Caso Dorothy Stang

STJ nega federalização do julgamento da morte de Dorothy Stang

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8 de junho de 2005, 19h22

No primeiro julgamento sobre o assunto, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça rejeitou, por unanimidade, o pedido de federalização da investigação e do julgamento do assassinato da missionária Dorothy Stang. Com a decisão, a ação seguirá na Justiça Estadual do Pará.

Os ministros consideraram ausente um dos requisitos para a incidência do dispositivo recém-criado pela Emenda Constitucional 45 — da reforma do Judiciário: a inércia ou incapacidade das autoridades responsáveis de responder ao caso específico.

O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, em sustentação oral, afirmou que o crime deveria ser federalizado em razão de sua brutalidade e da incapacidade do estado de defender a vida da missionária, apesar de manifestações pedindo sua proteção feitas reiteradamente, mesmo pela Justiça Estadual. As informações são do STJ.

Fonteles ressaltou a contradição entre o manifesto do presidente do Tribunal de Justiça do Pará, que afirmou tratar-se de “brutal assassinato da missionária” e o fato de a primeira instância da Justiça ter recebido denúncia contra Dorothy como mandante de uma quadrilha de assassinatos, por fornecer alimentos a supostos criminosos.

O procurador do estado do Pará Aluízio Campos defendeu a manutenção da competência da Justiça Estadual sobre o caso. Campos destacou que não se estavam avaliando as qualidades da irmã ou a brutalidade do crime, mas a incapacidade e inércia da Justiça e da polícia locais para lidar com o caso. Afirmou que todos os acusados já estão presos e que o júri popular contra os acusados está previsto para agosto deste ano.

Ele sustentou ainda o perigo na abertura de um precedente de federalização e eventualmente internacionalização de tais casos contra os direitos humanos, a instauração de um juízo de exceção pela violação do princípio do juiz natural. Campos lembrou também que Dorothy Stang foi acusada de porte ilegal de arma e auxílio aos grupos criminosos.

Aluízio Campos ressaltou que não há nenhum pedido de intervenção federal contra o Pará, que resgata seus precatórios e cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal em dia, o que demonstraria que o estado não é uma “terra sem lei”. O Pará, afirmou, tem todo o aparato para punir os assassinos.

A decisão

O ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do caso, inicialmente afastou as questões preliminares contra o pedido de deslocamento de competência pedido pelo Procurador-Geral da República. Para o ministro, não há necessidade de definição de quais seriam os crimes que incorreriam em “grave violação dos direitos humanos”, já que todo homicídio viola o direito maior da pessoa, a vida.

Ao mesmo tempo, não seria razoável admitir que todos os crimes que tratem de violação dos direitos humanos sejam deslocados para a Justiça Federal, sob pena de inviabilizá-la, esvaziando, ao mesmo tempo, a Justiça Estadual.

No mérito, o relator listou as medidas adotadas pela Justiça Estadual e as autoridades locais para reagir de forma eficaz ao crime em questão. A investigação e a denúncia foram concluídas em tempo recorde, manifestando a ausência do terceiro requisito que autorizaria a federalização: a incapacidade do estado em cuidar do crime por descaso, desinteresse, ausência de vontade política e a falta de condições pessoais ou materiais, entre outras.

Este requisito seria indispensável para a incidência do deslocamento para a esfera federal, ao lado dos outros dois: a grave violação dos direitos humanos e a garantia do cumprimento, pelo Brasil, de obrigações decorrentes de tratados internacionais.

“Tais requisitos — os três — hão de ser cumulativos, o que parece ser de senso comum, pois do contrário haveria indevida, inconstitucional, abusiva invasão de competência estadual por parte da União Federal, ferindo o Estado de Direito e a própria federação, o que certamente ninguém deseja, sabendo-se, outrossim, que o fortalecimento das instituições públicas – todas, em todas as esferas – deve ser a tônica, fiel àquela asserção segundo a qual, figuradamente, ‘nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco’”, afirmou o ministro Arnaldo Esteves Lima.

“O feito, aliás, já se encontra em fase adiantada estando os denunciados presos e prestes a serem submetidos a seu juízo natural, qual seja, o Tribunal do Júri estadual”, disse o relator.

Assassinato covarde

O ministro destacou que o assassinato da missionária Dorothy Stang é trágico e covarde, e merece “a mais absoluta repulsa de toda a sociedade”. A apuração e responsabilização dos culpados devem ser, dentro da lei, rigorosos, afirmou.

Mas, nas circunstâncias específicas, não há razão para afastar o procedimento criminal em curso de seu trâmite normal, perante a Justiça Estadual, que “com certeza, cumprirá, como vem fazendo, o seu indeclinável dever funcional, não só perante a sociedade local, estadual, nacional, mas, igualmente, internacional”.


O deferimento do pedido de deslocamento de competência para a Justiça Federal poderia, ainda, tumultuar o andamento do processo criminal e adiar a solução do caso, utilizando-se o instrumento criado pela reforma do Judiciário contra sua própria finalidade, que é a de combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação dos direitos humanos, ressaltou o ministro Esteves de Lima.

Leia a íntegra do voto do relator

INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA Nº 1 – PA (2005/0029378-4)

RELATÓRIO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:

Trata-se de incidente de deslocamento de competência – IDC, suscitado pelo il. Procurador-Geral da República Dr. CLAUDIO LEMOS FONTELES, em 4/3/2005 (fl. 2), com base no § 5º do art. 109 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, publicada no dia 31/12/2004, para que a investigação, o processamento e o julgamento dos mandantes, intermediários e executores do assassinato da irmã DOROTHY STANG, ocorrido em Anapu/PA, município situado a 68 Km da sede da Comarca de Pacajá/PA, sejam deslocados para o âmbito da Polícia e da Justiça Federal naquele Estado.

Em suas razões, alega o suscitante que se encontram presentes, na hipótese, os dois requisitos que autorizam o deslocamento pretendido, que são: (a) a grave violação de direitos humanos, tendo em vista que o trabalho da vítima destacava-se internacionalmente pela defesa intransigente dos direitos dos colonos envolvidos em conflitos com grileiros de terras naquela localidade, e (b) a necessidade de garantir que o Brasil cumpra com as obrigações decorrentes de pactos internacionais firmados sobre direitos humanos, apontando, para tanto, evidências referentes ao quadro de omissões das autoridades estaduais constituídas, diversas vezes alertadas da prática das mais variadas atrocidades e violências envolvendo disputa pela posse e propriedade de terras no Município de Anapu/PA.

