Pirataria na rede

Troca de arquivo na internet é crime nos EUA

Autor

  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

28 de junho de 2005, 11h37

(de Paris, especial para a Consultor Jurídico)

Que a rede mundial de computadores Internet representou um dos maiores divisores de águas na história da cultura da humanidade ninguém parece ter mais dúvidas. Sua surpreendente capacidade de disponibilizar, a um só tempo e com impressionante quantidade de dados, qualquer assunto que se queira consultar, já determinou uma verdadeira revolução nos usos e costumes da sociedade deste início de Terceiro Milênio.

Agora, para consagrar a história virtual que já povoa o cotidiano de nossas vidas há pouco menos de 10 anos com o advento da Grande Rede, estamos diante de mais um passo definitivo na cronologia dos eventos virtuais: Nesta segunda-feira, 27 de Junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos proferiu decisão de repercussão pioneira e histórica com relação à baixa (downloads) de arquivos e informações da Web através da modalidade P2P (peer-to-peer), algo como “parceiro-para-parceiro” em português.

A decisão da mais alta corte estadunidense conferiu importante vitória às indústrias corporativas do entretenimento, que há alguns anos já vinham lutando forçosamente contra a pirataria online, deixando porém uma brecha para as companhias de TI (tecnologia da informação) se defenderem de possíveis — e muito prováveis — ações judiciais fundadas em violação de Direitos Autorais.

Especialistas jurídicos consideram esta decisão como “a mais importante da era da internet”, pois os juízes supremos norte-americanos decidiram, por unanimidade, que as empresas que disponibilizam serviços de troca de arquivos pela Internet poderão ser consideradas responsáveis se a distribuição dos seus produtos (softwares) viabilizar downloads de arquivos desautorizados. Entretanto, a própria sentença assevera que tais empresas serão responsáveis apenas se puder ser comprovado que seu intento seja o de violar a legislação em vigor sobre a matéria.

A decisão continua, justificando que a modalidade de troca de arquivos P2P — que permite a milhões de pessoas em redor do planeta trocar arquivos musicais, filmes e outras informações — pode ser legal se não ficar comprovada a intenção, a premeditação da empresa distribuidora de encorajar a violação, a ilegalidade.

Nas palavras do juiz David Souter, daquela Corte Suprema, “Entendemos que aquele que distribui um produto, serviço ou engenho cujo objeto seja o da divulgação de seu uso para a violação de Direitos Autorais, deverá ser considerado responsável pelas violações cometidas por terceiros, no encadeamento natural resultante da troca de arquivos”. Essa decisão devolve à instância inferior um dos mais rumorosos e observados casos de CyberLaw (a Lei da internet, como vem sendo chamada nos círculos jurídicos americanos): o da MGM (o estúdio Metro-Goldwyn-Mayer, um dos maiores de Hollywood) versus a empresa de troca de arquivos Grokster. A corte a quo havia decidido em favor da Grokster e sua congênere StreamCast.

Para fundamentar a decisão preliminar favorável, a corte inferior baseara-se em decisão de 1984 da mesma Suprema Corte em favor da gigante japonesa Sony Corporation, que blindou a empresa japonesa de processos judiciais movidos por consumidores que utilizaram os aparelhos de videocassete fabricados naquela época pela Sony para copiar ilegamente filmes e clips, pela simples razão de que as máquinas também podiam ser utilizadas com finalidade legal, prevista em lei. Nesse sentido, a recente decisão da Suprema Corte veio envolta em surpresa, 20 anos depois de favorecer a corporação nipônica, pois ela não apenas reformou sua própria decisão vintenária, como ainda o fez em forma unânime.

O cerne da discussão no caso MGM x Grokster era constatar se as empresas que prestam serviços de troca de arquivos P2P na Grande Rede mundial de computadores deveriam ser consideradas responsáveis, mesmo sem possuir controle direto sobre o que os milhões de usuários efetivamente fazem com o software disponibilizado pelos provedores.

Segundo analistas, cerca de 90% das músicas e filmes copiados e baixados via Internet em todo o mundo, são obtidos de forma ilegal, desautorizada. Claro que nesse sentido a indústria do entretenimento jubilou a decisão da mais alta corte norte-americana, mesmo reconhecendo seu teor difuso com relação às empresas de TI. Os especialistas calculam em US$ 3,5 bilhões o prejuízo anual com o download de arquivos, somente musicais.

