A fama e a lei

Advogados brilham na CPI e garantem aplicação do Direito

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27 de julho de 2005, 12h41

Uma boa CPI se faz com suspeitas de corrupção, deputados exaltados, acusados acuados e… advogados. Como tem demonstrado o maior sucesso da mídia brasileira nas últimas semanas — a CPI dos Correios que investiga o mensalão — estes últimos não são meros coadjuvantes. Muito bem pagos, muito bem preparados, alguns dos melhores criminalistas do país têm um papel decisivo nos trabalhos da CPI.

No estrito cumprimento de seu papel, eles têm garantido o amplo direito de defesa a seus clientes, embora muitas vezes isso possa parecer um absurdo para o público leigo e até mesmo para alguns parlamentares que fazem perguntas na CPI. Foi o que aconteceu quando o advogado mineiro Marcelo Leonardo, que representa o empresário de publicidade Marcos Valério, entrou com pedido de Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal para garantir que seu cliente pudesse se calar para não se auto-incriminar durante o interrogatório no Congresso Nacional.

A iniciativa de Marcelo Leonardo foi imitada por todos os advogados cujos clientes tivessem o silêncio como melhor opção nos interrogatórios. Nem Leonardo, nem nenhum de seus colegas inventaram qualquer novidade. Como bons conhecedores da lei, simplesmente lançaram mão de um dispositivo da Constituição que garante a todo cidadão o direito de não se auto-incriminar.

O próprio presidente da CPI, senador Delcídio Amaral, solicitou ao STF que não mais concedesse os Habeas Corpus aos depoentes da CPI para não atrapalhar o bom andamento das investigações. Os Habeas Corpus continuaram sendo concedidos, mesmo quando para boa parte das pessoas parecesse um absurdo garantir aos interrogados o suposto “direito de mentir” na CPI. Na verdade, tratava-se apenas de garantir um direito constitucional.

Luiz Guilherme Vieira, advogado do ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes, durante audiência da CPI do Sistema Financeiro, em 26 de abril de 1999, foi quem inaugurou o papel fundamental do advogado na CPI aconselhando seu cliente a ficar calado, já que estava ali como investigado e não como testemunha. Por seu comportamento, Vieira foi agredido por muitos, e acabou expulso do recinto, provocando o protesto da OAB. Mas fez escola. E voltou à arena. Hoje Vieira é o patrono de Waldomiro Diniz, naquela que deveria ser a mãe de todas as CPIs do governo Lula, a CPI dos Bingos.

Em volta do “picadeiro da CPI” — para utilizar a definição de um ex-servidor do governo — reuniu-se um seleto grupo de criminalistas. Além de Marcelo Leonardo, ex-presidente da OAB-MG e procurador da Assembléia Legislativa de Minas Gerais desde 1973, fazem parte do time o paulista Arnaldo Malheiros e o também mineiro Rui Caldas Pimenta.

Também criminalistas de reputação nacional, Luís Guilherme Vieira e Ricardo Sayeg, atuam em outro “picadeiro”. Defensores respectivamente de Waldomiro Diniz, ex-assessor do ex-ministro José Dirceu, e do bicheiro Carlinhos Cachoeira, estão na CPI dos Bingos, uma variação sobre o mesmo tema da CPI dos Correios (a trilogia da guerra nas estrelas da corrupção se completa com a CPI do Mensalão, que ainda não acendeu seus holofotes). Sayeg está acostumado ao burburinho e ao esplendor das câmaras: antes de Cachoeira ele representou o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, o “Lalau” do escândalo do TRT de São Paulo, e Toninho da Barcelona, doleiro da lavanderia do Banestado, que Sayeg foi contratado para reverter a condenação de 25 anos.

Para um criminalista carioca acostumado com CPIs, “o bom advogado não se revela nas grandes causas, mas nas causas simples, já que nas grandes causas todos tendem a ser bons advogados”. Para ele, o problema da pessoa que está sendo investigada sempre vai ser o maior problema do advogado. “Citando de Evaristo de Morais, pai, a função do advogado é representar a voz dos interesses legais do cliente. E assim, restabelecer o direito do cidadão”. Para tanto, não importa se o cliente é inocente ou culpado, se a causa é obscura ou cheia de glamour, como é o caso de uma CPI.

