Bem de família

Justiça suspende leilão de apartamento de idosos

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6 de maio de 2005, 11h05

Um casal de idosos — Osvaldo Machado e Iria Rainicke Machado — conseguiu suspender o leilão judicial do apartamento em que eles moram. A decisão, tomada esta semana, é do desembargador Otávio Augusto de Freitas Barcelos, da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O imóvel seria alienado judicialmente na quinta-feira (5/5), às 10h30.

O desembargador considerou o entendimento manifestado recentemente pelo ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática, no Recurso Extraordinário 359.240. Para o ministro, “a Emenda à Constituição Federal nº 26/00, ao incluir a moradia entre os direitos sociais garantidos, impede a constrição judicial do imóvel que serve de residência à entidade familiar, não recepcionando a exceção à penhora do bem de família do fiador inscrita na Lei do Inquilinato”.

O desembargador ressaltou que sua decisão não implica em reconhecer a ilegalidade do leilão e imóveis. Somente considerou que “dada a exigüidade de tempo, a prudência e o bom senso estão a indicar a necessidade de suspender os leilões aprazados, na medida em que, uma vez vindo a se conformar a nova tendência interpretativa do texto constitucional, amplamente divulgada pela mídia nacional, e francamente favorável ao fiador em contrato de locação, não se verificará lesão grave e de difícil reparação ao direito individual dos ora impetrantes”.

“Se, ao contrário, a nova tendência não for acatada pela Corte Maior, sempre haverá a possibilidade do aprazamento de novas datas para os leilões, sem grandes prejuízos para as partes envolvidas na relação jurídica”, ressalvou o ministro. A informação é do site Espaço Vital.

Caso concreto

A ação de execução para alienar o imóvel é movida pela Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul. Osvaldo Machado era sócio majoritário e gerente da Drogaria e Farmácia Popular. O empreendimento faliu. O casal era fiador no contrato de locação. A execução foi suspensa contra a massa falida mas prossegue contra os fiadores.

O casal — ele com 80 anos e ela com 75 anos de idade — vive da aposentadoria do INSS. A ação de despejo por falta de pagamento, cumulada com cobrança de aluguéis e acessórios, foi proposta em maio de 1999. O apartamento do casal fiador, situado no centro de Porto Alegre, está avaliado em R$ 88 mil. Caso não fosse arrematado no primeiro leilão, seria feito um segundo, no dia 19 de maio, quando seria vendido por qualquer preço, desde de que não fosse insignificante.

O relator determinou a intimação dos interessados para que se manifestem sobre a decisão. Após o parecer do Ministério Público, o Mandado de Segurança será levado a julgamento na 15ª Câmara Cível do TJ-RS.

Processo nº 70011610292

Leia a íntegra da decisão

MANDADO DE SEGURANÇA. FIANÇA LOCATÍCIA. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. LEILÃO. SUSPENSÃO LIMINAR. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ART 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 26, QUE INSTITUIU A MORADIA COMO DIREITO SOCIAL. PRECEDENTE DO STF. “O bem de família — a moradia do homem e sua família — justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental”. “Em síntese, o inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009, de 1990, introduzido pela Lei nº 8.245. de 1991, não foi recebido pela CF, art. 6º, redação da EC nº 26/2000”.

Mandado de Segurança

Décima Quinta Câmara Cível

Nº 70011610292

Comarca de Porto Alegre

OSVALDO RAUPP MACHADO — IMPETRANTE

IRIA RAINICKE MACHADO — IMPETRANTE;

JUIZ DE DIREITO DA 3ª Vara CíVEL — 2º Juizado — da COMARCA DE PORTO ALEGRE — COATOR;

FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL — INTERESSADO;

DROGARIA E FARMáCIA POPULAR LTDA. — INTERESSADO.

DECISÃO

Vistos.