As informações requisitadas – na mesma data do pedido (fl. 255) – foram prestadas pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Des. MILTON AUGUSTO DE BRITO NOBRE, no dia 22/3/2005, que se insurgiu contra a pretensão (fls. 339/371), trazendo aos autos farta documentação para demonstrar o empenho do Governo Estadual no combate à criminalidade e violência resultantes de conflitos agrários (fls. 372/505).

Por sua vez, a Procuradoria-Geral de Justiça da referida Unidade da Federação, por seu titular, Dr. FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA, espontaneamente, também ofereceu informações – trazendo cópia de vários documentos – acerca do andamento das investigações e do processo criminal, já instaurado, que à época (21/3/2005) se encontrava na fase de tomada dos depoimentos das testemunhas de acusação (fls. 259/267).

Considerando o posterior recebimento da denúncia ofertada pelo Ministério Público estadual em desfavor dos então indiciados, noticiado pelas referidas informações, determinei a intimação dos réus para manifestação sobre o presente pedido do deslocamento de competência, em observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (fl. 507).

O Sr. DAVID JOSEPH STANG, irmão da vítima, na qualidade de assistente do Ministério Público Estadual, manifestou-se pelo deferimento do pedido de deslocamento da competência. Sustentou, em síntese, a necessidade da federalização em virtude da ineficácia das instituições locais no que tange à “… prevenção das violações de direitos humanos; a parcialidade das investigações; e a não aplicação das punições quando há responsabilização” (fl. 530).

Consigne-se, ainda, que inúmeras manifestações de pessoas, inclusive estrangeiras, e entidades dedicadas a tais direitos chegaram a nosso conhecimento, demonstrando a justa indignação com o ocorrido.

Expedida a competente carta de ordem (fl. 510), a mesma foi cumprida, mas não se manifestaram os acusados, embora regularmente intimados (fls. 608/613).

O Ministério Público Federal, por seu chefe, il. Dr. CLAUDIO FONTELES, emitiu o bem-fundamentado parecer, às fls. 615/621, pela procedência do pleito.

É o relatório.

INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA Nº 1 – PA (2005/0029378-4)

EMENTA

CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO. (VÍTIMA IRMÃ DOROTHY STANG). CRIME PRATICADO COM GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA – IDC. INÉPCIA DA PEÇA INAUGURAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA CONTIDA. PRELIMINARES REJEITADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À AUTONOMIA DA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RISCO DE DESCUMPRIMENTO DE TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELO BRASIL SOBRE A MATÉRIA NÃO CONFIGURADO NA HIPÓTESE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO.


1. Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário por força do Decreto nº 678, de 6/11/1992, razão por que não há que se falar em inépcia da peça inaugural.

2. Dada a amplitude e a magnitude da expressão “direitos humanos”, é verossímil que o constituinte derivado tenha optado por não definir o rol dos crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade precípua, que é assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria, examinando-se cada situação de fato, suas circunstâncias e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual não há que se falar em norma de eficácia limitada. Ademais, não é próprio de texto constitucional tais definições.

3. Aparente incompatibilidade do IDC, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática processual em vigor deve ser resolvida aplicando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

4. Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção do Estado do Pará em dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos.

5. O deslocamento de competência – em que a existência de crime praticado com grave violação dos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido – deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha o incidente.

6. Pedido indeferido, sem prejuízo do disposto no art. 1º, inc. III, da Lei nº 10.446, de 8/5/2002.

VOTO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):

1 – A Constituição de 1988 preocupou-se, como não poderia deixar de ser, com os direitos básicos do homem (Título II – arts. 5º a 17), tanto que, de início, ao tratar dos princípios fundamentais, o constituinte originário deixou consignado que, verbis: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito (Título I – art. 1º), tendo entre os seus 5 (cinco) principais fundamentos “a dignidade da pessoa humana” (art. 1º, inc. III).

1.1 – Não há dúvida quanto à importância dada pelo constituinte à questão dos direitos humanos, ao prescrever, como cláusula pétrea que: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º, inc. IV).

1.2 – Não fora isso, o constituinte incluiu a prevalência de tais direitos dentre os princípios que devem reger as relações internacionais da República Federativa do Brasil (art. 4º, inc. II). Esta foi, certamente, forte razão que levou o saudoso Dr. ULYSSES GUIMARÃES, então Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, a batizar nossa Carta de “Constituição Cidadã”.

2 – Nessa linha, a EC nº 45/2004, aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional, publicada no dia 31/12/2004, decorrente da PEC nº 96-A, de 1992, à qual foram apensadas as PECs nºs 112-A/95, 127-A/95, 215-A/95, 368-A/96 e 500-A/97, todas tratando da reforma do Poder Judiciário –, inseriu no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de deslocamento da competência originária para a investigação, processamento e julgamento dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, da esfera estadual para a federal, acrescentando ao art. 109 da Constituição o inciso V-A e o § 5º, com a seguinte redação, verbis:


Art. 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar:

……………………………….

V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;………………….

§ 5º – Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

3 – A criação desse instituto decorreu, dentre outros motivos, da percepção de que, em vários casos, os mecanismos até então disponíveis para a apuração e punição desses delitos demonstraram-se insuficientes e, até mesmo, ineficientes, expondo de forma negativa a imagem do Brasil no exterior, que, freqüentemente, por meio de diversos organismos internacionais, além da mídia, tem sofrido severas críticas quanto à negligência na apuração desse tipo de crime, que resulta quase sempre em impunidade, não obstante os diversos compromissos por ele firmados, com relação à proteção desses direitos, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e a Declaração de Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que podem colocar o Estado brasileiro como sujeito passivo nos casos impunes a ela comunicados.

