Júri popular

Policiais que mataram dentista negro vão a júri em agosto

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21 de julho de 2005, 16h18

O juiz Marco Antonio Martin Vargas, da 2ª Vara do Júri de São Paulo, marcou para 3 de agosto, a partir das 13 horas, o julgamento de sete policiais militares acusados da morte do dentista Flávio Ferreira Sant’Ana. Os crimes são de homicídio duplamente qualificado, fraude processual, transporte ilegal de arma de fogo e coação no curso do processo.

O dentista foi morto no dia 3 de fevereiro do ano passado, na avenida Santos Dumont, no bairro de Santana, depois de uma abordagem policial. A família da vítima diz que ele foi abordado porque era negro.

Em 10 de agosto do ano passado, os sete foram pronunciados para ir a júri popular. O tenente Carlos Alberto de Souza Santos e os PMs Luciano José Dias e Ricardo Arce Rivera estão detidos no presídio Romão Batista. Os demais aguardam o julgamento em liberdade.

“A materialidade do delito de homicídio está comprovada pelo laudo de exame necroscópico, demonstrando que a vítima morreu em decorrência de hemorragia interna aguda traumática provocada por agente perfuro contundente”, registrou o juiz.

Segundo a sentença de pronúncia, “no que se refere aos indícios de autoria deste crime, a prova coligida nos autos recomenda que os acusados Luciano, Carlos Alberto e Ricardo sejam submetidos a julgamento perante o Segundo Tribunal do Júri desta Comarca para que os jurados possam apreciar a referida prova e decidir sobre a materialidade e as acusações que lhes pesam”.

O crime

A primeira versão dos PMs foi de resistência seguida de morte. Os policiais mataram Sant’Ana com dois tiros, após ele ser confundido com um ladrão. Segundo os PMs, uma suposta vítima de roubo, o comerciante Antonio dos Anjos, reconheceu o dentista como o ladrão que teria levado seu dinheiro.

Os policiais que abordaram Sant’Ana disseram que ele estava com uma pistola e foi morto após reagir a tiros. A versão foi desmentida por Anjos, dias depois, na polícia.

Os Policiais Militares insistiram na tese de que o dentista foi morto porque fez um movimento brusco durante a abordagem e não por ser negro. Em depoimento, afirmaram que, após deixarem o dentista no pronto-socorro do hospital Santana, seguiram ao 13º Distrito Policial, onde apresentaram a versão falsa temendo “sanções administrativas”.

O tenente Carlos Alberto de Souza e os PMs Carlos Luciano José Dias e Ricardo Arce Rivera irão a júri por homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa da vítima) e fraude processual. No primeiro caso a pena varia de 12 a 30 anos e, no segundo, de três meses a dois anos e multa. Ricardo Arce Rivera ainda vai responder por coação no curso do processo.

Já os policiais Ivanildo Soares da Cruz e Deivis Júnior Lourenço serão julgados por fraude processual. Enquanto Edson Assunção e Magno de Almeida Morais vão a júri por coação no curso do processo (com pena de um a quatro anos e multa).

Cinco PMs já tinham assumido, em depoimento à Polícia Civil, que forjaram as provas do crime e omitiram informações ao registrarem o boletim de ocorrência, mas negam que tenham agido movidos por racismo.

A estratégia da defesa do grupo é dizer que foi um homicídio culposo (sem intenção de matar). Além disso, segundo versão da defesa, três dos cinco PMs são negros: o tenente Carlos Alberto de Souza Santos e os soldados Ivanildo Soares da Cruz e Davis Júnior Lourenço.

O grupo diz que um dos soldados disparou contra o dentista porque, ao ser abordado pelos policiais, “ele [Flávio Sant’Ana] virou de forma brusca, fazendo entender que iria puxar uma arma”.

O cabo Ricardo Arce Rivera disse que “plantou” a arma do crime junto ao dentista para simular resistência à prisão. Segundo a defesa, foi Rivera quem colocou a carteira do comerciante Antônio Alves dos Anjos no bolso do dentista — Anjos confundiu Sant’Ana com um assaltante.