Malheiros, contratado pelo PT para representar o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex-secretário-geral Silvio Pereira, não é apenas um criminalista extraordinário e um professor renomado, mas também um político eclético. Antes dos petistas ele já tinha como como clientes o ex-prefeito paulistano, Paulo Maluf (PP-SP), e o atual prefeito, José Serra (PSDB-SP). Dele se sabe também que é velho amigo do ministro da Justiça e também advogado criminalista Márcio Thomas Bastos.

Membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Arnaldo Malheiros Filho acredita que faz parte do papel do advogado de defesa assistir ao cliente evitando que ele venha a se incriminar. “Numa CPI, como num inquérito policial, as pessoas prestam esclarecimento, não são julgadas. Nestes casos o advogado tem de estar atento para não permitir que o cliente se incrimine”, já que numa CPI o advogado não faz uma defesa formal do seu assistido.

O papel do advogado é mais de orientação. Malheiros levou tão a sério este papel, que durante o depoimento de Delúbio Soares chegou a ser interpelado pela senadora Heloisa Helena: “Talvez fosse melhor fazer as perguntas diretamente ao advogado. Ganharíamos em tempo e em clareza”. Com certeza. A senadora só não tinha razão em reclamar dos palpites do advogado: a lei garante a presença do advogado nos interrogatórios justamente para que ele possa assistir ao seu representado.

Autor do manual de sobrevivência do advogado intitulado A Fórmula do Sucesso na Advocacia — um manual para todos os advogados, o tributarista e ex-conselheiro da OAB-SP, Raul Haidar, está certo que o que move o advogado, em geral, a assumir uma causa, por mais espinhosa que seja, é sempre o dinheiro. “O Malheiros, por exemplo, já é muito conhecido, não está atrás de aparecer na mídia,” diz Haidar.

Defender um Delúbio Soares ou um Marcos Valério pode custar algumas dezenas de mensalões. Não se imagina que uma causa desse tipo fique abaixo dos R$ 500 mil. E não é exagero que ela chegue aos R$ 2 milhões, não se esquecendo que a investigação da CPI poderá ser estendida, posteriormente, para a Justiça.

Um advogado cujo cliente pode ter de enfrentar deputados e senadores confidenciou que o valor dos honorários, muitas vezes, são baseados mais na exposição de seu assistido na mídia do que na complexidade da causa.

Segundo Fernanda Karina Somaggio, a ex-secretária de Marcos Valério que botou a boca no trombone e soprou todo o esquema do mensalão, os honorários de seu advogado, Rui Caldas Pimenta, serão pagos com o produto de uma vaquinha entre amigos e parentes. De todas as revelações que a ex-secretária já fez, esta parece uma das menos críveis. Mas o próprio advogado não parece tão preocupado de onde virão seus proventos.

Também acostumado a atuar em casos rumorosos — como o do assassinato de Cristiana Aparecida Ferreira, modelo em cuja agenda se registravam nomes premiados das altas rodas da política e dos negócios mineiros — Rui Caldas Pimenta está desfrutando com prazer os 15 minutos que a notoriedade de sua última cliente lhe proporciona. “Numa CPI não basta ser advogado, tem que ser um super advogado. Caso contrário quem fica em crise é o próprio profissional”.

Na opinião de Pimenta, a atuação em uma CPI é bem diferente de um tribunal. “Numa CPI o regimento interno vale como um código de processo”. O advogado tem de se adaptar a este tipo de peculiaridade. “Nas CPIs, o depoente já entra numa situação de inferioridade e fica sujeito a um massacre pelos deputados, que não estão acostumados ao papel de investigadores ou de interrogadores”, afirma.

Para enfrentar esta desvantagem, o advogado tem que se valer de outros recursos que a lei garante. É o caso do Habeas Corpus preventivo garantindo que o investigado não seja preso ao depor ou se permanecer em silêncio.

Para Pimenta, o advogado de defesa de um investigado em escândalo político “tem que ficar 24 horas no ar, ao lado do cliente”. Ele tem feito isso de forma exemplar ao lado de Fernanda Karina Somaggio. Nos últimos dias tem incorporado inclusive o papel de agente da ex-secretária ou futura modelo: foi ele quem tratou de divulgar as pretensões (R$ 2 milhões) de sua cliente em posar nua para a revista Playboy e em se candidatar a uma cadeira na Câmara de Deputados.

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