4 – Por outro lado, não há como negar a grande dificuldade do Governo Federal, no que tange às reiteradas omissões na apuração e punição dos crimes praticados internamente com grave violação aos direitos humanos, uma vez que a competência originária para a investigação, processamento e julgamento encontra-se no âmbito dos Estados, que, muitas vezes, por questões histórico-culturais e sócio-econômicas, mostram-se insensíveis às violações desses direitos, os quais o Brasil comprometeu-se, inclusive no plano internacional, a respeitar e proteger e é, de resto, dever elementar, essencial, do Estado, como um todo, coibir e punir severamente os seus infratores, sem maltrato, jamais, à legalidade estrita.

4.1 – Essas conclusões decorrem da edição da Medida Provisória nº 27, de 24/2/2002, convertida na Lei nº 10.446, de 8/5/2002, que, sem retirar a responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da CF, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, em grande e essencial avanço, autorizou a Polícia Federal a proceder à investigação acerca de infrações penais “relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte” (art. 1º, inc. III), bem como da Exposição de Motivos nº 231/A-MJ, de 13/5/1996, oriunda do Ministério da Justiça, que, para justificar a referida possibilidade de deslocamento da competência para o processamento e julgamento dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos, objeto da PEC 386-A/96, apresentada pelo Poder Executivo, consignou expressamente que, verbis:

A questão dos Direitos Humanos, a partir do segundo conflito mundial, vem obtendo crescente atenção dos governos, espelhando a preocupação das suas populações com a preservação desses direitos.

No Brasil, a Constituinte de 1988 procurou resguardar os Direitos Humanos através do disposto no art. 5º da Constituição, além de dedicar especial atenção às crianças, ao idoso e aos índios (arts. 226 a 232).

Entretanto, a despeito do cuidado da Constituição em assegurar os Direitos Humanos, a realidade é que a violação desses direitos em nosso País tornou-se prática comum, criando um clima de revolta e de insegurança na população, além de provocar indignação internacional.

É que o Estado brasileiro, ao cuidar de bem definir os ordenamentos que asseguram tais direitos, descurou em relação a instrumentos capazes de assegurar o seu pleno exercício.

De fato, nenhuma mudança substancial foi estabelecida na competência e na organização das polícias pela Constituição de 1988, mantendo-se às Polícias Civis a atribuição de polícia judiciária estadual.

A par disso, as Polícias Militares também foram mantidas com a atribuição do policiamento ostensivo e de preservação da ordem pública nos Estados.

De outra parte, na Constituição, à Polícia Federal reservou-se tão-somente a apuração das infrações penais relacionadas no seu art. 144, § 1º, nelas não incluídas as matérias relativas a preservação dos Direitos Humanos.

Com isso, constitucionalmente, as lesões aos Direitos Humanos ficaram sob a égide do aparelhamento policial e judicial dos Estados Federados que, em face de razões históricas, culturais, econômicas e sociais, têm marcado sua atuação significativamente distanciada dessa temática.


Esse distanciamento apresenta-se ainda mais concreto e evidente nas áreas periféricas das cidades e do campo, em que fatores econômicos e sociais preponderam indevidamente na ação do aparelhamento estatal. Essa fragilidade institucional criou clima propício para cada vez mais freqüentes violações dos Direitos Humanos em nosso País, que ficam imunes à atuação fiscalizadora e repressora do Estado.

Esse quadro de impunidade que ora impera está a exigir medidas destinadas a revertê-lo, sob pena dos conflitos sociais se agravarem de tal forma que venham fugir ao controle do próprio Estado.

Por estas razões e visando a realização, em concreto, dos Direitos Humanos em nosso País, julgamos necessário incluir na competência da justiça federal os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob a tutela de órgão federal de proteção dos Direitos Humanos, bem assim as causas civis ou criminais nas quais o mesmo órgão ou o Procurador-Geral da República manifeste interesse. A fórmula consiste na inserção de dois novos incisos no art. 109 da Constituição.

Sem dúvida, a Justiça Federal e o Ministério Público da União, no âmbito das suas atribuições constitucionais, vêm se destacando no cenário nacional como exemplos de isenção e de dedicação no cumprimento dos seus deveres institucionais.

Por outro lado, cumpre destacar que a própria natureza dessas duas Instituições, com atuação de abrangência nacional, as tornam mais imunes aos fatores locais de ordem política, social e econômica, que, até agora, têm afetado um eficaz resguardo dos Direitos Humanos.

4.2 – Embora a proposta do Executivo não tenha encontrado amparo na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados, como originalmente formulada, que acrescentava dois incisos (XII e XIII) ao art. 109 da CF – por meio dos quais pretendia-se atribuir à Justiça Federal o julgamento dos crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob a tutela de órgão federal de proteção dos direitos humanos e as causas civis ou criminais nas quais órgão federal de proteção dos direitos humanos ou o Procurador-Geral da República manifestassem interesse –, certo é que parte da pretensão vingou e, a partir da publicação da referida EC nº 45/2004, inseriu-se no nosso ordenamento jurídico tal inovação.

4.3 – É imprescindível, todavia, verificar o real significado da expressão “grave violação de direitos humanos”, tendo em vista que todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o direito à vida. Esta é uma das dificuldades.

4.4 – Destarte, não é razoável admitir – sob pena, inclusive, de esvaziar a competência da Justiça Estadual e inviabilizar o funcionamento da Justiça Federal – que todos os processos judiciais que impliquem grave violação a um desses direitos possam ensejar o deslocamento da competência para o processamento e julgamento do feito para o Judiciário Federal, banalizando esse novo instituto, que foi criado com a finalidade de disponibilizar instrumento capaz de conferir eficiente resposta estatal às violações aos direitos humanos, evitando que o Brasil venha a ser responsabilizado por não cumprir os tratados internacionais, por ele firmados, que versem sobre esses direitos internacionalmente protegidos.

4.5 – Nesse ponto, muito se discutiu acerca da necessidade de norma legal definindo expressamente quais seriam os crimes praticados com grave violação aos direitos humanos, inclusive com sugestão apresentada por comissão formada por Procuradores de Estados da Federação e da República, segundo nos informa a il. Procuradora do Estado de São Paulo, Dra. FLÁVIA PIOVESAN, em seu estudo “Direitos Humanos Internacionais e Jurisdição Supra-Nacional: A exigência da Federalização” (in “Boletim dos Procuradores da República” nº 16, Agosto/1999). As conclusões foram no sentido de que seria da Justiça Federal a competência para processar e julgar os crimes de tortura; os homicídios dolosos qualificados praticados por agente funcional de quaisquer dos entes federados; os cometidos contra as comunidades indígenas ou seus integrantes; os homicídios dolosos quando motivados por preconceito de origem, raça, sexo, opção sexual, cor, religião, opinião política ou idade ou quando decorrente de conflitos fundiários de natureza coletiva; e os crimes de uso, intermediação e exploração de trabalho escravo ou de criança e adolescente em quaisquer das formas previstas em tratados internacionais.