Leia íntegra da sentença de pronúncia

Processo nº 001.04.005167-7 – Controle 182/04 – 2ª Vara do Júri

Vistos.

LUCIANO JOSÉ DIAS, R. G. nº 28.816.297-6/SP, qualificado a fls. 139; CARLOS ALBERTO DE SOUZA SANTOS, R. G. nº 17.682.303-7/SP, qualificado a fls. 121; RICARDO ARCE RIVERA, R. G. nº 29.035.946-6/SP, qualificado a fls. 127; IVANILDO SOARES DA CRUZ, R. G. nº 18.795.366, qualificado a fls. 133; DEIVIS JÚNIOR LOURENÇO, R. G. nº 28.403.424-1/SP, qualificado a fls. 145; EDSON ASSUNÇÃO, R. G. nº 14.992.469/SP, qualificado a fls. 107 e 152 e MAGNO DE ALMEIDA MORAIS, R. G. nº 17.586.427/SP, qualificado a fls. 157, foram denunciados perante este Juízo, os três primeiros como incursos no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV, e artigo 347, c. c. o parágrafo único, todos do Código Penal e artigo 16, parágrafo único, da Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, sob a forma do artigo 29 e 69, ambos do Código Penal, os quarto e quinto acusados como incursos no artigo 347, c. c. o parágrafo único, do Código Penal e artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, sob a forma do artigo 29 e 69, ambos do referido Código Penal e os dois últimos, juntamente com o terceiro, como incursos no artigo 344, “caput”, c. c. o artigo 29, ambos do citado Código Penal, porque em 03 de fevereiro de 2004, por volta da 01 hora e 20 minutos, na Avenida Santos Dumont, altura do nº 54, nesta Cidade e Comarca, os acusados Luciano, Carlos Alberto e Ricardo, na condição de militares em atividade de rotina, unidos com o mesmo propósito criminoso, um aderindo à conduta do outro, agindo por motivo torpe e utilizando-se de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, mediante disparos de arma de fogo, provocaram ferimentos em Flávio Ferreira Sant’Ana, ferimentos estes que foram a causa efetiva da morte deste, conforme laudo de exame necroscópico constante de fls. 646/649, assim como os acusados Luciano, Carlos Alberto, Ricardo, Ivanildo e Deivis, em conluio, um aderindo à conduta do outro, inovaram artificiosamente, antes de iniciado o processo penal, o estado de lugar, de coisa e de pessoa, com o fim de induzir em erro o juiz e o perito ao simularem o envolvimento da vítima Flávio em crime de roubo e colocarem ao lado de seu corpo arma de fogo clandestina e apreendida nos autos, com numeração raspada, forjando, maldosamente, a ocorrência de uma resistência e troca de tiros que não existiu, colocando, também, no bolso das vestes da vítima noticiada a carteira de identidade de Antonio Alves dos Anjos e dinheiro que teria sido subtraído deste com pleno conhecimento da falsidade da conduta, além de removerem o cadáver do local na condição de meliante desconhecido, com o fim de prejudicar a perícia e, ainda, os mencionados acusados detinham e transportavam em viatura oficial o revólver clandestino de marca Rossi, com numeração raspada, utilizado para inovação de local de crime, que receberam anteriormente em circunstâncias não esclarecidas, mas sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Consta, também, da denúncia (fls. 02/07), que os acusados Edson e Magno, no dia 06 de fevereiro de 2004, num estacionamento situado na Rua Santo Antonio, a mando de Ricardo, usaram de grave ameaça contra Antonio Alves dos Anjos, ameaçando-o de morte caso contasse a verdade, o que fizeram com o fim de favorecer interesse alheio para beneficiar os policiais envolvidos no assassinato da vítima Flávio. Em 08 de fevereiro de 2004, por volta das 11 horas, o acusado Ricardo renovou as ameaças contra Antonio Alves dos Anjos. Todas as condutas noticiadas, segundo a denúncia, constituem abuso de poder e grave violação de dever para com a Administração Pública. Consta, ainda, da denúncia que Antonio Alves dos Anjos fora vítima de crime de roubo e acionou os policiais mencionados. O tenente Carlos Alberto comandava as diligências de rua e contava com o apoio do cabo Ricardo, passaram a encetar diligências no interior do veículo de Antonio Alves dos Anjos, oportunidade em que procuravam uma pessoa negra que seria o autor do crime contra o patrimônio mencionado. Avistaram a vítima Flávio, também, negra, que caminhava pela calçada da avenida noticiada. Abordaram-na desprezando por completo as normas internas da corporação, na medida em que o soldado Luciano desembarcou do veículo e atirou contra a vítima Flávio, disparos que foram repetidos por Carlos Alberto e Ricardo em ação conjunta e solidária. Ao perceber a ação dos policiais, Flávio levantou os braços e pediu para que não atirassem, mas foi executado sumariamente a tiros. Também, segundo a denúncia, o crime foi praticado por motivo torpe porque os policiais militares em atividade efetuaram os disparos tão somente porque suspeitavam que a vítima era autora do roubo cometido contra Antonio Alves dos Anjos, bem como mediante recurso que impossibilitou a defesa de Flávio pelo fato desta caminhar na calçada sem qualquer motivo para esperar a surpreendente e fulminante agressão a tiros, até porque estava com os braços levantados à mercê dos executores.