A Suprema Corte americana, inteiramente composta de juízes (e apenas uma mulher, Sandra Day O’Connor) mais velhos, anteriores à era da informação, bem que tentou estabelecer um equilíbrio entre a proteção ao Direito Autoral online e a viabilização das inovações tecnológicas, mas o conteúdo único da sentença irá certamente criar incertezas e confusão jurídica no Vale do Silício e no âmbito das empresas dedicadas ao desenvolvimento da Tecnologia da Informação. Vai ser difícil para elas comprovarem em Juízo que não tinham a intenção de violar a legislação em vigor sobre a matéria.

Não deixa de ser uma gratificante vitória para a indústria do entretenimento, especialmente as grandes gravadoras, que experimentaram uma queda brutal de receita desde o ano 2000, no auge do affair Napster, da ordem de 25%. Entretanto, simplesmente processar as empresas prestadoras de serviço de troca de arquivos não representa uma solução, nem definitiva nem adequada, pois da forma como o mercado se encontra organizado atualmente, a modalidade de troca de informações P2P continuará indefinidamente, mesmo se aquelas empresas cessarem a distribuição de cópias. A internet é simplesmente incontrolável em sua totalidade, devido às suas dimensões, mas nem por isso devemos esmorecer na busca de soluções para as violações adrede praticadas na Rede.

De forma a adaptarem-se à realidade, os empresários e corporações de música e filmes precisam propor uma alternativa legal ao mercado. Já existem algumas poucas empresas tentando auxiliar nesse sentido, como a Mashboxx e a Snocap, que encorajam a troca de arquivos em forma paga, legalizada, exercendo maior controle sobre a forma como os indivíduos utilizam o material manipulado. É certo que ainda se trata de um tímido começo, mas sempre foi assim com a Tecnologia, que nunca deu trégua ao Direito, mantendo-o como refém permanente de suas inovações científicas, que deslumbram e assustam quando chegam para depois incorporarem-se imperceptivelmente no cotidiano de nossas vidas. Exemplo disso é a pioneira iTunes, da Apple, que já vem, com bastante sucesso, capitaneando as vendas legais de música online, tendo ultrapassado a marca dos US$ 500 milhões em download em 2004, somente no mercado britânico. Sem falar na “febre” dos ringtones e realtones (também truetones) disponíveis em aparelhos de telefonia celular, que vêm conquistando milhões de usuários em todo o mundo.

Hollywood, apesar de ainda aparentemente tranqüila pelo fato de que um filme com cerca de 2h de duração ainda demore horas para ser baixado da Grande Rede, já começa a ser ameaçada pela tecnologia nascente, como, por exemplo a BitTorrent, que já está em testes nos EUA e promete em breve disponibilizar o download de qualquer filme em menos de 15 minutos. Terror à vista para a capital mundial do cinema…

O caminho para a sobrevivência financeira da indústria do entretenimento neste Admirável Mundo Novo da Internet não é a beligerância judicial, mas, sim, a informação amplificada. Mostrar aos adolescentes e estudantes — que compõem cerca de 70% da comunidade adepta da troca de arquivos na Internet — que existe outra maneira; que podem ser eles os artistas do futuro cujos royalties estejam sendo negligenciados pela prática de P2P, eis um caminho saudável para administrarmos a complexa realidade jurídico-virtual neste início do Terceiro Milênio. Lembremo-nos da premissa de incontrolabilidade da internet, da mesma forma que o crime na história da humanidade. Se assim não fosse, não haveria necessidade da existência da polícia na sociedade, uma instituição que nos acompanha formalmente desde o século XVIII e que nunca conteve cem por cento a criminalidade.

A verdade é que esta pioneira e histórica decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos ainda vai causar muita polêmica. Tanto assim que mesmo nos EUA ela deverá ser submetida a um comitê especial do Senado para avaliar seu impacto nas leis de Direito Autoral e na liberdade do advento da inovação tecnológica, que não terão vida longa se não forem discutidos à exaustão em todo o mundo, pois a Internet efetivamente pulverizou o conceito jurídico de territorialidade, com sua vertiginosa capacidade de viabilizar o tráfego de elétrons ao redor do planeta, à velocidade da luz.

No Brasil, assim como no resto do mundo, que invariavelmente emula as decisões americanas — até por ter sido o país que desenvolveu a internet com fins militares há pouco mais de 40 anos — a situação ainda engatinha, com poucos casos em apreciação no Judiciário e parca jurisprudência sobre a matéria, o que, ao nosso ver, deveria servir de estímulo aos jovens estudantes de Direito e advogados atualmente deslocados de suas áreas de preferência profissional, pois aí certamente reside um dos mais importantes e lucrativos filões da atividade legal da atualidade.

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  • é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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