4.6 – Entretanto, dada a amplitude e a magnitude da expressão “direitos humanos”, é verossímil que o constituinte derivado tenha preferido não definir o rol desses crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade precípua, que é a de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria. Além disso, não é comum definição dessa natureza no próprio texto constitucional. Pelo menos, momentaneamente, persiste em aberto tal aspecto, podendo o Congresso Nacional, por lei, especificar os tipos penais susceptíveis de ensejar o deslocamento de competência.


5 – Logo, não há base jurídica para atribuir ao referido preceito eficácia limitada (sem o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa), ou que o processamento desse incidente dependa de regulamentação própria, até porque as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais – em cujo elenco, indiscutivelmente, se encontram inseridos os “direitos humanos” – têm aplicação imediata, por força do disposto no § 1º do art. 5º da Carta da República. É suficiente, portanto, para o deslocamento da competência, a demonstração inequívoca, no caso concreto, de ameaça efetiva, real, ao cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, respeitando-se, obviamente, o direito de manifestação das partes interessadas sobre o pedido formulado pelo Procurador-Geral da República, aliado a terceiro pressuposto, que será abordado mais adiante.

5.1 – Por outro lado, não há, também, incompatibilidade do IDC com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática processual em vigor.

5.2 – Com efeito, não se discute que o novo instituto é instrumento a ser utilizado em situações especialíssimas, quando devidamente demonstrada a sua necessidade, a sua imprescindibilidade, tal como acontece, semelhantemente, com o pedido de desaforamento (CPP, art. 424) ou com a intervenção federal (CF, art. 34), observadas, é claro, as peculiaridades e finalidades de cada instituto.

5.3 – De fato, o IDC, principalmente na hipótese de homicídio doloso qualificado, de competência do Tribunal do Júri, guarda muita semelhança com o desaforamento, no qual o direito de o réu ser julgado pelos seus pares da comunidade, no chamado “distrito da culpa”, cede lugar ao objetivo maior, que é a realização da justiça em sua plenitude, finalidade última do processo, sem que isso represente violação ao princípio do juiz e/ou do promotor natural, nem se constitua em juízo ou tribunal de exceção, desde que presentes os pressupostos legais que a tanto o autorizem.

5.4 – Aliás, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o juiz natural de processo por crimes dolosos contra a vida é o Tribunal do Júri, mas o local do julgamento pode variar, conforme as normas processuais, que não são incompatíveis com a Constituição Federal e também não ensejam a formação de tribunais de exceção (HC 67.851/GO, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ 18/5/1990).

6 – Como se sabe, não é incomum, sobretudo em face de constituição analítica, como a nossa, ocorrerem conflitos entre seus preceitos. A Profª. LILIANE RORIZ, em sua dissertação intitulada “Conflito entre Normas Constitucionais”, América Jurídica, 1ª ed., pág. 13, leciona:

Segundo conceito de José Carlos Vieira de Andrade, “haverá colisão ou conflito sempre que se deve entender que a Constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta. A esfera de protecção (sic) de um certo direito é constitucionalmente protegida em termos de intersectar a esfera de outro direito ou de colidir com uma norma ou princípio constitucional. O problema agora é outro: é o de saber como vai resolver-se esta contradição no caso concreto, como é que se vai dar solução ao conflito entre bens, quando ambos (todos) se apresentam efectivamente (sic) protegidos como fundamentais”. (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 220.)

Precedente importante, o voto vencedor proferido pelo Ministro GILMAR MENDES, do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Intervenção Federal nº 2.915-5/SP, nos seguintes termos, verbis:

O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um ‘limite do limite’ ou uma ‘proibição de excesso’ na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebidos de modo relativo – tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.

A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.


Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (…), há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).

Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário. (DJ 28/11/2003, p. 11.)

6.1 – Vetores basilares para se saber, concretamente, qual a regra ou garantia constitucional deva prevalecer resulta, assim, da observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

6.2 – Portanto, considerando que o assassinato da missionária norte-americana DOROTHY STANG – cuja atuação destacava-se internacionalmente pela defesa intransigente dos direitos dos colonos envolvidos em conflitos com grileiros de terras no Município de Anapu/PA – constitui-se em grave, lamentável e brutal violação ao maior e mais importante de todos os direitos humanos, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário por força do Decreto nº 678, de 6/11/1992, aliado às alegações do suscitante quanto à necessidade de garantir que o Brasil cumpra com as obrigações decorrentes de pactos internacionais firmados sobre a matéria, indicando, com base na documentação que acompanhou a inicial, que o IDC merece, em tese, ser conhecido.

7 – Pelas razões expostas, no entanto, as preliminares argüidas pela autoridade suscitada devem ser afastadas. Com efeito, não procede a alegada inépcia da petição inicial, por ser desnecessária, supérflua até, a menção expressa do dispositivo específico do tratado ou convenção que foi violado, fiel ao princípio iura novit curia, aqui também aplicável, sabendo-se que tais pactos internacionais, subscritos pelo Brasil, uma vez internalizados, com a aprovação do Congresso Nacional, têm a natureza ou hierarquia das emendas constitucionais, ou a elas são equivalentes, ut § 3º do art. 5º/CF (EC 45). Por sua vez, a ausência de norma legal ou constitucional descrevendo os crimes praticados com grave violação a tais direitos parece ter sido a opção do constituinte derivado, visando não restringir ou limitar os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), que não afronta o princípio do juiz natural, nem se constitui em tribunal de exceção. Além disso, a sua não-regulamentação não impede, uma vez presentes os pressupostos, a sua aplicação, concretamente, sabendo-se que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, por força do disposto no § 1º do art. 5º da Constituição Federal.

