Preço da geladeira

Banco é condenado por colocar trabalhador na “geladeira”

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8 de maio de 2005, 10h09

O trabalhador que tem suas funções esvaziadas pelo chefe sofre dano moral, pois a alteração das condições do contrato de trabalho só pode ser feita por mútuo consentimento, de patrão e empregado. Com esse entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) condenou o Unibanco a indenizar um ex-empregado.

De acordo com o processo, por causa de tendinite adquirida no trabalho como digitador, o autor da ação foi transferido para um “galpão desativado”, onde ficava “totalmente isolado dos demais empregados e sem qualquer função ou atividade específica a exercer”.

O trabalhador afirmou que cumpria a jornada “lendo jornal” e que, quando estava no galpão, “o gerente e demais funcionários do departamento de compras faziam piadas quando ia almoçar, com relação ao fato de estar ‘imprestável’ e estar ganhando salário sem trabalhar”.

Em primeira instância, a 29ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou o banco ao pagamento de indenização por danos morais. O Unibanco recorreu da sentença ao TRT-SP, sustentando que a transferência do digitador não causou “qualquer violação à personalidade do autor”, e que não foi comprovada no processo “qualquer ofensa aos atributos morais, físicos, intelectuais ou sociais do empregado”.

Segundo o juiz Valdir Florindo, relator do recurso, as acusações do trabalhador foram confirmadas pelo próprio representante do banco, ao reconhecer que o digitador e outros empregados com problemas de saúde permaneciam isolados dos demais funcionários.

De acordo com o relator, o artigo 468 da CLT — Consolidação das Leis do Trabalho determina que, “nos contratos individuais de trabalho, só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, trazendo com isso a regra da imutabilidade contratual”.

Para o relator, ficou configurado o dano moral, “já que o banco recorrente impediu o recorrido de cumprir sua obrigação no contrato de trabalho, deslocando-o para atividades menos nobres que as desempenhadas anteriormente”.

A decisão da 6ª Turma foi unânime. O Unibanco foi condenado a pagar indenização por dano moral equivalente a um mês de remuneração do empregado por ano efetivo de serviço.

Leia a íntegra da sentença

PROCESSO: 02664.2002.029.02.00-4 – 6ª TURMA

RECORRENTE: UNIBANCO UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS S/A

RECORRIDO: ROBSON GALLIS COSTA

29ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

EMENTA:

DANO MORAL. ESVAZIAMENTO DE FUNÇÕES. CONFIGURAÇÃO:

O artigo 468 do Texto Consolidado prescreve que nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, trazendo com isso a regra da imutabilidade contratual. Contudo, é consabido de todos que o Direito do Trabalho conferiu ao empregador certo jus variandi, que tem sido utilizado com excesso, sobretudo na busca de perseguir alguns trabalhadores, resultando em transferências injustificáveis, as quais trazem nítidos prejuízos.

Invariavelmente, alguns procedimentos de direção e disciplinamento adotados pelo empregador extrapolam os limites de respeito que deve presidir as relações de trabalho e com isso atingem a dignidade do ser humano trabalhador, como no caso dos autos.

RELATÓRIO

O reclamante postula através da presente ação (fls. 03/05) a percepção de horas extras acrescidas de reflexos e indenização a título de dano moral, o que foi contestado pelo banco reclamado às fls. 158/169.

A ação foi julgada procedente em parte às fls. 171/175 para condenar o reclamado ao pagamento de horas extras e reflexos, além de indenização por dano moral equivalente a um mês de remuneração por ano efetivo de trabalho ou fração superior a seis meses calculados até a distribuição da reclamatória.

A reclamada interpõe recurso ordinário às fls. 177/188, argüindo, preliminarmente, a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciação do pedido de indenização a título de dano moral. No mérito, aduz que não houve qualquer violação à personalidade do autor, asseverando, ainda, que o mesmo não faz jus a horas extras, já que exercente de cargo de confiança. Pretende, ainda, a reforma do julgado “a quo” no que concerne aos descontos fiscais.

Preparo às fls. 190/191.

O reclamante apresenta contra-razões às fls. 195/200.

Parecer do Ministério Público do Trabalho à fl. 202.

É o relatório, em síntese.

V O T O

1. Conheço do recurso ordinário, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

2. Da Preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho:

Preliminarmente, o recorrente postula seja reconhecida a incompetência desta MM Justiça Especializada para apreciar e julgar o pleito de indenização por danos morais. Sem razão.