Do inquérito policial, destaco a portaria baixada pela Autoridade Policial (fls. 09), os boletins de ocorrências (fls. 10/13 e 34/35), os autos de exibições e apreensões (fls. 14/16; 36/37 e 112), os autos de entregas (fls. 17/18 e 49), o auto de reconhecimento pessoal (fls. 58/59), cópias de peças constantes do inquérito policial militar (fls. 73/99), o laudo de exame residuográfico (fls. 100/105), os depoimentos e declarações de testemunhas ouvidas na fase policial (fls. 29/30; 32; 41/42; 43/44; 46/48; 50/51; 52/53; 54/57; 60 e 67/69) e as declarações e interrogatórios dos acusados na polícia (fls. 107; 121/122; 127/128; 133/134; 139/140; 145/146; 152/152v; 157/157v e 163/164). Também, encontra-se em apenso o procedimento instaurado pela Polícia militar para apuração dos fatos.

Recebida a denúncia em 18 de fevereiro de 2004 (fls. 201/204), os acusados foram citados (fls. 652; 654; 655; 657; 658; 660 e 662) e interrogados (fls. 762/780; 781/793; 794/810; 811/823; 824/844; 845/864 e 865/882). Defesas prévias dos acusados Carlos Alberto, Luciano, Ricardo, Ivanildo e Deivis constante de fls. 692/725, arrolando testemunhas.

Durante a instrução, foram ouvidas trinta e cinco testemunhas, sendo seis arroladas na denúncia (fls. 983/1013; 1014/1020; 1027/1039; 1040/1058; 1059/1065 e 1065/1074), duas testemunhas do Juízo (fls. 1021/1026 e 1130/1135) e vinte e sete arroladas pelas Defesas (fls. 1136/1144; 1145/1148; 1149/1153; 1154/1156; 1157/1159; 1160/1162; 1163/1165; 1166/1168; 1169/1172; 1173/1175; 1176/1178; 1179/1181; 1182/1184; 1185/1187; 1188/1191; 1192/1195; 1196/1200; 1201/1203; 1204/1208; 1209/1214; 1215/1217; 1218/1220; 1221/1223; 1224/1226; 1227/1229; 1230/1236 e 1237/1241), porquanto as partes desistiram das ouvidas das testemunhas restantes (fls. 904/907 e 1124).

