Na toca dos leões

Justiça manda apreender livros de Fernando Morais

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3 de maio de 2005, 18h20

A Justiça de Goiânia determinou a busca e apreensão de edições do livro “Na toca dos leões”, do escritor Fernando Morais, por ofensa ao deputado Ronaldo Caiado. O escritor está ainda proibido a falar sobre o texto referente ao deputado da bancada ruralista e fundador da União Democrática Rural, a UDR. Se desobedecer a ordem, o escritor terá de pagar R$ 5 mil de multa cada vez que falar do assunto.

Caiado entrou com ação de busca e apreensão por causa da declaração de Gabriel Zellmeister. Ele disse que Caiado, se eleito presidente da República, em 1989, sabia como esterilizar as mulheres nordestinas.

Fernando Morais, que está viajando, ainda não foi citado judicialmente, nem seu advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira. A editora Planeta já foi citada. Manuel Alceu vai recorrer da determinação quando o autor do livro for citado.

A Justiça determinou a busca e apreensão dos livros que estivessem em poder da Editora, que só dispunha de dois exemplares guardados na sede.

Conheça a determinação:

Autos nº 377/2005 – 7ª Vara Cível

Natureza: AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO.

Suplicante: RONALDO RAMOS CAIADO.

Suplicados: FERNANDO MORAIS, GABRIEL ZELMEISTER E OUTRA.

Vistos e etc..

Trata-se de AÇÃO CAUTELAR COM PEDIDO DE BUSCA, APREENSÃO E COMINATÓRIO, da natureza preparatória, intentada por RONALDO RAMOS CAIADO, em detrimento de FERNANDO MORAIS, GABRIEL ZELMEISTER E DA EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA, todos qualificados as fls. 2 e 3.

Apesar da do arrazoado, 29 laudas, em síntese, aduz o suplicante que recentemente a terceira suplicada ditou o livro “NA TOCA DOS LEOES”, da autoria do primeiro, em que, à página 301, dirige-lhes criticas “injuriosas”, nos seguintes termos:

“…….Logo depois que o filme do Vulcabrás começou a ser exibido, jornalistas perguntaram a Washington se ele toparia repetir o anúncio com outros candidatos a Presidência. Ele respondeu com uma piadinha de publicitário:

-Só não dá pra fazer para o Ronaldo Caiado, porque a Vulcabrás não fabrica Botinas.

Era uma provocação ao candidato do PSD, também presidente da UDR – União Democrática Ruralista, organização que arregimentava fazendeiros de todo o Brasil contra os defensores da reforma agrária. Se a W/Brasil não se interessava por Caiado, no entanto a recíproca não era verdadeira. Logo depois de Maluf, foi ele quem apareceu na agência em busca de ajuda. Chegou acompanhado de uma dúzia de agroboys, como eram chamados seus seguidores e foi recebido por Gabriel e Washington. Mas a conversa durou pouco, segundo Gabriel:

-O cara era muito louco. Contou que era médico e tinha a solução para o maior problema do país, “a superpopulação dos estratos sociais inferiores, os nordestinos”. Segundo seu plano, esse problema desapareceria com a adição a água potável de um remédio que esterilizava as mulheres…..”

Acrescenta que o autor da obra, primeiro suplicante, agiu deliberadamente com a intenção de denegrir a sua imagem, enquanto o segundo também se comprometeu na condição de suposto acusador.

Assevera que as acusações graves, assumem especial relevo quando se verifica que é Deputado Federal, casado com uma nordestina, médico assistencialista, tem posses e família no nordeste, alem de ser pessoa conhecida em todo território nacional, especialmente porque fora candidato à Presidência da República” (sic)

Justificando a urgência da medida, requer, em caráter liminar, a busca e apreensão de todos os exemplares do aludido livro armazenados em poder da terceira suplicada, a proibição de todos os suplicados de promoverem qualquer comentário acerca do suplicante, através de qualquer meio de comunicação, sob pena de multa no importe de R$ 5.000,00 por cada transgressão, a imposição do dever de retratação e, por fim, a determinação de reformulação do livro extirpando-se o texto injurioso.