Não obstante a redação originária do artigo 114 da Constituição Federal de 1.988, já declinasse a competência desta MM Justiça Especializada para conciliar e julgar dissídios entre trabalhadores e empregadores envolvendo reparação por danos morais, fato concreto é que a questão restou expressamente resolvida através da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, valendo transcrever abaixo o inciso VI, assim regidido:

“Artigo 114: Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

“…

“VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;”

Vê-se, portanto, que o fundamental para definir a competência da Justiça do Trabalho é que o litígio derive da relação de trabalho, como no caso sub judice, aplicando-se, à espécie, o entendimento corretamente consubstanciado através da Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho -Seção de Dissídios Individuais (Subseção I) de nº 327.

Rejeito a presente preliminar.

3. Dos danos morais:

O recorrente aduz em sua peça recursal que não há falar em pagamento de indenização a título de dano moral, pois não restou comprovado nos autos qualquer ofensa aos atributos morais, físicos, intelectuais ou sociais do empregado. Sem razão.

O reclamante informou desde a prefacial (fl. 04 e seguintes) que em decorrência de doença profissional adquirida no reclamado, o Sr. Mansur, gerente da área na qual encontrava-se lotado, lhe transferiu juntamente com outros cinco colegas para um galpão desativado…denominado de CINU, onde ficavam, totalmente isolados dos demais empregados e sem qualquer função ou atividade específica a exercer. Asseverou, ainda, que indigitado setor era desprovido de qualquer condição de labor, face a deficiência de ventilação e iluminamento e, também, em razão do acúmulo de poeira. Disse, ainda, que freqüentemente era exposto a constrangimentos e humilhações que provinham dos demais funcionários do banco reclamado, situação esta que perdurou por cerca de um ano, até a chegada do novo gerente de nome Carvalho, ocasião em que foi transferido para o CAU – Centro Administrativo Unibanco.

O recorrente esclareceu, ainda, em depoimento pessoal prestado à fl. 155, que em razão das sequelas da tendinite, …foi afastado de suas funções de digitação; que… não tinha nenhuma função e permanecia lendo jornal; que quando…estava no galpão, o gerente e demais funcionários do depto de compras faziam piadas quando o depoente ia almoçar, com relação ao fato do autor estar ‘imprestável’ e estar ganhando salário sem trabalhar…; que desde junho de 98, antes de ir para o mencionado galpão, também sofreu humilhações, tendo em vista que tinha acesso bloqueado à sua área de trabalho…

Referidas assertivas foram confessadas pelo próprio preposto do banco recorrente, que às fls. 155/156 reconheceu que ficavam com o reclamante cerca de 5 ou 6 funcionários, todos com problemas de saúde; que os mesmos permaneciam isolados dos demais funcionários em uma sala; que o chefe permanecia em outro local, a cerca de 2km do Sinu.

Ora, o artigo 468 do Texto Consolidado prescreve que nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, trazendo com isso a regra da imutabilidade contratual. Contudo, é consabido de todos que o Direito do Trabalho conferiu ao empregador certo jus variandi, que tem sido utilizado com excesso, sobretudo na busca de perseguir alguns trabalhadores, resultando em transferências injustificáveis, as quais trazem nítidos prejuízos.

O jovem jurista, Siqueira Neto, profundo estudioso do dano moral, admite seu cabimento em transferências abusivas, reconhecendo que os empregadores, por conta de um Sistema de Relações de Trabalho conveniente, possuem excessivos poderes sobre os trabalhadores no relacionamento cotidiano, afirmando ainda que: “Esse poder, contudo, muitas vezes é exercido com inegável autoritarismo e na mais absoluta unilateralidade. Ao contrário dos países desenvolvidos, o Brasil ainda possui um Sistema de Relações de Trabalho bastante favorável aos desmandos patronais. Assim, não raro situações em que o empregador, ao invés de resolver um conflito através do diálogo, utiliza-se das prerrogativas que a legislação trabalhista lhe confere, e passa a perseguir discretamente o seu desafeto. É desta forma que surgem as transferências desnecessárias e abusivas, exclusivamente motivadas no sentido de importunar o trabalhador transferido. Nessas circunstâncias, onde inegavelmente o trabalhador fica exposto a toda sorte de humilhações e degradações, entendemos cabível reparação por danos morais.”

Invariavelmente, alguns procedimentos de direção e disciplinamento adotados pelo empregador extrapolam os limites de respeito que deve presidir as relações de trabalho e com isso atingem a dignidade do ser humano trabalhador, como no caso dos autos.