Destaco nesta fase processual as juntadas do inquérito policial militar, inclusive com o laudo de exame de local (fls. 214/599), as cópias e originais dos laudos de exames de armas de fogo (fls. 608/610; 611/613; 614/616; 623/625; 626/628; 629/631 e 917/921), o laudo de encontro de auto, com complemento (fls. 632/634 e 889/890), os laudos de exames de confrontos balísticos (fls. 636/639 e 1244/1250), o laudo de exame necroscópico (fls. 646/649), o laudo de exame de constatação de conteúdo em fita magnética (892/895) e o laudo de exame de objeto (fls. 1269/1271).

Na fase do artigo 406 do Código de Processo Penal, o Ministério Público pleiteou pela pronúncia, por entender provadas a materialidade dos crimes e a existência de indícios suficientes de autoria de cada acusado (fls. 1275/1284). A Douta Defesa dos acusados Magno e Edson pugnou pela impronúncia ao entender que não existe o crime de coação no curso do processo e, ainda, por não existir indícios capazes de motivar o julgamento dos referidos acusados perante o Tribunal do Júri, nos termos do artigo 409 do Código de Processo Penal (fls. 1290/1309). A Douta Defesa dos demais acusados, em síntese, pugnou: a) pela impronúncia dos acusados Carlos Alberto, Luciano, Ivanildo e Deivis quanto ao crime de transporte ilegal de arma de fogo porque o delito foi assumido exclusivamente pelo acusado Ricardo, bem como porque os demais não tinham conhecimento da existência da referida arma de fogo; b) a aplicação do artigo 89 da Lei nº 9099/95 com relação ao crime de fraude processual, mediante a impronúncia dos acusados referidos e o desmembramento do feito em relação ao crime citado para a aplicação da suspensão condicional do processo, pleiteando, também, na hipótese de não aceita a pretensão processual preliminar, a impronúncia dos acusados Carlos Alberto, Luciano, Ivanildo e Deivis; c) a impronúncia do acusado Ricardo quanto ao crime de coação no curso do processo, tecendo, também, comentários acerca do pedido formulado pela Defesa dos acusados Edson e Magno. d) a impronúncia do acusado Ricardo em relação ao crime de homicídio por não existir indícios de que tenha ele participado da ação delituosa, pugnando, por fim, a oportunidade dos acusados aguardarem o julgamento em liberdade (fls. 1312/1394).

É, em síntese, o relatório.

DECIDO

Trata-se de ação penal pública incondicionada que se desenvolveu por rito especial.

De fato, como observado pela Douta Defesa dos acusados Carlos Alberto e outros, cabe ao Magistrado responsável pela análise desta fase processual o critério e cuidado para não cercear do Juízo Natural da causa às questões pretendidas pela Sociedade, assim como servir como garantidor das garantias constitucionais previstas, principalmente para que não ocorra eventual excesso de acusação.

No entanto, como bem observa José Frederico Marques, “o magistrado que prolata a sentença de pronúncia, deve exarar a sua decisão em termos sóbrios e comedidos, a fim de não exercer qualquer influência no ânimo dos jurados. É aconselhável, por outro lado, que dê a entender, sempre que surja controvérsia a propósito de elementares do crime, que sua decisão, acolhendo circunstância contrária ao réu ou repelindo as que lhe sejam favoráveis, foi inspirada no desejo de deixar aos jurados o veredicto definitivo sobre a questão, a fim de não subtrair do Júri o julgamento do litígio em todos os seus aspectos.”


Dessa maneira, a denúncia é procedente, pois ao cabo da instrução sumária ficou evidenciada a materialidade, bem como indícios preliminares capazes nesse sentido.

Do crime de homicídio qualificado:

A materialidade do delito de homicídio está comprovada pelo laudo de exame necroscópico constante de fls. 646/649, demonstrando que a vítima morreu em decorrência de hemorragia interna aguda traumática provocada por agente perfuro contundente.

No que se refere aos indícios de autoria deste crime, a prova coligida nos autos recomenda que os acusados Luciano, Carlos Alberto e Ricardo sejam submetidos a julgamento perante o Segundo Tribunal do Júri desta Comarca para que os Senhores Jurados possam apreciar a referida prova e decidir sobre a materialidade e as acusações que lhes pesam.

