CPI de quê?

CPMI dos Correios pode tratar de mensalão

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29 de julho de 2005, 19h45

Criada para apurar denúncias de corrupção nos Correios, a CPMI de mais sucesso no Congresso Nacional investiga o mensalão, o suposto envolvimento ilícito de estatais com as empresas do publicitário Marcos Valério, caixa dois do PT, financiamento de campanhas eleitorais. Ou seja, apura tudo, menos corrupção nos Correios.

Como qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, a dos Correios também tem objeto de investigação. O requerimento de sua criação, lido oficialmente em sessão do Congresso Nacional, estabelece o fato determinado: “investigar as causas e conseqüências de denúncias de atos delituosos praticados por agentes públicos nos Correios — Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos”.

Em nenhum momento o documento expressa a intenção de estender as investigações à existência do mensalão e de outros fatos. Se levado ao pé da letra, seria inconstitucional colocar SMBP, DNA, Banco Rural, caixa dois do PT, Eduardo Azeredo, tudo no mesmo balaio.

Na teoria, se pretendesse extrapolar o objeto inicial das investigações, a CPMI deveria proceder formalmente e acrescentar os outros alvos de suspeita de ilícitos em seu requerimento, por meio de emendas. Do contrário, qualquer um dos convocados para depor poderia propor a nulidade dos atos que não tenham relação direta com os Correios.

Fatos conexos

Mas, na prática, a história é outra. O artigo 1º da lei que criou as Comissões Parlamentares de Inquérito, sancionada em 1952 pelo ex-presidente Getúlio Vargas, determina que as CPIs “terão ampla ação nas pesquisas destinadas a apurar os fatos determinados que deram origem à sua formação”. Mais adiante, em seu artigo 5º, que dispõe sobre a apresentação de relatório de trabalho pelas CPIs, a Lei 1.579 determina que: “se forem diversos os fatos objeto de inquérito, a comissão dirá, em separado, sobre cada um, podendo fazê-lo antes mesmo de finda a investigação dos demais”.

De acordo com dois ministros do Supremo Tribunal Federal ouvidos pela Consultor Jurídico, um possível pedido de nulidade das atividades da CPMI dos Correios não encontraria respaldo no tribunal.

Para um deles, a resposta sobre o direito da comissão de ir além dos limites presentes em seu requerimento resvala-se nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Segundo ele, o poder dos parlamentares inquirirem suspeitos de operar o mensalão está garantido. A ilegalidade só existiria se as pessoas citadas fossem “totalmente estranhas” ao que está sendo apurado.

“Todas as investigações têm como objeto a corrupção e, por isso, não há problema em estender o alvo da comissão. Todos os objetos têm interconexão e estão superpostos”, opina o outro ministro do Supremo. Ainda porque, segundo ele, outras instituições podem aproveitar o material apurado pela CPMI dos Correios. “Caberá, no final, ao MP investigar as acusações e analisar as provas. As conclusões da CPMI são preliminares”.

O palpite sobre o provável entendimento dos ministros do STF caso haja o questionamento da validade do relatório em relação a pontos além dos Correios pode ser também baseado na CPI que levou ao impeachment de Collor. Na ocasião, o tribunal aceitou a denúncia de corrupção contra o ex-presidente apesar de a comissão ter sido instalada para apurar a compra de um automóvel Elba com dinheiro público.

Noutra decisão da Supremo, em acórdão referente à CPI do Narcotráfico, de 2001, o ministro Celso de Mello admitiu que ela promovesse a investigação “ainda que os atos investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a acontecimentos sujeitos a inquéritos policiais ou a processos judiciais que guardem conexão com o evento principal objeto da apuração congressual”.

Rótulo

Apesar disso, para o professor de Direito Constitucional da USP Dalmo Dallari, a extensão das atividades da comissão de parlamentares além dos ligados aos Correios poderia resultar na nulidade do que foi apurado. “Qualquer pessoa que seja de alguma forma atingida pelas investigações pode impetrar pedido para obrigá-la [a CPMI] a atuar exclusivamente nos seus limites”, afirma.

Também no momento em que o relatório com as conclusões dos parlamentares for enviado ao Ministério Público — responsável por decidir se os fatos apurados são suficientes para que seja oferecida denúncia ao Supremo Tribunal Federal — qualquer um dos convocados para depor ou acusados pela comissão poderiam pedir a “nulidade de tudo o que não for referente aos Correios”, diz Dallari.

“Minha posição pessoal é a de que a CPMI dos Correios deve apenas apurar ilícitos relativos ao fato concreto”, diz o professor emérito do Mackenzie Ives Gandra Martins. “Mas os precedentes do Supremo demonstram que o tribunal sempre permitiu às comissões transbordar o fato concreto”. Assim, a probabilidade de sucesso na tentativa de anular os atos dos parlamentares é quase zero.

Origem e destino

Apesar de ter sua origem no vídeo que registrou o pagamento de suborno de R$ 3 mil ao ex-diretor dos Correios Maurício Marinho, a comissão acabou por tomar rumo diverso ao qual se propôs: seguiu em direção à apuração do pagamento do mensalão e do financiamento de campanha do PT, num emaranhado de denúncias cujos valores envolvidos chegam à casa dos R$ 4 bilhões.

O caminho adotado desencadeou um efeito dominó. Nem mesmo a CPMI iniciara os seus trabalhos, o deputado Roberto Jefferson (PTB/SP), então presidente do partido, denunciou o mensalão — supostos pagamentos feitos pelo PT para que parlamentares votassem com o governo. De Jefferson, as investigações foram parar em Renilda de Souza, “do lar”, mulher de Marcos Valério. Dos Correios, resvalaram em contratos do Banco do Brasil, Petrobrás e fundos de pensão.

Diante desse quadro, a sugestão do ministro das Comunicações Hélio Costa, encampada pelo deputado Welinton Fagundes (PL/MT), de mudar o nome da CPMI dos Correios ganha sentido. Ao justificar o pedido para que o nome da comissão fosse trocado para CPMI do Combate à Corrupção, o ministro Hélio Costa disse que as denúncias contra os Correios foram deixadas de lado e o que está sendo investigado são “coisas completamente diferentes”. O uso do nome estaria manchando a instituição de 108 mil funcionários e 100 anos de história.

Os integrantes da comissão deverão decidir, na próxima terça-feira (2/8), se sugerem ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), a mudança do seu nome. O presidente da comissão, senador Delcídio Amaral (PT/MS), anunciou que vai colocar a proposta em votação. Poderá mudar a embalagem, mas o conteúdo do ato que instalou a comissão provavelmente continuará o mesmo. Nem por isso a validade de seus atos deve ser abalada.

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