Juntou instrumento procuratório e um exemplar do livro, o qual encontra-se no cofre da Escrivania à disposição dos contendores.

Brevemente relatados, decido.

De pano, evidencie-se que não se defronta aqui com a ação cautelar especifica de busca e apreensão disciplinada pelos artigos 839 a 843, do Código de Processo Civil, mas sim de uma medida cautelar atípica com a finalidade de evitar maiores divulgações do texto imputado de “injurioso”.

Consoante a doutrina, o processo cautelar visa proteger a eficácia do direito material a ser discutido em sede do processo principal, de sorte a tornar útil a prestação jurisdicional.

No caso em comento, o suplicante não declinou ação principal que irá propor conta os suplicados, contudo, além de dispensável a nomeação, dos fatos alegados resta patente a plausibilidade de seu direito de demandar contra eles, o que enseja o cabimento da medida cautelar preparatória.

A afirmação de que o suplicado era muito louco e que tinha como plano a esterilização das mulheres como solução da superpopulação dos estratos sociais inferiores, os nordestinos, é realmente grave e denigre a honra de qualquer cidadão de bem, notadamente de um ex-candidato à Presidência da República e hoje Deputado Federal.

Se comprovada a inverdade, que só em sede do processo principal pode ser aferida, resta incontestável o direito do suplicante de reparação do prejuízo, do modo que entender cabível.

Daí, surge, robusto e exuberante, o primeiro pressuposto básico da medida cautelar traduzido na expressão latina fumus boni iuris.

Noutra vertente, impõe-se reconhecer também que quanto maior vendagem o livro alcançar, mais elevado é o sofrimento moral do suplicante atingindo, talvez, as raias do insuportável.

Neste caso, infere-se que a espera da solução do problema somente no final do processo principal, de cognição ampla e demorada, tanto em face do formalismo do procedimento quanto em decorrência do grande volume de demandas que abarrota o Poder Judiciário goiano, pode acarretar a inutilidade daquele, vez que o “vilipêndio” de que o suplicante se queixa, já ganhou publicidade tamanha que jamais poderá ser retratado.

Com efeito, emerge também incontestável o segundo pressuposto básico consistente do periculum in mora.

Nesta mesma linha de raciocínio, insta admitir que negado o pleito liminar e, uma vez citada, a terceira suplicada poderá agilizar a distribuição dos exemplares do prefalado livro, ante a ausência de qualquer proibição, redundando também em ineficácia da medida, nesse particular, caso deferida somente no final do processo cautelar.

Ao cabo dessas considerações, defiro em parte do pleito liminar, mediante caução real ou fidejussória de ressarcir os prejuízos que a editora possa vir a sofrer, no importe de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), de sorte que determino a busca e apreensão de todos os exemplares do referido livro que forem encontrados em poder de terceira suplicada, no endereço indicado, autorizando, desde já, o arrombamento de prédios e o reforço policial, caso necessários, entregando-os ao depositário público da comarca de São Paulo-SP.

Na seqüência, também em regime liminar, ficam todos os suplicados proibidos de divulgarem comentários acerca do texto imputado de calunioso, em qualquer órgão de imprensa, sob pena do pagamento de multa que imponho a cada um, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por cada ato publicitário.

Prestada a caução, promova-se a busca e apreensão e intimem-se os suplicados da proibição aqui estabelecida, em seguida, citem-se todos para responderem, querendo, no prazo de cinco dias, tudo através de carta precatória endereçada à comarca de São Paulo-SP.

Por fim, intime-se o suplicante da presente decisão.

Goiânia, 13 de abril de 2005.

Jeová Sardinha Moraes

Juiz de Direito

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