Política monetária

Supremo questiona competência do CMN para ditar juros

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3 de maio de 2005, 19h54

Está em discussão no Supremo Tribunal Federal a competência do CMN — Conselho Monetário Nacional para dirigir a política de juros do país. O julgamento sobre a questão foi suspenso nesta terça-feira (3/5), na 1ª Turma da Corte, por pedido de vista do ministro Cezar Peluso. A votação está empatada em 2 a 2.

A questão central é a de que a competência do CMN para ditar os juros, prevista nas disposições transitórias da Constituição de 1988, vem sendo prorrogada por leis ordinárias há 16 anos. A Constituição de 1988 pôs fim à atribuição do órgão, mas, para não causar um vácuo na legislação, determinou que a competência valeria por mais 180 dias, até que fosse regulada por lei complementar.

A Constituição também permitiu que, passados os 180 dias, a competência poderia ser prorrogada. Assim, sucessivas medidas provisórias e leis ordinárias foram aprovadas estendendo a competência e até hoje o Congresso Nacional, a quem caberia elaborar e votar a lei complementar regulando a questão, não se manifestou. A última lei que tratou do assunto foi a de número 9.069/95, que instituiu o Plano Real.

Até agora, o julgamento está empatado. Os ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto entenderam que o CMN não deve mais ditar a polícia de juros do sistema financeiro nacional. Já, para Sepúlveda Pertence, relator da matéria, e Eros Grau, o Conselho continua responsável pela tarefa. Pela relevância do tema, o processo pode ser levado a julgamento pelo Plenário da Corte.

Para o ministro Eros Grau, a omissão do Congresso Nacional implica na necessidade da atuação do Conselho Monetário Nacional. Em seu voto levado a julgamento nesta terça, o ministro Marco Aurélio entendeu que a delegação prorrogada indefinidamente afronta a Constituição.

A questão deve ser definida no recurso apresentado pelo Banco do Brasil, contra decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, que decidiu pela insubsistência das instruções e do poder normativo do Conselho Monetário Nacional.

“Não se coaduna com o citado princípio a sucessividade de leis elastecendo um prazo de 180 dias de forma indeterminada. Hoje, passados mais de 16 anos da vigência da Carta de 1988, tem-se, ainda a competência do Conselho Monetário Nacional a partir de extravagante delegação, porquanto contrária aos ditames constitucionais”, escreveu o ministro Marco Aurélio em seu voto.

O órgão responsável por fixar a taxa básica de juros é o Copom — Cômite de Política Monetária. Mas quem dita a política dos juros praticados pelo órgão é o CMN. Desde que foi adotado o sistema de metas para a inflação como diretriz de política monetária, as decisões do Copom passaram a ter como objetivo cumprir as metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Leia o voto do ministro Marco Aurélio

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 286.963-5 MINAS GERAIS

RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE

RECORRENTE: BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADOS: MAGDA MONTENEGRO E OUTROS

RECORRIDO: GUSTAVO WAGNER DRUMOND LAGE

ADVOGADOS: SILVIO DE MAGALHÃES CARVALHO JÚNIOR E OUTROS

V O T O V I S T A

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Em jogo faz-se a harmonia, ou não, com a Carta da República, mais precisamente com o artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de lei que, sucedendo a outros diplomas, num total de oito, veio a prorrogar, até a promulgação da lei complementar prevista no artigo 192 da Constituição Federal, na redação primitiva, o prazo de vigência de delegação ao Conselho Monetário Nacional para fixar os juros relativos ao sistema financeiro. Em síntese, indispensável afigura-se elucidar a constitucionalidade, ou não, da Lei nº 9.069/95. Então, cumpre o deslocamento do processo ao Plenário. Pedi vista em face do envolvimento da citada norma constitucional.

O relator conheceu e proveu o extraordinário, proclamando:

As normas objeto dessa ação são perfeitamente válidas, uma vez que foram editadas dentro do prazo estipulado pelo dispositivo transitório, quando o Poder Executivo possuía competência para dispor sobre instituições financeiras e suas operações: indiferente, para a sua observância, que tenha havido ou não a prorrogação admitida do art. 25 do ADCT; portanto, não há falar em revogação da Lei 4.595/64.

Assim, dou provimento ao recurso extraordinário para determinar que o Tribunal a quo reaprecie a demanda tendo em conta o disposto na Lei 4.595/64: é o meu voto.

