Preconceito racial

Clodovil é condenado por chamar vereadora de macaca

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4 de maio de 2005, 18h08

O apresentador de TV Clodovil Hernandez foi condenado a pagar indenização por dano moral equivalente a 80 salários mínimos — cerca de R$ 20.800 — para a vereadora Claudete Alves da Silva Souza (PT). A sentença que condenou o apresentador é do juiz Caio Marcelo Mendes de Oliveira, da 23ª Vara Cível Central da capital paulista.

Claudete entrou com ação ordinária na Justiça porque o estilista e apresentador de TV a chamou de “macaca de tailleur metida a besta”, durante entrevista a um jornal paulista. A vereadora é negra.

O valor da indenização deve ser corrigido pela taxa de juro de 1% ao mês. O juiz determinou, ainda, que a sentença seja divulgada pela Rede TV e pelo jornal Folha de S. Paulo. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

No dia 17 de março de 2004, Clodovil comentou no programa “A Casa é Sua”, da RedeTV, as reclamações do cantor Agnaldo Timóteo (PP) sobre a presença de fiscais municipais no centro de São Paulo, que o impediam de vender seus CDs. “Tem que vender disco na rua (…) Ele vai fazer o quê? Ele vai fazer o que todo crioulo faz no Brasil? Vai virar ladrão, bandido ou o quê?”, disse Clodovil.

Por causa das declarações, Claudete entrou com uma representação contra o apresentador, no Ministério Público, por racismo. Clodovil reagiu. “Aposto que essa vereadora é uma macaca de tailleur metida a besta”, disse.

Clodovil disse que sempre defendeu os negros e alegou ter reagido em legítima defesa, de acordo com os autos. O apresentador afirmou ainda que, ao ter suas declarações relacionadas ao racismo, foi ele quem teve prejuízo de imagem, não a vereadora. Alegou também que não há dano algum a ser indenizado e requereu a improcedência da ação. Ele pediu que, no caso de ser condenado, se levasse em conta que houve pedido de desculpas públicas.

“Efetivamente, após a primeira frase, em que se poderia dizer estar o Réu se defendendo de injusta agressão, as outras extravasaram esta situação”, concluiu o juiz. Ao determinar o valor, o juiz levou em conta o pedido público de desculpas feito pelo apresentador. Ele também considerou a conduta da vereadora que, na sua opinião, contribuiu para a situação criada.

Leia a íntegra da sentença:

Sent.Compl: Pedido Julgado Parcialmente Procedente

Vistos. CLAUDETE ALVES DA SILVA SOUZA, vereadora no Município de São Paulo, promove ação ordinária contra CLODOVIR HERNANDES, também conhecido como Clodovil Hernandez, estilista, porque, em 17.3.2004, no programa televisivo “A Casa é Sua”, exibido pela Rede TV, ao tentar defender a conduta do cantor Agnaldo Timóteo, por vender discos em praça pública, disse que “Ele vai fazer o que todo crioulo faz no Brasil? Vai virar ladrão, bandido, o quê?” Por isso, dizendo-se perplexa, a Autora representou o Réu para o Ministério Público do Estado, acusando-o de crime de racismo. Indagado por repórter do Jornal Folha de São Paulo, a respeito, o Réu, dois dias depois, respondeu: “Aposto que essa vereadora é uma macaca de tailleur metida a besta”, o que teria caracterizado menosprezo em relação a ela, por pertencer a determinado grupo racial.

Segundo a inicial, as imputações ofensivas não pararam aí e, ainda sob o enfoque daqueles fatos, o Réu , aludindo à Autora, em 22.4.2004, no mesmo programa televisivo, falou: “vem essa boboca dessa vereadora tonta dizendo que eu tenho preconceito de cor”. E no dia seguinte: “Isso tudo é uma jogada. Essa vereadora, eu liguei para ela outro dia, quando vi o nome dela no jornal, e sabe o que ela me falou? Que não estava a fim de falar comigo, que eu procurasse o advogado dela.