8 – No mérito, cumpre verificar a necessidade da adoção dessa medida extrema, para a finalidade à qual se destina, sendo, para tanto, conveniente destacar as informações prestadas pela autoridade suscitada, em 21/3/2005, nos seguintes termos, verbis (fls. 366/368):

Em Pacajá, o Poder Judiciário estadual conta com uma vara única. O Dr. Lucas do Carmo de Jesus é o juiz titular da comarca, com residência fixada na localidade, onde impulsiona os serviços forenses e, segundo as informações do qual (cópia anexa), as polícias Civil e Federal instauraram seus inquéritos, respectivamente, em 12/02/2005 e 13/02/2005, tendo concluído as investigações, antes do prazo legal de 30 dias, sendo que os procedimentos iniciais da fase de instrução foram realizados em tempo recorde.

Ainda nessa fase, cerca de dezesseis medidas cautelares penais foram requeridas pelo Ministério Público e pelas Polícias Judiciárias que conduziam as investigações ao Juízo de Pacajá, tais como, prisões temporárias, preventivas, pedidos de interceptações telefônicas, que foram registradas e autuadas em apartado e, apreciadas no menor tempo possível. Foram indiciados Rayfran das Neves Sales, Clodoaldo Carlos Batista, Amair Feijoli da Cunha e Vitalmiro Bastos de Moura, que tiveram suas prisões preventivas decretadas, e foram presos, à exceção do último acusado, em 20/02/2005, 22/02/2005 e 19/02/2005, respectivamente.


O oferecimento da denúncia pelo membro do Ministério Público Estadual foi feito de forma célere, tendo sido apresentada essa peça também antes do prazo legal, em 07/03/2005 em face dos 4 (quatro) indiciados, por homicídio duplamente qualificado, na qual são apontados como incursos nas sanções punitivas previstas no art. 121, § 2°, incisos I e IV, do Código Penal Brasileiro. Clodoaldo Carlos Batista e Rayfran das Neves Sales são apontados como executores do assassinato, Amair Feijoli da Cunha foi denunciado como intermediário do crime. O quarto denunciado, Vitalmiro Barros de Moura, que continua foragido, foi denunciado como o mandante do crime.

A denúncia foi recebida e no mesmo dia, em despacho, o magistrado definiu o dia 15, às 9h, para o interrogatório dos réus que estão recolhidos no Complexo Penitenciário de Americano, localizado no município de Santa Izabel do Pará, 38 km de Belém, determinando, também, o desmembramento do processo em relação ao réu solto, para que não haja demora na instrução processual relacionada aos outros três que estão recolhidos.

No dia aprazado o juiz antes referido se deslocou da comarca e interrogou os denunciados no próprio presídio, entre às 10h e 22h30m, sendo que, ao final, foi concedido aos defensores dos acusados o prazo de 3 (três) dias para a apresentação de defesa prévia e designados os dias 21/03/2005 e 23/03/2005 para a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação.

Esclareceu, ainda, aquele magistrado que a testemunha Cícero Pinto da Cruz está incluída no Programa de Proteção de Vítimas e Testemunhas e está residindo em Belém, razão pela qual, e por questões de segurança, foi determinada a realização da audiência para sua oitiva nesta Capital, no dia 21/03/2003, às 09h00m, sendo que as demais testemunhas arroladas pela acusação (seis), serão ouvidas no Fórum da Comarca de Pacajá, no dia 23/03/2005, a partir das 09h00m. As partes foram intimadas das deliberações do Juízo na própria audiência.

Informou, por fim, o Dr. Lucas de Jesus que aos acusados Rayfran e Clodoaldo foram nomeadas defensoras públicas, eis que não tinham advogados constituídos para promover suas defesas, bem como que todas as diligências requeridas pelo Ministério Público local foram deferidas, consistentes na juntada de peças periciais, de levantamento do local do crime e reprodução simulada do crime, restando a apresentação do laudo de exames correlatos à necropsia, da perícia de danos no veículo queimado próximo ao local do crime, da reprodução simulada da cena do crime e laudo da perícia de recenticidade e eficiência da arma do crime.

Tudo isso, deve-se frisar, sustenta a forte convicção de que todos os procedimentos legais foram observados, inclusive quanto aos prazos previstos em lei, sendo todos esses atos praticados por autoridades estaduais, embora seja devido reconhecer a prestimosa e competente colaboração da Polícia Federal e de contingentes do Exército Nacional.

8.1 – Supervenientemente, como é notório, o réu VITALMIRO BARROS DE MOURA, denunciado como mandante do crime, foi custodiado, o que facilitará a instrução processual, sem falar na prisão do madeireiro REGIVALDO GALVÃO, sobre quem, da mesma forma, recaem suspeitas de envolvimento na morte da missionária DOROTHY STANG, também como possível mandante, conforme noticiou o jornal “Correio Braziliense”, que circulou no dia 8/4/2005.

9 – Por sua vez, a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Pará prestou espontânea informação sobre os fatos e providências adotadas pelo Ministério Público Estadual, da qual cumpre-me destacar, verbis (fls. 260/264):

Em 12.02.2005, a missionária americana, naturalizada brasileira, Dorothy Mae Stang, é assassinada com seis tiros de revólver, calibre 38, na área do assentamento do PDS Esperança (Projeto de Desenvolvimento Sustentável), por volta das 07:30 horas da manhã. Nesse dia, a Polícia Civil do Município de Anapu, compareceu à área do assentamento realizando o levantamento e o isolamento do local do crime, bem como a remoção do cadáver e iniciando a coleta de provas no sentido de identificar a autoria do delito.

Em 15.02.2005, o Promotor de Justiça, Lauro Francisco da Silva Freitas Júnior, acompanhado do Juiz de Direito da Comarca de Anapu, Dr. Lucas do Carmo Jesus, deslocaram-se ao local das investigações tomando conhecimento da apuração policial. Ressaltando que o Promotor de Justiça e o Juiz de Direito providenciaram as medidas judiciais cabíveis despachadas diretamente do local das investigações, tais como, interceptações telefônicas, quebra de dados telefônicos, busca apreensão, quebra de sigilo bancário, decretação de prisões.

