Segurança pública

Governo do Rio é condenado a indenizar vítima de assalto

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21 de junho de 2005, 19h40

A decisão não foi unânime, porém, inédita. Por dois votos a um, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou o governo do estado a pagar R$ 8.400, por danos morais, a Osvaldo Marendaz Mury.

Em 2001, ele foi assaltado num sinal de trânsito, no Méier, Zona Norte da cidade, a cerca de 500 metros da delegacia de polícia do bairro, a 26ª DP. Os desembargadores concluíram que houve omissão do estado ao não reforçar o policiamento numa área em que tais ataques são freqüentes.

Osvaldo passava pela Rua Vila Tavares quando foi surpreendido pelos assaltantes. Ele estava acompanhado dos dois filhos, de 12 e 14 anos, que havia acabado de buscar na escola. Segundo a advogada e também irmã da vítima, Marli Marendaz Mury, além do desespero diante da violência, Osvaldo ficou indignado com a maratona que teve que percorrer para conseguir a segunda via dos documentos levados durante o assalto.

“Foi a gota d’água que faltava para ele decidir impetrar uma ação contra o estado”, conta a advogada. “Estou muito feliz com a decisão. Fez-se justiça. É muito difícil você batalhar na vida e ver seu patrimônio desaparecer assim de uma hora para outra”, afirma Marli. Na fuga, os bandidos levaram o carro, um Siena, que apareceu todo amassado no mesmo bairro, no dia seguinte ao assalto.

Danos morais

A decisão da 13ª Câmara foi, no entanto, mais branda do que a sentença proferida pela 8ª Vara da Fazenda Pública. A primeira instância determinou que o estado pagasse indenização tanto por danos morais como também por danos materiais. Ao reexaminar a matéria, o tribunal fluminense entendeu que os danos materiais não ficaram devidamente comprovados por Osvaldo.

Na lista de bens arrolados pela advogada da vítima, estavam, entre outros objetos, material escolar dos filhos, meião de futebol, mochilas e um par de chuteiras. Tudo avaliado em R$ 4.278,92. “Meu cliente fez questão de somar um a um o material levado pelos bandidos”, explica Marli Mury. O governo do Rio ainda terá de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, estipulados em 20% sobre o valor da condenação.

“Fiquei surpresa com o ineditismo desta decisão. Meu irmão decidiu entrar com essa ação porque queria mostrar que não está inerte”, explica a advogada. Ela afirma que em sua petição não se preocupou em argumentar juridicamente. Apenas contou a história. “Fui bem prática”, diz.

“Ficando comprovado haver o estado incorrido em ilicitude por não haver tomado providência para impedir o dano, ou por haver sido insuficiente neste mister em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível, há que se prestigiar a sentença condenatória quanto ao dano moral, afastando o dano material que não foi suficientemente demonstrado”, afirmou o desembargador Ademir Paulo Pimentel, relator do recurso.

Em seu voto, o desembargador destacou ainda o fato de que, segundo a própria Delegacia de Polícia do Méier, são freqüentes os assaltos no local onde Osvaldo foi atacado e não se tem conhecimento de qualquer medida do estado, por meio da Polícia Militar, para um efetivo policiamento do local.

O governo do estado do Rio entrou com recursos especial e extraordinário, a fim de que o caso seja examinado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.

São Paulo

Em São Paulo, no mês passado, a 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou ação de igual teor movida pelo advogado Carlo Frederico Müller. Por dois votos a um, os desembargadores acolheram recurso do governo paulista e derrubaram a decisão que determinou pagamento de indenização por danos morais e materiais ao advogado, que vai recorrer da decisão.

Os desembargadores Toledo Silva, relator do recurso, e Paulo Travain entenderam que o estado não pode ser condenado à revelia. Isso porque, em primeira instância, a defesa do governo foi citada e não se manifestou na ação, mesmo tendo quatro vezes mais tempo para fazê-lo. A desembargadora Tereza Ramos Marques votou pela condenação do estado.

O advogado havia ganhado a ação em primeira instância. O juiz João André de Vincenzo, da 12ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, determinou o pagamento de R$ 1 mil por danos morais, R$ 12.675 por danos materiais e outros R$ 1,5 mil de honorários advocatícios para o advogado Carlos Müller. A sentença foi proferida em março de 2000.

O advogado foi assaltado a mão armada em seu carro, parado no semáforo na avenida Faria Lima, na capital paulista, em 1996. Foi levado seu relógio de ouro da marca Bulgari. Em seguida, ele encontrou uma viatura da Polícia Militar, mas os policiais se recusaram a ajudá-lo.

Com a decisão do Tribunal de Justiça, o estado fica livre de responsabilidade. Mas Müller promete levar a briga adiante. “Esse caso deve parar nos tribunais superiores, em Brasília”, afirma.


