Abuso impune

Não há notícia de punições por violação de prerrogativas

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14 de junho de 2005, 13h55

Qual a sanção penal prevista em lei que se aplica aos agentes públicos quando estes violam as prerrogativas dos advogados? Nenhuma.

As violações às prerrogativas estatutárias se proliferam pelo país, tendo os agentes do Estado como os seus principais violadores. E se isso tem ocorrido com uma freqüência exagerada e diária nos órgão públicos dos três poderes, a ponto de OAB engendrar um levante para combater tais ilegalidades, é porque não há uma previsão no Código Penal em vigor para punir tais condutas.

Destarte, a Lei 4.898/65 que regula os casos de abuso de autoridade prevê, por exemplo, a aplicação de sanção administrativa, civil e penal, cumuladas ou não, ao atentado contra os direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional (artigo 3.º, alínea “j”). Mas tal disposição, além de extremamente subjetiva, vaga e de difícil aplicação pelos juízes e tribunais às situações concretas em razão dos mais variados argumentos, não se adequa às mínimas ocorrências ofensivas às prerrogativas estatutárias. Daí ser necessário à especificidade no tocante à criação de um tipo penal para tais violações.

Acreditamos que só desta maneira será possível conter as arbitrariedades, os absurdos que, há muito, extrapolaram todos os limites — se é que podemos falar em limitar as referidas violações — notadamente, com as constantes expedições de mandado de busca e apreensão, em sede de processo criminal, para se adentrar nos escritórios de advogados que defendem os seus clientes (acusados), violando os seus invioláveis arquivos.

Os nossos arquivos, infelizmente, não gozam mais da inviolabilidade legal, sob o ponto de vista prático das autoridades. A inviolabilidade é facilmente quebrada e desrespeitada, sem previsão alguma, expressa ou específica, de penalidade ou reprimenda para coibir isso. Resta-nos, então, reagir, buscando a aprovação de projeto de Lei que tipifique e responsabilize criminalmente os infratores das aludidas prerrogativas.

Ressalte-se que basta estar exercendo uma função pública, ainda que temporária, para fazer jus à proteção da lei substantiva penal, sobretudo em relação ao delito de desacato cuja redação é afixada nos murais das secretarias e cartórios dos fóruns sem nenhuma descrição.

Qual advogado militante que já não teve as suas prerrogativas violadas? Ou se ainda não passou por isso é apenas uma questão de tempo e, quem sabe, de comportamento.

O certo é que a classe desconhece os casos em que os infratores foram punidos severamente, senão aqueles que culminam em simples anotação no prontuário do agente, ensejando, assim, outras violações mais graves e às vezes pelo mesmo infrator.

Usar das prerrogativas, por vezes, pode ser um risco muito grande para o advogado, e quando ele faz o bom uso delas é desrespeitado, ofendido verbalmente, preso em flagrante (vide casos de CPIs), dentre outros. Note-se, contudo, que o número de desagravos tem aumentado. Na comarca de Guarulhos, por exemplo, um magistrado de Vara especializada impedia, expressamente e em determinados casos, que o patrono constituído ou dativo tivesse acesso aos autos (esse caso foi solucionado pela comissão de prerrogativas daquela comarca).

Diante de tantas violações, a OAB não se cansa de impetrar mandados de segurança em prol da classe, inclusive para os estagiários. E é pensando em coibir tais lesões à dignidade da advocacia e a das prerrogativas do advogado que o Colégio de Presidentes Seccionais da OAB divulgou a Carta de Curitiba, que, dentre outros objetivos, luta pela responsabilização penal dos agentes que violam as nossas prerrogativas.

Importante, ainda, assinalar que aqueles que desrespeitam as prerrogativas dos advogados não estão imbuídos da mesma coragem para violar as prerrogativas do promotor de justiça, do delegado de polícia ou o exercício jurisdicional de um juiz. Só não fazem isso porque sabem das conseqüências instantâneas advindas de tal ato, ou seja, há norma de natureza penal para que seja coibida qualquer violação nesse sentido.

Em verdade, bom seria que todos os profissionais do direito conhecessem bem e respeitassem as prerrogativas um dos outros. Porém, nessa esteira, somente os advogados zelam pelas prerrogativas alheias, como sempre fizeram, respondendo criminalmente quando assim não agem, ao passo que as suas são constantemente inobservadas e não se tem um dispositivo penal que possa atender à mesma finalidade.

Infelizmente, hoje as únicas armas dos advogados são: se socorrer da comissão de prerrogativas; impetrar mandado de segurança para se ter reconhecido direito líquido e certo; requerer a instauração de inquérito policial para averiguar a ocorrência do delito de abuso de autoridade ou outro; pedir o seu desagravo, além da representação contra o ofensor ou ofensores perante o órgão competente (que quase sempre é arquivada); e pleitear a reparação de eventual dano moral no âmbito cível.

Todo esse armamento, ainda sim, não é suficiente para inibir as condutas ofensivas daqueles que fazem da violação às prerrogativas dos advogados uma forma de minar a resistência incomensurável da OAB e sua relevante importância no nosso belo quadro social. Assim agindo, tais infratores declaram-se também inimigos dos direito e garantias dos cidadãos, posto que não se trata de uma situação meramente de cunho corporativo.

Cumpre ressaltar que temos 150 parlamentares no Congresso Nacional, revelando uma representação expressiva da classe no parlamento, de modo que, juntamente com o substancial apoio das seccionais e a exata noção de todos os advogados do que estamos almejando, através da democrática discussão, conseguiremos tipificar como crime a violação as nossas prerrogativas.

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