Embora não reconhecendo a existência de qualquer ilegalidade na tramitação do processo nº 10500855181, forçoso admitir que a v. decisão monocrática proferida pelo eminente min. Carlos Velloso, quando do exame do recurso extraordinário nº 352940, representa uma tendência, que poderá ou não ser acatada pelos demais membros do colendo Sodalício Maior, modificando diametralmente a orientação que até agora vinha sendo consagrada no egrégio STJ, e secundada por decisões unânimes das colendas 15ª e 16ª Câmaras Cíveis que compõem o 8º Grupo Cível deste Tribunal, com competência para o exame da questão.

Segundo explicita o eminente ministro Carlos Velloso, a lei nº 8.245/91 permitia a penhora de imóvel de família por “obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”. Entretanto, o art. 6º da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, ao incluir a moradia entre os direitos sociais garantidos pela Carta Magna, impede a constrição judicial do imóvel que serve de residência à entidade familiar, posto que tal texto da Emenda Constitucional não teria recepcionado a exceção à penhora do bem de família inscrita na Lei do Inquilinato.

Extrai-se do precedente que embasa a presente segurança, dentre outros fundamentos importantes:

“O bem de família — a moradia do homem e sua família — justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.

“Posto isso, veja-se a contradição: a Lei nº 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei nº 8245, de 1991, inciso VII do art. 3º feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito.

“Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei nº 8.245/91, não foi recebido pela EC nº 26, de 2000.

“Essa não recepção mais se acentua diante do fato de a EC nº 26, de 2000, ter estampado, expressamente, no art. 6º, CF, o direito à moradia como direito fundamental de 2ª geração, direito social. Ora, bem de família — Lei 8.009/90, art. 1º – encontra justificativa, foi dito linha atrás, no constituir o direito à moradia um direito fundamental que deve ser protegido e por isso mesmo encontra garantia na Constituição.

“Em síntese, o inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009, de 1990, introduzido pela Lei nº 8.245. de 1991, não foi recebido pela CF, art. 6º, redação da EC nº 26/2000”.

Nestas circunstâncias, ainda que afastando de forma veemente qualquer reconhecimento de ilegalidade na condução do processo, repita-se, até porque não há notícia de que a MMª autoridade apontada como coatora tenha sido instada a se manifestar a respeito do assunto, o que poderia, inclusive, ter evitado o manejo do presente remédio heróico, no caso vertente, e dada a exigüidade de tempo, a prudência e o bom senso estão a indicar a necessidade de suspender os leilões aprazados, na medida em que, uma vez vindo a se confirmar a nova tendência interpretativa do texto constitucional, amplamente divulgada pela mídia nacional, e francamente favorável ao fiador em contrato de locação, não se verificará lesão grave e de difícil reparação ao direito individual dos ora impetrantes.

Se, ao contrário, a nova tendência não for acatada pela Corte Maior, sempre haverá a possibilidade do aprazamento de novas datas para os leilões, sem grandes prejuízos para as partes envolvidas na relação jurídica.

Razão pela qual, presente os requisitos legais, uma vez que relevantes os fundamentos invocados e, porque do ato impugnado pode resultar a ineficácia da ordem judicial, caso concedida somente a final, nos termos do art. 7º, inc. II, da Lei nº 1.533/51, bem como se apresentando a possibilidade real e efetiva de resultar dano grave e de difícil reparação da decisão judicial que aprazou e manteve os leilões do imóvel residencial dos fiadores em contrato de locação, em face da nova orientação da Suprema Corte acerca do alcance do art. 6º da Constituição Federal, defiro a liminar pleiteada para o fim de suspender os leilões previstos para os dias 5 e 19 do corrente mês de maio, às 10:30 horas.

Comunique-se, com urgência, à digna autoridade apontada como coatora.

Dispenso as informações, por se tratar de questão unicamente de direito, e, determino a imediata intimação dos interessados para que se manifestem, no decêndio legal.

Após o decurso do prazo assinado, com ou sem a manifestação dos interessados, ouça-se o Ministério Público.

Dil. legais. Cumpra-se. Intimem-se.

Porto Alegre, 04 de maio de 2005, às 13h44min.

Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, relator

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