Leia a íntegra da decisão do Rio de Janeiro

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível nº 17.008/2004

Apelante: Estado do Rio de Janeiro

Apelado: Osvaldo Marendaz Mury

Relator: Desembargador Ademir Paulo Pimentel

Classificação Regimental: 1

PROCESSUAL CIVIL, AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, ASSALTO EM SINAL LUMINOSO, REPETIÇÃO DO FATO NO MESMO LOCAL, A CARACTERIZAR A CONDUTA OMISSA DO ESTADO QUANTO AO POLICIAMENTO, INDENIZAÇÃO DEVIDA, EXCLUINDO-SE APENAS OS DANOS MATERIAIS À MÍNGUA DE PROVA, HONORÁRIOS FIXADOS NOS LIMITES DA RAZOABILIDADE, TENDO EM VISTA OS CAMINHOS ESCARPADOS DO PRECATÓRIO, PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO, REFORMANDO-SE A SENTENÇA NA MESMA PROPORÇÃO POR FORÇA DO REEXAME NECESSÁRIO.

I – Ficando comprovado haver o Estado incorrido em ilicitude por não haver tomado providencias para impedir o dano, ou por haver sido insuficiente neste mister em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível, há que se prestigiar a sentença condenatória quanto ao dano moral, afastado o dano material que não foi suficientemente demonstrado;

II – Trata-se de sinal luminoso onde, registra a Delegacia policial da área, são freqüentes os assaltos, não se tendo conhecimento de qualquer medida do Estado através da Policia Militar para um efeito policiamento no local;

III – Os danos materiais requerem comprovação;

IV – Em se tratando de condenação do Estado, onde terá o advogado que percorrer o caminho escarpado do precatório, o percentual fixado não enseja modificado;

V – Provimento parcial do recurso, reformando-se, na mesma proporção, a sentença, por força do reexame necessário.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 17008/2004, em que é Apelante ESTADO DO RIO DE JANEIRO e Apelado OSVALDO MARENDAZ MURY.

ACORDAM os Desembargadores que integram a Décima Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria de votos em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, reformada a sentença na mesma proporção, por força do reexame necessário, vencido o eminente Desembargador JOSÉ DE SAMUEL MARQUES, revisor, que lhe dava provimento.

Relatório na fl. 90.

Apreciando o RESP 418713 / SP, DJ de 08/09/2003, p. 208, no qual foi relator o insigne Ministro FRANCIULLI NETTO, ratificou a egrégia Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que para a responsabilidade subjetiva do Estado por ato omissivo, “é necessário, que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível”.

Extraem-se do venerando voto as seguintes lições, aqui reproduzidas com a devida vênia:

“A idéia de reparação civil, segundo a lição do professor Rui Stoco, reside no vetusto princípio do neminen laedere, ou seja, de que “a ninguém se deve lesar”. A responsabilidade civil seria, então, “a obrigação pela qual o agente fica adstrito a reparar o dano causado a terceiro” (in “Tratado de Responsabilidade Civil”, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001, p. 93).

No Campo da responsabilidade civil do Estado, a regra é a responsabilidade objetiva, cujo, corolário é a teoria do risco administrativo, segundo a qual está o Poder Público obrigado a reparar o dano por ele causado a outrem por meio de uma ação lícita ou ilícita de seus agentes. Bastará, nessa hipótese, comprovar a ocorrência do prejuízo e o nexo causal entre a conduta e o dano, para que assista ao lesionado o sucedâneo indenizatório.

Por outro lado, se o prejuízo adveio de uma omissão do Estado, ou seja, pelo não funcionamento do serviço, ou seu funcionamento tardio, deficiente ou insuficiente, invoca-se a teoria da responsabilidade subjetiva.

A esse respeito, pontifica o professor Celso Antonio Bandeira de Mello que “se o Estado não agiu, não pode logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabiliza-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabiliza-lo se descumprir dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo” (in “Curso de direito administrativo”, Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 855).

Raciocínio contrário levaria à insensatez de atribuir ao Estado a responsabilidade por todo e qualquer ato danoso causado por terceiro. Ao comentar o tema, o doutrinador supra referido, com a ênfase que lhe é peculiar, pondera que, “em principio, cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre argüir que o “serviço não funcionou”. A admitir-se a responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o Estado estaria erigido em segurador universal! Razoável que responda pela lesão patrimonial da vitima de um assalto se agentes policiais relapsos assistiram à ocorrência inertes e desinteressados ou se, alertados a tempo de evita-lo, omitiram-se na adoção de providencias cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo da água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública” (op. cit., p. 857)


Evidente a omissão do Estado ao não reforçar o policiamento em áreas nas quais são comuns os assaltos.

Conforme acentua o julgado, o exame dos autos nos conduz à prova de que a área onde o Apelado sofreu roubo, estando no veículo seus dois filhos menores, é de alta incidência quanto a essa espécie de crimes.