Nesse sentido, os acusados Carlos Alberto e Luciano foram interrogados em Juízo e confirmaram os disparos que efetuaram no momento da abordagem da vítima, vindo a atingi-la (fls. 794/810 e 824/844), porquanto Carlos afirmou ter efetuado um disparo para o chão porque a vítima fizera um movimento brusco como se fosse sacar uma arma de fogo e Luciano confirmou o movimento da vítima para, em seguida, ouvir um disparo que, por reação instantânea, motivou com que ele, também, efetuasse dois disparos e percebeu que a referida vítima fora atingida. Na ocasião, os referidos acusados especificaram que Ricardo não participara dos disparos.

Todavia, existe laudo de exame de confronto balístico juntado aos autos (fls. 1243/1250), onde especifica que cinco dos estojos dos projéteis deflagrados e apreendidos na ocasião, possuem picote da pistola “Taurus” com número de série SV164251, arma de fogo que estava em poder de Ricardo no momento dos disparos (fls. 328 e 916), circunstância que conflita com os relatos dos demais atiradores.

De outro modo, a vítima do roubo Antonio Alves dos Santos foi ouvida em Juízo (fls. 983/1013) e afirmou que o tenente e Ricardo foram os policiais que desceram de seu veículo para efetuarem os disparos por ele noticiado (vide fls. 987).

Logo, os indícios existentes recomendam que os três acusados denunciados pelo crime de homicídio devam ser submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri para que o Conselho de Sentença possa valorar a prova coligida nos autos e decidir sobre o crime de homicídio, assim como sobre as autorias imputadas a eles, para que, assim, possa prevalecer a decisão em última análise do Juízo natural da causa, principalmente ante o princípio in dúbio pro societate que vigora nesta fase processual, uma vez que os exaustivos argumentos bem expostos pela Douta Defesa em suas alegações finais não podem ser reconhecidos neste momento e deverão ser objeto de valoração pelo corpo de jurados em plenário do Júri.

A qualificadora do motivo torpe descrita na denúncia deve ser mantida na pronúncia para que os Senhores Jurados possam aferir se o motivo dos disparos contra a vítima foi porque os acusados suspeitavam que a vítima era o autor de um crime de roubo praticado contra Antonio Alves dos Anjos ou se agiram como mencionaram nos interrogatórios judiciais, cotejando, assim, as versões dadas por eles em relação ao relato da referida testemunha presencial Antonio Alves dos Anjos, além da análise do restante do conjunto probatório reunido nos autos para decidirem a respeito da majorante subjetiva destacada.

Da mesma maneira, deverão aferir e decidir se o crime foi praticado mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima pelo fato dela não esperar a agressão a tiros por estar com os braços levantados ou se a vítima teria feito gesto brusco como se fosse sacar uma arma como mencionado pelos atiradores, cotejando, mais uma vez, essas versões com o descrito pela testemunha Antonio Alves dos Anjos que realizou gesto em audiência simulando como a vítima teria se portada no momento da abordagem ao levantar a mão antes da citada testemunha abaixar-se e antes dos disparos.

Importante destacar que “… As qualificadoras articuladas na denúncia de crime doloso contra a vida, ainda que duvidosas, devem estar incluídas na pronúncia, e só deverão ser afastadas da apreciação pelo Tribunal do Júri quando manifestamente improcedentes ou de todo descabidas” (RT 746/578).

Do crime conexo de fraude processual:

No que tange ao crime conexo de fraude processual, mais uma vez, em que pese o entendimento exposto pela Douta Defesa, a prova oral coligida nos autos recomenda a pronúncia dos acusados Luciano, Carlos Alberto, Ricardo, Ivanildo e Deivis para que o Conselho de Sentença, ainda Juízo natural da causa, possa apreciar a imputação feita a cada qual e, com isso, possa decidir a respeito.