Em 16.02.2005, os Promotores de Justiça, Drs. Sávio Rui Brabo de Araújo e Edmilson Barbosa Leray, designados pela Procuradoria-Geral de Justiça, para acompanhar as referidas investigações, deslocaram-se à cidade de Altamira.


Em 17.02.2005, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Edmilson Leray, integraram-se à força-tarefa formada pelo Delegado-Geral da Polícia Civil do Estado do Pará, Polícia Federal e Exército Brasileiro, participando de reuniões de estratégias para a condução dos trabalhos investigatórios. Acionou-se o GEPROC do Ministério Público do Estado do Pará (Grupo Especial de Prevenção e Repressão às Organizações Criminosas) para auxiliar as investigações, principalmente na área de inteligência.

Em 18.02.2005, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Edmilson Leray, deslocaram-se ao Município de Anapu para acompanhar o reconhecimento por fotografia realizado pela única testemunha ocular do crime, que reconheceu o pistoleiro Rayfran das Neves Sales como sendo o executor dos tiros desferidos na vítima.

Após reuniões com os coordenadores da força-tarefa, iniciou-se intensivas negociações para apresentação do intermediário Amair Feijoli da Cunha, vulgo ‘Tato’.

Em 19.02.2005, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Edmilson Leray, presenciaram a apresentação de ‘Tato’, na Delegacia de Polícia Civil, por volta das 15:00 horas, sob acompanhamento da imprensa.

No mesmo dia, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Edmilson Leray, por volta das 20:00 horas, nas dependências da Superintendência Regional do Xingu, convocaram uma reunião com todos os Delegados da Polícia Civil envolvidos nas investigações, sendo decidido: a) a linha de interrogatório do acusado Amair Feijoli da Cunha, vulgo ‘Tato’; b) a necessidade de reconstituição do crime; c) a oitiva de pessoas supostamente interessadas na morte da vítima, cujos nomes foram levantados pela inteligência do Ministério Público do Estado do Pará; d) quebra do sigilo bancário dos acusados e das pessoas supostamente interessadas na grilagem de terra na região; e) o levantamento dos antecedentes criminais dos acusados, bem como a rede de relacionamento com os latifundiários da região.

Em 20.02.2005, o interrogatório do acusado Amair Feijoli da Cunha, vulgo ‘Tato’, com a participação ativa dos Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Edmilson Leray, na Polícia Civil e Federal, os quais formularam perguntas explorando as contradições do interrogando, ressaltando que as declarações foram gravadas em fita VHS pela Polícia Civil. Nesse dia, por volta das 20:00 horas, a equipe do GEPROC, comandada pelo Cap. Apelloni, Subtenente Ênio, Tenente Ranieri, localizaram o acusado Rayfran das Neves Sales, cabendo ao Subtenente Ênio dar-lhe ‘voz de prisão’, às margens da Transamazônica, no Município de Anapu, sendo toda a prisão filmada em VHS pela equipe do GEPROC, cujas imagens foram exibidas em cadeia nacional pela Rede Globo, na edição do Jornal Nacional, de 23.02.2005.

Em 21.02.2005, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo, Edmilson Leray e Lauro Freitas Júnior, participaram ativamente do interrogatório do acusado Rayfran prestado perante a Polícia Civil e Federal, confessando a autoria do crime, bem como delatando a rota de fuga do segundo partícipe Clodoaldo Carlos Batista, vulgo ‘Eduardo’, e a indicação da localização da arma do crime. Em razão da relevância das informações, o Ministério Público requereu o sigilo judicial do inquérito policial civil, sendo acusado, de plano, pela autoridade judiciária competente.

Em 22.02.2005, em decorrência do sigilo judicial, tornou-se possível a captura do acusado Clodoaldo Carlos Batista, vulgo ‘Eduardo’, partícipe da morte da vítima, bem como a apreensão da arma do crime encontrada na Fazenda Bacajá, de propriedade do acusado Vitalmiro Bastos de Moura, vulgo ‘Bida’, localizada na área do assentamento do PDS Esperança. Nessa ocasião, o interrogado confessou sua participação na morte da vítima sendo responsável pela entrega da arma ao pistoleiro Rayfran, bem como auxiliou na execução do crime, imputando ainda a encomenda do crime ao acusado Vitalmiro, vulgo ‘Bida’, pela importância de R$ 50.000,00, que seria dividida entre ‘Tato’, Rayfran e Eduardo.

No mesmo dia, os acusados foram acareados na presença dos Promotores de Justiça signatários, revelando detalhes do planejamento da ação criminosa, da execução e fuga.

Em 23.02.2005, as imagens da captura do acusado Rayfran, captadas pelo Ministério Público Estadual, foram cedidas à Rede Globo de Televisão e exibidas no Jornal Nacional.

No mesmo dia, o Juiz de Direito da Comarca de Pacajá, Dr. Lucas do Carmo Jesus, deslocou-se à cidade de Altamira, com a finalidade de reunir-se com os Promotores de Justiça signatários para tratar de medidas judiciais necessárias no andamento regular do inquérito policial civil. Em seguida, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Lauro Freitas Júnior, participaram da estratégia para a realização da reconstituição do crime no Município de Anapu.


Em 24.02.2005, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Lauro Freitas Júnior, participaram efetivamente da reconstituição do crime no Município de Anapu. Enquanto, o Promotor de Justiça, Edmilson Leray, participou de reunião no Município de Altamira, requerendo a inclusão de testemunhas no programa de proteção do governo estadual (PROVITA).

Em 04.03.2005, concluídos os inquéritos policiais tanto da polícia civil como da polícia federal.

Em 08.03.2005, o Ministério Público Estadual, através do Promotor de Justiça Lauro Francisco da Silva Freitas Júnior, Promotor de Justiça de Pacajá, ofereceu denúncia contra os indiciados por homicídio qualificado mediante promessa de recompensa e recurso que torne impossível a defesa da vítima combinado com concurso de pessoas. (CÓPIA ANEXA 1).

Em 07.03.2005, a peça inaugural da ação penal condenatória foi recebida pela autoridade judiciária de Pacajá, sendo designado o dia 15.03.2005 para interrogatório dos réus presos e 29.03.2005 para interrogatório do réu foragido, Vitalmiro Bastos de Moura (CÓPIA ANEXA 2).