Certamente, in casu configurou-se o dano moral noticiado na preambular, já que o banco recorrente impediu o recorrido de cumprir sua obrigação no contrato de trabalho, deslocando-o para atividades menos nobres que as desempenhadas anteriormente. No mesmo sentido, aliás, válido transcrever, ainda, a opinião do Ilustre Jurista e Professor João de Lima Teixeira Filho que, ao estudar o assunto sobre este enfoque, afirma que “…em ambos os casos, o propósito de diminuir o empregado, colocá-lo em situação vexatória, revela o ilícito deflagrador da rescisão por via oblíqua do contrato de trabalho (dano material) e a lesão à honra do trabalhador, desencadeadora da compensação pelo dano moral.”

A honra e a dignidade humana são bens juridicamente tutelados, que devem ser preservados e prevalecer sempre, já que a Constituição Federal (artigo 5º, incisos V e X) e a legislação sub-constitucional (artigo 159 do Código Civil Brasileiro de 1916, vigente à época dos fatos) não autorizam esse tipo de agressão e asseguram ao trabalhador que sofrer essas condições vexaminosas, a indenização por danos morais.

Com efeito, se é verdade que em decorrência da tendinite a qual o empregado é portador, já não teria condições de exercer os misteres de digitação anteriormente desenvolvidos, não menos verdade que poderia exercer outras funções compatíveis com seu estado atual o que, entretanto, não foi observado pelo banco reclamado, que preferiu colocá-lo em situação que maculou sua reputação.

Frise-se, a propósito, que o fato de a denegação de serviços não prejudicar a percepção de salários pelo recorrido, não tem o condão, por si só, de descaracterizar o descaso perpetrado pelo banco recorrente.

Carlos Alberto Bittar em sua obra “A Reparação Civil por Danos Morais”, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1994, aumenta o leque de situações, dizendo que “Pode, ademais, sofrer danos em seu estatuto profissional, seja como empregado, seja como contratado, seja como estranho (como, por exemplo, em sanções indevidas, em despedidas imotivadas, em ruptura injusta de contrato, em divulgação de fato ofensivo ou de escrito injurioso, ou de outra qualquer ação lesiva do gênero (fl. 166). Na relação empregatícia, situações como: esvaziamento de funções, desprestigiamento de ocupante de cargo de direção, promoção vazia, são hipóteses elencadas, dentre outras, nos repertórios especializados (fl. 175)”.

Assim, vislumbro a ocorrência de dano moral, razão pela qual mantenho a condenação da reclamada ao pagamento de indenização equivalente a um mês de remuneração do empregado por ano efetivo de serviço, ou fração superior a seis meses, calculada até a data da distribuição da presente reclamatória, que reputo justa e razoável em face da prática perpetrada pelo reclamado.

Nada a reformar.

4. Do cargo de confiança:

Também sem qualquer fundamento a alegação patronal de que o autor exercia cargo de confiança, pois o próprio preposto reconheceu em juízo que o reclamante possuía um cargo técnico (vide fl. 156), não havendo nos autos qualquer elemento capaz de configurar a fidúcia argüida pelo réu. Aliás, o simples fato de o empregado ter representado o banco recorrente em algumas audiências realizadas perante essa MM Justiça Especializada, por si só, não tem o condão de enquadrá-lo na exceção disposta no § 2º do artigo 224

Consolidado.

Mantenho, portanto, a condenação ao pagamento de horas extras, eis que em perfeita consonância com as provas colacionadas ao processado.

5. Descontos fiscais:

No que diz respeito aos descontos fiscais, razão assiste ao réu.

Autorizo sua retenção, desde que fique comprovado induvidosamente que, na época própria, com o cumprimento espontâneo da legislação trabalhista, estava o autor sujeito ao pagamento do tributo sobre tais verbas, de maneira a não descontar imposto de renda superior ao que recolheria normalmente sem que houvesse o processo, pois do contrário acabaria representando uma punição depois de longos anos de espera pelo procedimento trabalhista. Neste caso, não se permitira que o problema do pagador afete quem tem a receber. Assim, presente o escopo do processo que é colocar a parte na situação que estaria caso não houvesse a procura pela solução jurisdicional.

Porém, acompanho meus pares na apreciação deste tema, que autorizam o desconto sobre o valor global, aplicando à espécie o disposto na Orientação Jurisprudencial nº 228 da SDI – 1 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Acolho.

C O N C L U S Ã O

Diante do exposto, rejeito a preliminar argüida, admito o recurso ordinário, e, no mérito, dou-lhe provimento parcial para determinar que os descontos fiscais sejam apurados nos moldes preconizados pela Orientação Jurisprudencial nº 228 da SDI – 1 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, de acordo com a fundamentação.

Mantenho o valor da causa arbitrado pelo MM Juízo de origem.

É como voto.

VALDIR FLORINDO

Juiz Relator

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