Com propriedade assinala a Dra. MARIA DA ROCHA CRUZ – fl. 86 que

“É dever do Estado a prestação de segurança pública de forma generalizada e, de forma especifica, diante de situação em que seja previsível a ocorrência de delitos, como o caso dos autos”.

A sentença merece reparos, todavia, e aí também se toma como fundamento o douto parecer da Procuradoria de Justiça, quanto à indenização pelos danos materiais que não ficaram comprovados.

Quanto aos danos morais – 60 (sessenta) salários mínimos, foram estabelecidos dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo, apenas, ser convertida a condenação em reais – R$ 8.400,00 (oito mil e quatrocentos reais), dentro do salário vigente em outubro do ano passado, valor esse corrigível a partir da sentença.

No que tange aos honorários, não se pode olvidar que o Autor terá que percorrer, com seu nobre advogado, os caminhos escarpados do precatório, daí porque o percentual estabelecido não merece alteração.

Os juros serão de 0,5% (meio por cento) desde o evento danoso até a entrada em vigor do novo Código – meia-noite e um segundo do dia 12 de janeiro de 2003m e, a partir daí, no percentual de 1% (um por cento) ao mês, valendo considerar que não se aplica a Lei nº 9.494/97, porque não se trata de pagamento de verbas, remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos.

Quanto à aplicação do novo Código Civil – art. 406, embora o colendo Superior Tribunal de Justiça entenda que em se tratando de fato ocorrido anteriormente, se deve aplicar a norma do Código de 1916, entendemos, concessa máxima vênia,que estamos diante de mera remuneração de valor, uma compensação em decorrência da mora.

Dá-se, por conseguinte, parcial provimento ao recurso para excluir a condenação por dano material, reformada a sentença, na mesma proporção, por força do reexame necessário.

Rio, 16 de fevereiro de 2005.

Desembargadora MARIANNA PEREIRA NUNES

Presidente / Voto

ADEMIR PAULO PIMENTEL

Desembargador

Relator

Desembargador JOSÉ DE SAMUEL MARQUES

Revisor

VENCIDO

13ª CÂMARA CÍVEL.

Apelação nº 2004 001 17008

Apelante: ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Apelado: OSVALDO MARENDAZ MURY

Voto do Des. JOSÉ DE SAMUEL MARQUES – Revisor vencido.

VOTO VENCIDO

Ousei divergir da douta maioria, apesar de não ter nenhuma finalidade prática a divergência que manifestei, pois é incabível, no caso em exame, a interposição de embargos infringentes.

A minha divergência ocorreu pelos seguintes motivos:

O AUTOR, quando parado em um sinal de trânsito, foi vítima de assalto, resultando disto a perda de um automóvel e outros bens.

Não consta dos autos esteja envolvido no assalto nenhum preposto do RÉU.

Não consta, também, dos autos, nenhuma omissão específica de qualquer funcionário estadual.

A pretensão do AUTOR, assim, resulta de responsabilidade objetiva por omissão genérica .

Sendo questão incontroversa, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que não se pode admitir responsabilidade objetiva genérica do Estado, por omissão, pelas conseqüências de todos os crimes ocorridos na sociedade, entendo inadmissível o acolhimento do pedido.

É com o voto.

Rio de Janeiro, 8 de março de 2005.

Desembargador JOSÉ DE SAMUEL MARQUES

Revisor-vencido

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível nº17008/2004

Apelante: ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Apelado: OSVALDO MARENDAZ MURY

Relator: Desembargador ADEMIR PAULO PIMENTEL

Classificação Regimental: 1

RELATÓRIO

Recurso em razão de julgado proferido nos autos da ação de indenização por danos materiais e morais proposta pro OSVALDO MARENDAZ MURY em face de ESTADO DO RIO DE JANEIRO, onde requer indenização pelos danos materiais e morais sofridos em razão do roubo de veículo de sua propriedade, localizado pelo Polícia no dia seguinte com diversas avarias.

Adota-se, na forma regimental, o relatório da sentença de fls. 57/59 que julgou procedente o pedido condenado o ESTADO DO RIO DE JANEIRO a pagar os prejuízos sofridos pelo Autor, além de custas e honorários advocatícios de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação.

Razões na fls. 62/74 em que o Apelante pretende ver reformada a sentença, para se julgar improcedente o pedido, sobrevindo contra-razões na fl. 78 onde se pugna pela manutenção do julgado.

O recurso é tempestivo – fl. 75, não havendo custas a pagar.

O Ministério Público, no primeiro grau de jurisdição, opinou no sentido de se negar provimento ao recurso – fl. 80.

A douta Procuradoria de Justiça deu parecer no sentido de se dar provimento parcial ao recurso, concedendo-se somente a compensação por danos morais, uma vez que não restaram comprovados os prejuízos materiais – fls. 85/88.

É o relatório.

À veneranda revisão.

Rio, 09 de novembro de 2004.

ADEMIR PAULO PIMENTEL

Desembargador

Relator

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