Inicialmente, verifico a impossibilidade de aplicação do artigo 89 da Lei nº 9099/95 em favor dos acusados e em relação ao mencionado crime conexo, porquanto não há como ser obstada a análise do referido crime pelo Conselho de Sentença, uma vez que presentes os requisitos mínimos do Juízo de admissibilidade nesse sentido. Na hipótese de reconhecido o crime conexo em julgamento pelo Tribunal do Júri é que caberia, em tese, a aferição da possibilidade ou não de aplicação do dispositivo processual pretendido, mas, desde já, verifico o impedimento contido na viabilidade de concessão da suspensão condicional do processo diante de somatória de eventuais penas a serem aplicadas e que impediriam a concessão desse benefício processual, de acordo, inclusive, com a Súmula 243 do Superior Tribunal de Justiça, razão porque fica afastada a possibilidade de suspensão condicional do processo.


Quanto aos indícios necessários, constato que existe confissão de Ricardo em Juízo que admitiu ter entregue a arma de fogo clandestina e estranha à dinâmica dos fatos ao acusado Carlos Alberto, sob o argumento de que a referida arma fora encontrada no local e após receber informação de Carlos Alberto no sentido de que não fora encontrada arma de fogo em poder da vítima do homicídio.

Da mesma forma, o relato da testemunha Antonio Alves dos Anjos em Juízo (fls. 983/1013), aponta que “… o motorista foi e saiu do carro, foi na viatura e voltou, depois deu 02 (dois) tiros para cima” (sic – fls. 988). Também especificou que os policiais determinaram que os acompanhassem e não saísse de perto deles, sem manter contato com outras pessoas, mostrando-lhe, também, a arma de fogo para que ela dissesse ter visto a vítima do homicídio sacando a arma, caso contrário “ia sobrar para mim e para eles” (sic – fls. 989).

Como se vê, a prova oral recomenda que os acusados Luciano, Carlos Alberto, Ricardo, Ivanildo e Deivis, responsáveis pela ocorrência do roubo e integrantes da viatura, devam ser submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri para que possa haver a aferição da participação ou não de cada qual no crime de fraude processual.

Do crime de detenção e transporte ilegal de arma de fogo:

O crime conexo em questão deverá, também, ser objeto de análise pelos Senhores Jurados, quando, então, deverão apreciar o referido delito e a autoria imputada a cada acusado em concurso de agentes.

Isto porque, a prova oral coligida nos autos demonstra o fato incontroverso no sentido de que a arma de fogo clandestina estava no interior da viatura, conforme relato apresentado pelo acusado Ricardo em Juízo (fls. 845/864) e o noticiado pela testemunha presencial Antonio Alves dos Santos, tanto na fase do inquérito policial (fls. 54/57) como em Juízo (fls. 983/1013). As circunstâncias sobre como esta arma se encontrava na viatura, ou seja se ela estava no interior da bolsa do acusado Ricardo e se os demais acusados tinham ou não ciência do transporte da referida arma são indagações que devem ser decididas pelo Conselho de Sentença para, então, determinar se os acusados agiram em concurso ou não no crime de detenção e transporte, diga-se de passagem, verbos do tipo penal diversos do porte ilegal de arma de fogo e que permitem, em tese, o concurso de agentes, de modo que, também, não há como ver subtraída essa análise pelo Conselho de Sentença.

Ademais, “A pronúncia pelo crime de competência do Tribunal do Júri obriga a que se submeta – ressalvada a total falta de justa causa detectável na via do writ – a julgamento, também, o delito conexo” (RSTJ 126/396).

Do crime de coação no curso do processo:

Por fim, o crime de coação no curso do processo, também, deve ser inserido na pronúncia ante a conexidade já destacada e os indícios aferidos nos autos.

Em que pesem as bem lançadas ponderações feitas pelas Doutas Defesas dos acusados, por certo que a vítima do roubo noticiou na fase policial que se sentiu coagida a afirmar fatos diversos do que realmente ocorreram (fls. 54/57) e as sua retratação em Juízo (fls. 983/1013), especialmente sua afirmação de que não se sentira ameaçada quando os policiais lhe pediram para que mantivesse a assertiva de resistência de roubador à prisão, deve ser objeto de análise do Conselho de Sentença, para que possa aferir se houve ou não o crime de coação no curso do processo, pela falta de um dos elementos do tipo penal em questão (se houve crime ou não), inclusive, também, na hipótese de superação nesse sentido, quanto à apreciação do dolo de cada acusado na conduta, assim como se houve o concurso de agentes a eles imputados.

