Todavia, o réu não poderá confiar em um juiz que, independentemente de qualquer causa penal, já se manifestou a princípio pela existência de uma infração penal, ainda que ao nível de um juízo sumário, provisório e superficial. De fato, nestas circunstâncias, poderá haver inversão do ônus da prova, com o réu se sentindo impelido a demonstrar que o juiz inicialmente não tinha razão. A confiabilidade das partes na isenção do juiz emerge como condição de validade jurídica dos atos jurisdicionais. Ausente tal requisito, estaremos diante de atos absolutamente nulos. (pág.131)

(…)

A ordem das coisas colocadas no processo permite, pragmaticamente, constatarmos que a ação voltada à introdução do material probatório é precedida da consideração psicológica pertinente aos rumos que o citado material, se efetivamente incorporado ao feito, possa determinar. (pág.158)

(…)

Quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador. Desconfiado da culpa do acusado, investe o juiz na direção da introdução dos meios de prova que sequer foram considerados pelo órgão de acusação, ao qual, nestas circunstâncias, acaba por substituir. (pág.158)

44 – Comunga do entendimento firmado acima o próprio Superior Tribunal de Justiça, gizando com todas as letras e por unanimidade, a invalidade das provas colhidas em procedimento policial, movido pelo próprio magistrado. De duas uma: ou tomamos como ilícito o meio de prova oriundo de um inquérito viciado pela postura comprometida do “juiz-solicitador” (redundando no trancamento da ação penal no seu nascedouro processual) ou, quando muito, consideramos o “juiz-solicitador” como impedido para conduzir o processo ao qual iniciou de ofício, ainda que de forma indireta.

45 – Este é o ATUAL ENTENDIMENTO DO STJ. Senão, vejamos o processo HC 4769 PR (95.0037461-7), julgamento onde participaram os Ministros Anselmo Santiago, Vicente Leal, Adhemar Maciel e William Peterson, tendo como relator o brilho costumeiro da inteligência do Min. Luiz Vicente Cernicchiaro:

RHC — CONSTITUCIONAL — PROCESSUAL PENAL — MAGISTRADO — MINISTÉRIO PÚBLICO — o magistrado e o membro do Ministério Público se houverem participado da investigação probatória não podem atuar no processo. Reclama-se isenção de ânimo de ambos. Restaram comprometidos (sentido jurídico). Daí a possibilidade de argüição de impedimento ou suspeição.

46 – Tomamos este aresto como paradigmático ao caso concreto, pela absoluta identidade processual e lucidez manejada pela Corte Superior. Naquele julgado, o Min. Relator Cernicchiaro, expôs trabalho de próprio punho, no seguinte sentido:

O espaço é limitado. Levanto uma questão. O juiz que realizar a diligência poderá presidir o processo? Sabe-se, o magistrado precisa ser isento. Não ter interesse pessoal algum. Daí o impedimento e a suspeição.

Haverá isenção (sentido normativo) para processar e julgar quem promoveu, reservadamente, a prova?

Tenho que a resposta se impõe negativa.

Quem recolheu a prova (ainda que isentamente), com ela ficou comprometido. Pelo menos impressionado. Ao presidir a instrução, até inconscientemente, tenderá a orientar a coleta dos elementos probatórios no sentido de confirmar o que foi por ele recolhido.

(…)

A 6ª Turma do STJ decidiu questão semelhante.

Dois promotores, por designação superior, acompanharam o inquérito policial; tiveram parte ativa na coleta de provas. Um deles ofereceu a denúncia e arrolou o outro como testemunha. A sentença, por sua vez, acolheu a imputação e condenou o acusado. Pormenor importante: o decreto condenatório considerou relevante o depoimento do promotor. O acórdão anulou o julgamento; considerou que a testemunha não era isenta, estava comprometida com a prova em cuja produção tivera relevante atividade.

A mesma conclusão decorre da prova colhida pelo juiz. Como no caso do promotor, também fica comprometido. Impõe-se a outro magistrado presidir a instrução e proferir a sentença. Repita-se a advertência: não basta a mulher de César ser honesta; precisa parecer honesta!

47 – E remata o brilhante pretor o julgamento do HC 4769:

Ministério Público e magistratura não podem estar comprometidos com o caso sub judice. Daí a possibilidade de argüição de impedimento, ou suspeição, dos respectivos membros.

Se um, ou outro, atua na coleta de prova que, por sua vez, mais tarde, será a base do recebimento da denúncia, ou do sustentáculo da sentença, ambos perdem a imparcialidade, no sentido jurídico do termo. Não se confunde com o interesse pessoal de a decisão seguir um caminho, ou outro.

O comprometimento, insista-se, reside no interesse de elas serem prestigiadas, exaustivas, bastantes para arrimar sentença de condenação, ou de absolvição.

Além disso, é tradicional, não se confundem três agentes: investigador do fato (materialidade e autoria), órgão de imputação e agente do julgamento.

No caso dos autos, sem dúvida, o ilustre magistrado, no sentido acima, ficará comprometido com a prova. Urge outro juiz atuar no processo criminal.

DA FORMULAÇÃO DE PEDIDOS:

48 – Frente ao exposto, à fartura de provas colacionadas na presente Exordial Liberatória de todos os fatos e fundamentos vazados, requer o Impetrante:

a) Seja concedida liminar no presente writ of mandamus para suspender cautelarmente o curso de ambos os cadernos investigativos, que tramitam nas Comarcas de Várzea Grande e de Araputanga, para também abster-se o Paciente de comparecer a qualquer audiência inquisitiva, enquanto não julgado definitivamente o mérito deste remédio heróico;

b) Seja comunicado ao Juízo de Araputanga estes acontecimentos descritos e provados com documentos, de modo a tomar conhecimento das ações perpetradas pelo Grupo Agropecuária* e tomar as providências que entender por bem;

c) Seja determinado a exclusão do nome do Paciente de ambos os inquéritos policiais, determinando a retificação nos registros policiais, considerada de plano e sem aprofundamento probatório, a conduta investigada como completamente desvinculada da conduta do Paciente, sendo estranho à relação procedimental investigatória ou, de outro lado, considerada a impossibilidade constitucional da requisição judicial de instauração de inquérito;

d) Pelo princípio da eventualidade, não havendo a exclusão pretendida na hipótese anterior, seja firmada a competência da COMARCA DE ARAPUTANGA, a fim de que seja assegurada a plenitude da defesa concentrada em uma das jurisdições, coibindo-se responder o Paciente pelo mesmo fato narrado em dois locais distantes 400 km no mesmo Estado. Como sucedâneo, seja considerado incompetente o Juízo Impetrado para requisitar a instauração de investigação, determinando o trancamento do respectivo inquérito policial em curso em Várzea Grande;

e) Seja colhido o parecer sempre benfazejo do Ilustre Representante do Ministério Público assim como as informações de praxe de ambos os Impetrados para, após, serem conclusos os autos para a colocação do processo para julgamento em mesa, com a prioridade do procedimento especial regulamentador de HC;

f) Seja encaminhada cópia de todo o processo à Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Mato Grosso, para que o Dr. Francisco de Assis OAB/PR 16615 e Dr. Júlio César Rodrigues OAB/MT 6166, possam ser objeto de apuração disciplinar;

g) Seja conhecida a presente ação mandamental para, no mérito, ser provida nos quesitos “A” e “C” ou “D” deste Capítulo.

Termos em que

Pede Deferimento.

Cuiabá, 22 de março de 2005.

EDUARDO MAHON

OAB/MT 6363

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