Atividade ilegal

Empregada nos EUA sem visto de trabalho é indenizada

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21 de junho de 2005, 10h08

Empresa que manda empregado para o exterior, sem visto de trabalho, tem de indenizar o funcionário por dano moral. Isso porque, ele sofre desconforto, perseguição, discriminação, instabilidade pessoal e profissional.

Com este entendimento, os juízes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), condenaram a PML Brasil a pagar indenização de R$ 96 mil a uma ex-empregada. Motivo: ao retornar ao Brasil, foi considerada “suspeita” e presa pela Imigração “por estar vivendo em Miami (EUA) com o visto inadequado”. Cabe recurso.

A ex-funcionária, que trabalhava como diretora de Criação de Internet, entrou com ação na 67ª Vara do Trabalho de São Paulo. Pedia diferenças salariais e indenização pelos danos morais sofridos.

Segundo os autos, a empregada foi transferida pela empresa para Miami. Lá trabalhou de junho de 2000 a março de 2001. Antes da viagem, a empresa se comprometeu a providenciar o visto de trabalho, necessário para regularizar a situação da funcionária. Como a empresa não conseguiu o visto, a funcionária não pode alugar um imóvel para estabelecer sua moradia, já que não possuía os documentos necessários. A informação é do TRT paulista.

A primeira instância negou o pedido de indenização, por entender que não ficou comprovado o dano moral, e que a empresa fosse causadora do sofrimento. Inconformada, ela apelou ao TRT-SP.

Recurso

O relator do recurso, juiz Rafael Pugliese Ribeiro, esclareceu que o “dano moral é lesão à personalidade, ferindo o bom nome, a moralidade ou o sentimento de estima da pessoa, provocadas por fato relevante de outrem, ainda que em contexto circunstancial, criando para o ofendido vexames ou constrangimentos juridicamente expressivos”.

De acordo com o juiz, a regularização da documentação deveria ter sido providenciada pela BNL, acrescentando que “a burocracia não justifica a falta de visto, porque a autora não poderia ter sido transferida sem ele”.

“Estando a serviço da empresa em país estrangeiro e sem autorização para ali trabalhar é evidente o desconforto e o sentimento de perseguição e discriminação, gerando instabilidade pessoal e profissional, principalmente nos EUA, onde a fiscalização é rigorosa em relação aos brasileiros”, observou.

Sobre o valor da indenização a ser pago pela empresa, o juiz explicou que deve “satisfazer, a um só tempo, o interesse de compensação ao lesado, de um lado, e a repressão à conduta do agressor, de outro”. A decisão da 6ª Turma do TRT-SP foi unânime.

RO 01537.2002.067.02.00-4

Leia a íntegra do voto

Natureza: Recurso Ordinário

Recorrente: Mara Lúcia Pallota

Recorrido: PML Brasil Ltda

Origem: 67ª Vara do Trabalho de São Paulo

Ementa:

Dano moral. Transferência para o exterior sem visto de trabalho. O trabalho a serviço da empresa em país estrangeiro sem visto de permanência gera desconforto, sentimento de perseguição, discriminação e instabilidade pessoal e profissional. Caracterização de dano moral.

Contra a sentença que julgou procedente em parte a ação, recorre a autora alegando que ajustou com a vice presidente da empresa o salário em dólar para o período em que trabalhou no exterior; que não é razoável a confissão do preposto de que desconhecia a sra. Ester; que a defesa não impugnou o conteúdo do documento enviado pela sra. Ester; que sofreu dano moral; que as verbas rescisórias foram pagas a destempo. Sem contra-razões. O Ministério Público teve vista dos autos.