É uma suplente querendo fazer sucesso, e querendo fazer essa coisa que é atender o poder escuso que todo partido tem por debaixo, trabalhando contra mim”. E, mais ainda: “Quando as pessoas são pessoas, a arrogância, o ódio se transforma em amor, quando elas são pessoas mesmo, e não animais vestidos de saia”. Posteriormente, no programa de 6 de maio:”Será que aquela senhora que era candidata a vereadora, que pretende ser famosa um dia(…) A senhora é que tem problema com gente tonta que nem a senhora, isto eu tenho mesmo, porque gente tonta deveria estar presa. Olha, burrice não sara, bebedeira sara, mas burrice não, então vai lá procurar a sua turma, com essa coisa de me colocar contra os negros, o que significa isso? Vai se tratar!

A senhora quer fama? Faz como eu: trabalha, insiste que a senhora consegue.” Assim, considerando injuriosas tais afirmações, traduzindo menoscabo e causando-lhe abalo emocional, ofendida na sua dignidade e decoro, pretende a Autora que o juízo lhe arbitre indenização por danos morais, mandando publicar e transmitir a decisão no programa televisivo e no jornal Folha de São Paulo. O Réu contestou a ação, argüindo preliminar de inépcia da petição inicial, por faltar-lhe pedido certo e determinado.

No mais, afirmou já ter sido rejeitada a queixa crime pelas supostas injúrias das quais foi acusado. Diz que a ele foi imputado crime absurdo de racismo, tendo sempre defendido os negros e, portanto, agido em legítima defesa, tendo a atitude da Autora provocado, de forma reprovável, a resposta, de acordo com o artº 140, § 1º, I, do Código Penal. Prosseguiu, referindo que a Autora ingressou na Câmara Municipal como suplente, e quem teve, nas circunstâncias, a imagem abalada foi ele mesmo, acusado injustamente de racismo. Ademais, não constituiria abuso de direito a divulgação, discussão e crítica de atos e decisões do Poder Executivo e seus agentes, segundo a própria Lei de Imprensa.

Finalmente, não teria havido dano algum a ser indenizado, e a ação seria improcedente, mas, caso seja condenado, pretende que se leve em conta que houve pedido de desculpas públicas, razão porque qualquer valor que fosse deferido à Autora não poderia passar daquele dado à causa. Sobre a contestação pôde manifestar-se a Autora. É o relatório. Passo a decidir. O julgamento da lide no estado em que se encontra é medida que se impõe. Ao menos neste momento não vislumbro possibilidade de conciliação entre as partes e não há questão de fato a ser provada. Basicamente todas as afirmações da inicial foram confirmadas na contestação o que dispensa, por desnecessária, dilação probatória. A preliminar é afastada.

Nada impede que a parte formule pedido de arbitramento judicial, no caso de reparação por dano moral. É esta, aliás, a melhor solução, evitando-se exageros. O que cumpre ao prejudicado é expor os fatos e a extensão e natureza dos prejuízos sofridos, e ao juízo fixar a indenização baseado nos regramentos do direito positivo. Nosso direito dá guarida aos princípios jura novit cúria e do da mihi factum, dabo tib jus. No mérito, a ação procede, em parte. Se, num primeiro momento, poder-se ia relevar a conduta do Réu, ao responder a uma acusação de racismo formulada pela Autora que, afinal, como muito bem enfocado na r. sentença copiada a f. 124/9, verificou-se infundada, depois houve novos ataques não contestados. Efetivamente, após a primeira frase, em que se poderia dizer estar o Réu se defendendo de injusta agressão, as outras extravasaram esta situação. Com efeito, as outras imputações ofensivas, a partir de 22.4.2004, foram desnecessárias e é razoável a conduta da Autora de vir a juízo reclamar reparação, na medida em que podem perfeitamente ter causado sofrimento a nível moral.

Na fixação da indenização, levando em conta a situação mostrada nos autos da conduta da Autora que, como visto, também contribuiu para a situação criada, e ainda o pedido de desculpas, considero razoável o valor equivalente a oitenta salários mínimos, o que nesta data, corresponde a R$ 20.800,00.

Em face do exposto, julgo a ação procedente, em parte, para o fim de condenar o Réu a pagar à Autora, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 20.800,00, valor a ser atualizado monetariamente, a partir desta data em que é fixado, e acrescido de juros de mora, contados da citação, à taxa de 1% ao mês, bem como na veiculação da sentença condenatória, na forma pretendida, junto à Rede TV Omega Ltda. e Jornal Folha de São Paulo. Por força da sucumbência, responderá o Réu pelas custas do processo e por honorários de advogado arbitrados em dez por cento do valor da indenização determinada. P.R.I.

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