Em 15.03.2005, no interior da Penitenciária de Americano, Rayfran das Neves Sales, Clodoaldo Carlos Batista e Amair Feijoli da Cunha foram interrogados. (CÓPIAS ANEXAS – 3, 4, 5, 6, 7).

Após prazo de defesa prévia, foi designado o dia 21.03.2005 o início da oitiva das testemunhas arroladas na denúncia.

Essa, a suma da instrução criminal.

10 – É importante relembrar que, no âmbito das instituições policiais, atua, não só o Estado, por seus agentes, mas, igualmente, a União, esta, pela Polícia Federal, forte no art. 144 da CF e na Lei nº 10.446/2002, como é notório. Na seara judicante, seja perante a Justiça Estadual ou a Federal, a competência para o julgamento é do Júri popular (CF, 5º, XXXVIII), cujo devido processo legal a ser, cogentemente, observado será o mesmo, seja o Tribunal popular presidido por magistrado estadual ou federal. Aquele, é importante dizer, além de sua natural competência, tem, em princípio, maior vivência na condução de processos de tal conteúdo, sabendo-se que só excepcionalmente existem júris federais.

10.1 – Logo, até aí não se vislumbra relevância no eventual deslocamento da competência, pois o órgão judicante será o mesmo – o Júri Popular. Doravante, os recursos para o segundo grau se destinariam ao TJ/PA ou ao TRF-1ª Região, conforme a origem da sentença recorrida. A seguir, não haverá diversidade das instâncias chamadas de transordinárias, para eventuais ações ou recursos, dirigidos ao STJ e/ou STF. Tais aspectos, cediços, é certo, não são desprezíveis, no contexto, pois a rigor mesclam-se instituições do Estado-membro e da União Federal, a colimarem igual desiderato, qual seja, o devido processamento e julgamento dos acusados.

11 – A confiabilidade nas instituições públicas, constitucional e legalmente investidas de competência originária para atuar em casos como o presente – Polícia, Ministério Público, Judiciário – deve, como regra, prevalecer, ser apoiada e prestigiada, só afastando a sua atuação, a sua competência, excepcionalmente, ante provas induvidosas que revelem descaso, desinteresse, ausência de vontade política, falta de condições pessoais ou materiais etc. em levar a cabo a apuração e julgamento dos envolvidos na repugnante atuação criminosa, assegurando-se-lhes, no entanto, as garantias constitucionais específicas do devido processo legal.

11.1 – Do que se contém, todavia, neste IDC, não se conclui pela exceção mas, sim, pela regra, ou seja, tais instituições estaduais vêm cumprindo o seu dever funcional e, certamente, continuarão a fazê-lo, até o fim, com a importante e resoluta participação da operosa Polícia Federal, de forma legítima, nos momentos adequados.

11.2 – É oportuno registrar, ainda, a manifestação da Comissão Externa, constituída pelo Ato nº 8/2005, do Presidente do Senado Federal, para acompanhar tais investigações, a qual, após concluídos os trabalhos, oficiou a este Relator, por sua Presidente, Senadora ANA JÚLIA CAREPA (Of. 081-GSAJC, de 5/4/2005), no qual consta conclusão pela “… permissividade do poder público local, no caso, da Polícia Civil do Pará, corroborando, assim, os argumentos e o posicionamento manifestado pelo Procurador-Geral em favor da federalização”. O mesmo, no entanto, não se concluiu quanto ao MP e ao Judiciário locais. Admitindo a premissa em relação à Polícia Estadual, para argumentar, tal, se procedente, não seria decisivo porque a Polícia Federal, como já assinalado, atua, decididamente, desde o início, na elucidação dos fatos.

12 – Em síntese: Além dos dois requisitos prescritos no § 5º do art. 109 da CF: a) grave violação a direitos humanos e b) assegurar o cumprimento, pelo Brasil, de obrigações decorrentes de tratados internacionais, é necessário, ainda, a presença de terceiro requisito, qual seja, c) a incapacidade (oriunda de inércia, negligência, falta de vontade política, de condições pessoais, materiais etc.) de o Estado-membro, por suas instituições e autoridades, levar a cabo, em toda a sua extensão, a persecução penal. Tais requisitos – os três – hão de ser cumulativos, o que parece ser de senso comum, pois do contrário haveria indevida, inconstitucional, abusiva invasão de competência estadual por parte da União Federal, ferindo o Estado de Direito e a própria federação, o que certamente ninguém deseja, sabendo-se, outrossim, que o fortalecimento das instituições públicas – todas, em todas as esferas – deve ser a tônica, fiel àquela asserção segundo a qual, figuradamente, “nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco”. Para que o Brasil seja pujante, interna e externamente, é necessário que as suas unidades federadas – Estados, DF e Municípios –, internamente, sejam, proporcionalmente, também fortes e pujantes.


13 – Destarte, mesmo se fazendo presentes os dois requisitos previstos no § 5º do art. 109 da CF, a ausência do terceiro elemento que lhe é naturalmente implícito, para nós, afasta a sua concreta aplicação e, a par disso, coloca o Brasil ao abrigo da eventual submissão a julgamentos por Cortes Internacionais, porque ele não poderá ser acusado de se ter omitido na investigação, julgamento e punição dos culpados, sempre fiel ao princípio da legalidade, pois um seu Estado-membro, com seu apoio, atua adequadamente em tal sentido. O feito, aliás, já se encontra em fase adiantada (art. 406 e segs. do CPP) estando os denunciados presos e prestes a serem submetidos a seu juízo natural, qual seja, o Tribunal do Júri estadual, consoante recente informação, do MM. Juiz de Direito da Comarca de Pacajá, Dr. LUCAS DO CARMO DE JESUS, datada de 1º/6/2005, dizendo que os autos encontravam-se com vista para a acusação desde 31/5/2005, para alegações finais, cujo prazo se encerrará em 6/6/2005 (fl. 654).