V O T O:

1. Apelo aviado a tempo e modo. Conheço-o.

2. Diferenças salariais. A autora alega que ajustou o pagamento do salário em dólares para o período que trabalhou no exterior (junho/00 a março/01; Miami, EUA), mas a ré pagou em moeda nacional, causando prejuízos. A defesa nega o ajuste. Contudo, a Vice Presidente de Tecnologia, sra. Ester, emitiu e-mail (fl. 38), prometendo à autora salários vinculados à variação cambial, enquanto estivesse trabalhando em Miami. A alegação da defesa de que desconhece a autoria da emissão e seu conteúdo não é leal, porque o endereço eletrônico é o mesmo da ré (“psn”). A Sra. Ester não poderia ser desconhecida da empresa e nem de seu preposto (fl. 73) em razão do cargo que exerce (Vice Presidente de Tecnologia, conforme a única testemunha, fl. 74). A autenticidade do documento não foi contestada e a confirmação do ajuste feita por pessoa exercente de cargo de confiança da empresa obriga a ré, não lhe sendo lícito afirmar que dele não sabia. O ajuste é razoável, fugindo da normalidade o contrário. O pagamento do salário conforme a variação do dólar, tem em vista a própria sobrevivência da autora no estrangeiro. A garantia da irredutibilidade salarial deve se considerada, também, em razão do lugar da prestação de serviço. Trabalhando a autora no exterior, o salário a ser resguardado é o pago com moeda estrangeira, sem viabilidade à sua diminuição nominal. Se recebesse em moeda nacional, o valor do salário seria reduzido, ante a constante desvalorização do real perante o dólar. Logo, tem a autora direito à equivalência com a moeda estrangeira, no período em que trabalhou no exterior, cujo valor a ser garantido em dólar é o da conversão do salário registrado no mês da transferência. Essa hipótese não se assemelha àquela prevista no artigo 318 do CC/02, em que a obrigação é cumprida no território nacional, não no estrangeiro. São devidas as diferenças salariais pela variação cambial.

3. Dano moral. Dano moral é lesão à personalidade, ferindo o bom nome, a moralidade ou o sentimento de estima da pessoa, provocadas por fato relevante de outrem, ainda que em contexto circunstancial, criando para o ofendido vexames ou constrangimentos juridicamente expressivos. A autora não tinha visto de trabalho no exterior, embora tenha sido transferida na condição de empregada da ré. A regularização da documentação era providência que incumbia à ré e não o fez. A burocracia não justifica a falta de visto, porque a autora não poderia ter sido transferida sem ele. Estando a serviço da empresa em país estrangeiro e sem autorização para ali trabalhar é evidente o desconforto e o sentimento de perseguição e discriminação, gerando instabilidade pessoal e profissional, principalmente no EUA que a fiscalização é rigorosa em relação aos brasileiros (CPC, 335). Houve dano moral.

3.1. A quantificação da indenização por dano moral tem sido normalmente resolvida por arbitramento judicial, porque o nosso sistema, salvo o disposto na Lei de Imprensa, Lei das Telecomunicações e Lei de Direitos Autorais, não é tarifado. Esse arbitramento há de ser feito de modo a satisfazer, a um só tempo, o interesse de compensação ao lesado, de um lado, e a repressão à conduta do agressor, de outro. O arbitramento deve conferir um sentido de expressão equilibrada a esses dois pólos. Uma indenização insignificante significaria um agravamento ao ofendido e sentido de impunidade ao ofensor. Uma indenização escorchante representaria uma desproporcional punição ao ofensor, com vantagem imoderada ao ofendido.

3.2. Então, o arbitramento precisa considerar, na situação dos autos, que a ré é uma empresa cujas sócias tem sede nas ilhas Cayman e capital social, em dezembro/02, de R$ 15.610.433,00 (fls. 59/64). Já a autora vive de sua profissão (“comunicóloga”), sendo este seu único credenciamento profissional.

3.3. Avaliadas, então, a condição pessoal do agressor, especialmente quanto a sua capacidade financeira, e a condição social da empregada lesada, bem assim as circunstâncias que determinarão a repercussão do fato na esfera social e profissional da ofendida, fixo uma indenização de R$ 96.923,04, eqüivalente a doze vezes o maior salário pago à reclamante.

4. Multa do artigo 477 da CLT. A autora foi dispensada em 15.03.02 (fl. 23) e a rescisórias pagas a tempo em 18.03.02 (fls. 83/85). Eventuais diferenças não ensejam a multa.

CONCLUSÃO:

Dou parcial provimento ao recurso, para a crescer à condenação diferenças salariais pela variação cambial e indenização por danos morais.

Arbitro o valor de R$ 100.000,00, importando custas de R$ 2.000,00, a cargo da ré.

Dr. Rafael E. Pugliese Ribeiro

Juiz Relator – 6a Turma do Tribunal

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