Atente-se para a decisão proferida pelo Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais. Em um primeiro passo, implicou a conclusão – em harmonia com pronunciamentos desta Corte – de o § 3º do artigo 192 da Constituição Federal, na redação primitiva, haver ficado submetido a lei complementar, não sendo auto-aplicável a previsão sobre estarem os juros reais limitados a 12%. Em passo seguinte, a Corte, ante o preceito do citado artigo 25, assentou a insubsistência das instruções e do poder normativo do Conselho Monetário Nacional, consignando que os juros remuneratórios devem guardar os limites da Lei de Usura em todos os contratos, inclusive os celebrados com instituições financeiras. Confira-se com o teor da decisão – folha 68.

Registro que até hoje não alcancei a base maior para a distinção: os cidadãos e as pessoas jurídicas em geral devem observância à Lei de Usura; os estabelecimentos bancários, não. Mas não cabe adentrar essa matéria. Cumpre, sim, verificar se a decisão do Tribunal de origem atende, ou não, ao artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no que considerou insubsistente o poder do Conselho Monetário Nacional de estabelecer juros. Eis o teor do artigo em questão:

Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I – ação normativa;

(…)

Pois bem, conforme ressaltou a Corte de origem, a Carta de 1988 versou sobre a fixação dos juros reais mediante lei complementar, sendo esta, iniludivelmente, da competência do Congresso Nacional. Então, em face da regra do artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, entendeu aquele Tribunal pela insubsistência da delegação ao Conselho Monetário Nacional para reger a matéria.

Peço vênia ao relator para concluir de idêntica forma. Não se trata, no caso, e pelo menos este é o meu convencimento, de pura e simples incidência da Lei nº 4.595/64 e demais diplomas que se seguiram. Cumpre verificar se a delegação prevista e prorrogada até hoje, para a definição dos juros pelo Conselho Monetário Nacional, conflita, ou não, com a Lei Fundamental. A resposta, para mim, é desenganadamente positiva. A delegação de que cuidou o inciso IX do artigo 4º da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, veio a merecer prorrogação, ante o texto do artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A Medida Provisória nº 45/89, editada em 31 de março de 1989, elasteceu o prazo de vigência até 30 de abril de 1990. Havendo perdido eficácia em 3 de maio de 1989, tal prorrogação veio a estar estampada na de nº 53/89 e aí cogitou-se da data-limite de 30 de outubro de 1989. Seguiu-se a Medida Provisória nº 100/89, versando sobre a dilatação do prazo de vigência até a vinda da lei complementar de que trata o artigo 192 da Constituição Federal. A Lei nº 7.892/89 prolongou o prazo de forma limitada, ou seja, até 31 de maio de 1990, seguindo-se a Medida Provisória nº 188/90, convertida na Lei nº 8.056/90, dilatando o prazo até 31 de dezembro de 1990. Já a Medida Provisória nº 277/90, convertida na Lei nº 8.127/90, implicou nova extensão, assinando-se, como termo final, 30 de junho de 1991. Seguiu-se a Lei nº 8.201/91, mais uma vez tendo-se a prorrogação, agora até 31 de dezembro de 1991. A Lei nº 8.392/91 fixou como termo final a promulgação da lei complementar aludida no artigo 192 da Constituição. Então, veio à balha o Plano Real e a lei respectiva, de nº 9.069/95, repetiu a regra do diploma anterior.

Admita-se que o artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias não haja delimitado a prorrogação do prazo nele previsto – de 180 dias. Todavia, há de se dar interpretação ao texto a partir da razoabilidade. Em síntese, não se coaduna com o citado princípio a sucessividade de leis elastecendo um prazo de 180 dias de forma indeterminada. Hoje, passados mais de 16 anos da vigência da Carta de 1988, tem-se, ainda a competência do Conselho Monetário Nacional a partir de extravagante delegação, porquanto contrária aos ditames constitucionais. Há de se proclamar a supremacia da Carta da República, predicado que apanha não apenas os preceitos situados no corpo permanente, mas também no Ato das Disposições Transitórias.

Peço vênia ao ministro relator para conhecer do recurso extraordinário interposto e o desprover, declarando a inconstitucionalidade da última lei que implicou a prorrogação dos 180 dias previstos no artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ou seja, no particular, da Lei nº 9.069/95.

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