13.1 – Ressalte-se, ademais, que nosso Poder Judiciário, conforme antiga e constante doutrina, é nacional. No ponto, peço licença para transcrever excerto do voto (“SEM REVISÃO”) proferido pelo em. Ministro CEZAR PELUSO, como Relator da ADIN 3.337-1, a saber:

Na verdade, desde JOÃO MENDES JÚNIOR, cuja opinião foi recordada por CASTRO NUNES,59 sabe-se que:

“O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional, implica a idéia de unidade e totalidade da força, que são as notas características da idéia de soberania. O Poder Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos juízes dos Estados, aplica leis nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não é federal, nem estadual, é eminentemente nacional, quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância.60” (grifos no original)

Desenvolvendo a idéia, asseveram ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:

“O Poder Judiciário é uno, assim como una é a sua função precípua – a jurisdição – por apresentar sempre o mesmo conteúdo e a mesma finalidade. Por outro lado, a eficácia espacial da lei a ser aplicada pelo Judiciário deve coincidir em princípio com os limites espaciais da competência deste, em obediência ao princípio una lex, una jurisdictio. Daí decorre a unidade funcional do Poder Judiciário”.

É tradicional a assertiva, na doutrina pátria, de que o Poder Judiciário não é federal nem estadual, mas nacional. É um único e mesmo poder que se positiva através de vários órgãos estatais – estes, sim, federais e estaduais.

(…)

(…) fala a Constituição das diversas Justiças, através das quais se exercerá a função jurisdicional. A jurisdição é uma só, ela não é nem federal nem estadual: como expressão do poder estatal, que é uno, ela é eminentemente nacional e não comporta divisões. No entanto, para a divisão racional do trabalho é conveniente que se instituam organismos distintos, outorgando-se a cada um deles um setor da grande ‘massa de causas’ que precisam ser processadas no país. Atende-se, para essa distribuição de competência, a critérios de diversas ordens: às vezes, é a natureza da relação jurídica material controvertida que irá determinar a atribuição de dados processos a dada Justiça; outra, é a qualidade das pessoas figurantes como partes; mas é invariavelmente o interesse público que inspira tudo isso (o Estado faz a divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da função jurisdicional)”.61

59 Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 77.

60 ALMEIDA JÚNIOR, JOÃO MENDES DE. Direito judiciário brasileiro, 5ª ed.. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 47.

61 Ob. cit., pp. 166 e 184. Grifos do original.

13.2 – Tal característica do Judiciário permite conclusão lógica no sentido de que, salvo melhor juízo, perante os demais Países também subscritores de pactos internacionais sobre direitos humanos, ocorrendo grave violação a eles, como no caso, o Brasil terá cumprido sua obrigação, com a apuração, processo e julgamento dos infratores, pelo Judiciário Estadual, desde que, como na espécie, o Estado-membro, por seus órgãos competentes, cumpra à risca as normas legais de regência, dando a adequada e segura resposta jurídico-penal aos infratores, contando, ainda, com o devido respaldo da Polícia Federal. Parece claro que a cobrança – internacional ou nacional – é no sentido da pronta, adequada e eficaz atuação estatal, sendo irrelevante que o seja por órgão do Judiciário, do Estado-membro ou da União Federal. Esta (UF), aliás, não sendo a matéria, em termos de divisão de competência, de sua alçada, deve respeitar a competência daquele (Estado), não só em atenção ao pacto federativo, mas até mesmo levando-se em conta a própria divisão de trabalho. Tal não obsta, naturalmente, que a União dê apoio ao primeiro, como faz, através da Polícia Federal, reservando-se, no entanto, a assumir, diretamente aquela competência Estadual, somente quando se fizerem presentes aqueles três requisitos anteriormente mencionados. Aí, sim, é imperiosa a sua presença direta, deslocando-se a competência por absoluta inoperância do Estado-membro, agregado aos demais pressupostos ínsitos ao § 5º do art. 109 da CF.


13.3 – O trágico e covarde assassinato da missionária DOROTHY STANG merece a mais absoluta repulsa de toda a sociedade. A apuração e a responsabilização penal dos culpados devem ser, dentro da lei, rigorosas. Trata-se, aliás, de crime hediondo. Nem por isso, entretanto, as circunstâncias que o envolvem recomendam se afaste o procedimento criminal de seu curso regular, perante a Justiça Estadual, a qual, com certeza, cumprirá, como vem fazendo, o seu indeclinável dever funcional, não só perante a sociedade local, estadual, nacional, mas, igualmente, internacional. Não é demais lembrar que violações de direitos humanos, tristemente, ocorrem no Brasil e, porque não dizer, em vários outros Países. O importante é seu combate, sem cansaço, pela Nação Brasileira, pois, mais hoje mais amanhã, o bem há de prevalecer. Para tanto, as instituições estatais destinadas a essa finalidade devem ser fortalecidas, prestigiadas, valorizadas, evitando-se afastar a sua atuação quando o conjunto dos fatos a tanto não recomendam, como já assinalado, pois isso seria inconstitucional, ilegal, e, como se sabe, não se combate eficazmente uma ilegalidade praticando-se outra.

14 – Em suma, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração de tais fatos, visando punir os eventuais responsáveis, refletindo a intenção e o dever do Estado do Pará em dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade do deslocamento da competência originária para a Justiça Federal de forma subsidiária, sob pena, inclusive, no caso, de tumultuar o andamento do processo criminal e procrastinar a solução da lide, utilizando-se o instrumento criado pela norma constitucional (art. 109, § 5º) em desfavor da sua própria finalidade, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação aos direitos humanos.

15 – Portanto, o incidente de deslocamento da competência – em que a existência de crime praticado com grave violação a tais direitos é pressuposto de sua admissibilidade – deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), o que deve estar compreendido na demonstração concreta de risco a descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, ante inoperante, inadequada, atuação de ramo da Justiça Nacional originariamente competente, tanto quanto dos demais órgãos estaduais responsáveis pela investigação (Polícia Judiciária) e persecução penal (Ministério Público), o que não restou evidenciado na espécie. Ademais, a observância do princípio da razoabilidade, de índole constitucional, também se opõe ao pleito ante o contexto retratado neste IDC.

16 – Conclusão: Pelo exposto, enaltecendo a atuação do il. Procurador-Geral da República, indefiro o presente pedido de deslocamento de competência, sem prejuízo do disposto na Lei nº 10.446, de 8/5/2002, que, sem retirar a responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, autorizou a Polícia Federal a proceder à investigação acerca de infrações penais “relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte” (art. 1º, inc. III).

É como voto”.

IDC 1

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