Destaque-se, também, que em todas imputações onde são inseridas condutas sob a forma do concurso de agentes não há como isolar a não participação de determinado acusado porque não se vê contundente e uníssona evidência de que determinado acusado não tivesse participado efetivamente dos referidos crimes que lhes são imputados na denúncia, de modo que tecer detalhes sobre os indícios de cada qual nesse sentido será o mesmo que valorar a prova existente nos autos e violar, assim, a competência do Juízo natural para essa análise, repita-se.

Finalmente, a pretensão formulada pelo Ministério Público de inserção da pena de perda dos cargos na pronúncia deve ser indeferida porque é questão decorrente de aplicação de pena e, por isso, não pode constar desta sentença, mas deverá apreciada no momento processual próprio e na hipótese de condenação. O mesmo se diga em relação à menção feita pela Douta Defesa acerca de entendimento de homicídio privilegiado.

O concurso de crimes, da mesma forma, não pode constar da pronúncia porque, também, deve ser objeto de análise em eventual aplicação de pena.

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido inicial, PRONUNCIANDO LUCIANO JOSÉ DIAS, R. G. nº 28.816.297-6/SP, qualificado a fls. 139; CARLOS ALBERTO DE SOUZA SANTOS, R. G. nº 17.682.303-7/SP, qualificado a fls. 121; RICARDO ARCE RIVERA, R. G. nº 29.035.946-6/SP, qualificado a fls. 127; IVANILDO SOARES DA CRUZ, R. G. nº 18.795.366, qualificado a fls. 133; DEIVIS JÚNIOR LOURENÇO, R. G. nº 28.403.424-1/SP, qualificado a fls. 145; EDSON ASSUNÇÃO, R. G. nº 14.992.469/SP, qualificado a fls. 107 e 152 e MAGNO DE ALMEIDA MORAIS, R. G. nº 17.586.427/SP, qualificado a fls. 157, para serem submetidos a julgamento por seus pares em plenário do Júri desta Comarca, julgando incursos os acusados os três primeiros no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV, e artigo 347, c. c. o parágrafo único, todos do Código Penal e artigo 16, parágrafo único, da Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, sob a forma do artigo 29, do Código Penal; os quarto e quinto acusados como incursos no artigo 347, c. c. o parágrafo único, do Código Penal e artigo 16, parágrafo único, da Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, sob a forma do artigo 29, do referido Código Penal e os dois últimos, juntamente com o terceiro, como incursos no artigo 344, “caput”, c. c. o artigo 29, ambos do citado Código Penal.

Presentes, ainda, os requisitos da prisão preventiva em relação aos acusados Luciano, Carlos Alberto e Ricardo, conforme destaques constantes de fls. 519/520 e 754/755, principalmente para assegurar a futura aplicação da Lei Penal e conveniência da instrução criminal como já mencionado anteriormente, bem como porque o crime de homicídio é considerado hediondo, não faculto a estes a possibilidade de aguardar o julgamento em liberdade, por incompatíveis com os requisitos previstos pelo artigo 408, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal, não obstante os argumentos bem expostos pela Defesa.

Deixo de lançar os nomes dos pronunciados no rol dos culpados, nos termos da Lei nº 9.033 de 02.05.95, que deu nova redação ao § 1º do artigo 408 do Código de Processo Penal.

Certifique-se como de praxe e expeçam-se mandados de prisões em desfavor dos acusados Luciano, Carlos Alberto e Ricardo, agora por força de pronúncia.

P. R. I. e C.

São Paulo, 10 de agosto de 2004.

MARCO ANTONIO MARTIN VARGAS

Juiz de Direito

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