Palpite infeliz

Entidades não têm autoridade para julgar ações da PF

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25 de julho de 2005, 18h16

Os estudos clássicos de criminalidade sempre se fizeram em torno do homem como delinqüente, definindo o crime como fruto do meio e a delinqüência com conotação de ordem patológico-individual.

Buscavam, assim, explicar o fenômeno da transgressão da lei a partir do estudo do delinqüente e sua situação individual, com o exame da influência de seu meio social (quase sempre de extrema pobreza). O estudo da criminalidade era uma espécie de patologia social da pobreza, servindo o Direito Penal unicamente para reprimir os ataques ao patrimônio privado.

Mas o americano Edwin H. Sutherland revolucionou completamente essa visão, demonstrando que há uma criminalidade invisível, de alto potencial lesivo à sociedade, e que, ao contrário das estatísticas convencionais, pessoas de classe econômica elevada envolvem-se largamente em crimes e esse comportamento difere da criminalidade tradicional principalmente pelos procedimentos adotados. Via de regra, esse tipo de agente não busca ataques ao patrimônio individual, mas ao patrimônio público, e sem o uso de violência real.

Constatou-se que não era apenas o estrato inferior da sociedade que praticava condutas anti-sociais, mas também as classes mais favorecidas, as quais preferiam os crimes denominados de colarinho branco. Dá-se início, então, a uma legislação para reprimir tais condutas, que passou a definir a sonegação fiscal, os crimes contra o sistema financeiro e os de lavagem de dinheiro.

Porém, o avanço legislativo na criminalização dessas condutas não operou uma alteração na visão da sociedade sobre o crime, que continua a ser tratado como comportamento desviado de parte da população mais pobre. Aquele que pratica crimes de colarinho branco, ainda que estes sejam conhecidos de público, continua plenamente integrado à sociedade e reconhecido por ela. Para os pobres, prisão, para os outros, aplausos e compreensão.

Por conta de tal visão, quando investigadas condutas criminosas praticadas pelo estrato superior da sociedade, há o espanto, o choque porque se atingiu pessoas que, protegidas por uma espécie de “solidariedade social”, jamais deveriam ser alcançadas pela ação estatal.

Segue-se a reação, materializada em afirmações críticas à ação policial, quase sempre sob o escudo de que ocorreram “excessos ou exageros” e a tentativa de deslegitimar a ação estatal, alegando riscos à Democracia. É a reprodução da velha tradição de exigir que se perpetue a desigualdade, com o Direito Penal reservado aos mais pobres e apenas aos mais pobres.

Não é outra a reação de alguns nichos corporativos, ainda que poucos mas com notável possibilidade de atração da mídia, às recentes ações judiciais e policiais nas operações de investigação de crimes de colarinho branco. Tal reação configura clara tentativa de negação da Constituição Federal, que afirma que todos são iguais perante a lei.

A experiência tem demonstrado que, para apreender um computador ou cumprir mandado de busca no domicílio de alguém bem situado socialmente, são necessários inúmeros procedimentos, não raras vezes com recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF), diante dos alegados “riscos para a Democracia” e até para a economia do País. Para arrombar a porta de um barraco na favela, entretanto, não se verificam os mesmos cuidados.

O verdadeiro respeito à Constituição e à Legalidade não se coaduna com ameaças ao princípio da igualdade, com o desrespeito ao Poder Judiciário e às atuações da Polícia e Receita Federal. A lei foi feita para todos, ricos ou pobres. Eventuais excessos que ocorram nessas ações estatais de combate ao crime devem ser identificados e apurados por quem de direito e não por pessoas e entidades que se acreditam acima da lei, como se fossem senhores feudais no Brasil do Século XXI.

Manifestações como a realizada recentemente na FIESP, que culminou com um “manifesto pela legalidade, contra o arbítrio e a corrupção”, devem ser vistas com moderação. Embora saudando o aspecto positivo de ver uma entidade que, no passado, patrocinou iniciativas contra a Democracia, ter afinal se rendido aos novos tempos, salientamos a necessidade de cautela para que tais movimentos não derivem na busca de impunidade para a parcela mais favorecida da sociedade.

Não podemos cair na tentação de desacreditar as atuais operações

efetuadas pela Polícia Federal — que foram devidamente autorizadas por mandados judiciais — taxando-as de “cortina de fumaça” e permitindo, com isso, o acobertamento de crimes graves. Isso é fazer pouco caso do trabalho de inúmeros cidadãos brasileiros, do dinheiro público utilizado nas operações e, mais grave, é ofender o sentimento de toda uma população que há séculos espera pelo fim da impunidade — seja para aqueles que praticam crimes comuns, seja para os que sonegam e alimentam a corrupção ou para os que se voltam aos crimes de colarinho branco.

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