Prerrogativas da advocacia

Ministros do STF criticam invasões de escritórios de advocacia

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23 de junho de 2005, 19h47

Ainda não chegou ao Supremo Tribunal Federal nenhum questionamento a respeito das ações de busca e apreensão de documentos de clientes em escritórios de advocacia. Mas as invasões autorizadas por juízes já são assunto entre os ministros. E os adjetivos usados para qualificar as ações ficam entre “preocupantes” e “absurdas”.

Mesmo sem acesso aos autos, os integrantes da Corte estranham não só as ações, mas os seus fundamentos e contradições como o pedido de sigilo concomitante com a presença da imprensa nas operações, como aconteceu no caso mais recente — a chamada Operação Cevada. A abertura de inquérito penal quando não há sequer autuações ou processo administrativo em curso são outros aspectos debatidos.

“Isso é uma temeridade”, afirmou a este site o ministro Marco Aurélio. “Atitudes como essas só se adotam em situações extravagantes”, acrescentou, lembrando o artigo 133 da Constituição, que versa sobre a inviolabilidade profissional do advogado protege a relação com o cliente. “Evidentemente a situação muda se o investigado for o próprio profissional”, ressalva. Recentemente, diante de um pedido da Procuradoria-Geral da República para que se requisitasse à OAB paulista dados de um grupo de advogados, Marco Aurélio indeferiu a pretensão.

Na próxima semana, em encontro agendado pelo presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), José Diogo Bastos Neto, lideranças da advocacia devem se reunir com o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal. Em reunião com a direção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, depreendeu-se do diálogo que os juízes federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul não compartilham da crença de que as investigações devam passar pelos escritórios de advocacia.

Outro juiz, este da primeira instância em São Paulo, José Tadeu Picolo Zanoni também externou sua preocupação. “Essas prisões em massa seguidas da soltura por falta de motivos para que fossem mantidas pedem uma explicação”.

Nessa escalada, que envolve polícia, Ministério Público e juízes, o ministro Celso de Mello estranha e manifesta curiosidade quanto aos fundamentos para se impedir que advogados das partes tenham acesso aos autos de processo. Lembra o ministro que acórdão relatado pelo seu colega Sepúlveda Pertence (HC 82.354/PR) já estabeleceu com toda clareza que essa restrição é descabida.

Em outra decisão da Primeira Turma, ratificou-se que “assiste ao investigado bem assim ao seu advogado o direito de acesso aos autos podendo examiná-lo extrair cópias ou tomar apontamentos observando orientação definida pelo STF (INQ 1.867/DF relator Celso de Mello e MS 23.836/DF relator Velloso), mesmo quando a investigação esteja sendo processada em caráter sigiloso, hipótese pela qual o advogado poderá ter acesso às peças, tal como essa suprema corte decidiu recentemente no julgamento do HC 82.354/PR relator Sepúlveda Pertence.”

Há poucos dias, o STF extinguiu todo o processo baseado em documentos apreendidos em escritório de contabilidade, por conta de investigação movida contra cliente da empresa. O alvo da investigação fora enquadrado em crime contra ordem tributária, no Rio de Janeiro. No caso, não houve ordem judicial. O TRF e o STJ mantiveram o enquadramento. O STF anulou o processo todo.

Outro alvo de críticas é o uso despropositado de algemas sem necessidade. Pelo que explica um ministro, desde julho de 1984, quando se editou a Lei 7.210, está previsto um decreto federal como instrumento disciplinador do uso do artefato. Contudo, explica o juiz, mesmo considerando que a matéria é típica de lei e não de decreto, já há parâmetros para sua utilização, como o artigo 284 do Código Penal, onde se lê que “não será permitido o emprego de força, salvo o indispensável no caso de resistência do preso ou de tentativa de fuga do preso”.

Outra regra está no artigo 292 do mesmo código, onde se lê que “se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à prisão determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito por duas testemunhas”.

Subsidiariamente e também em confronto com o que se tem visto, reza o artigo 284 do Código que “não será permitido o emprego de força, salvo o indispensável no caso de resistência do preso ou de tentativa de fuga do preso”.

Ou seja: ainda que não exista o pretenso decreto regulamentador, a lei é mais que clara no sentido de não permitir que se leve a ferros a pessoa detida ou presa caso não se justifique o constrangimento.

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