Viagem internacional

Seguradora é condenada por atendimento médico deficiente

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20 de julho de 2005, 17h28

Seguradora de saúde que se nega a cumprir contrato quando a segurada se acidenta durante viagem internacional tem de reparar os danos morais e materiais sofridos. O entendimento é da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Os desembargadores acataram parcialmente o recurso ajuizado pela empresa e pela cliente.

A segurada afirmou que contratou a empresa o plano da Assistencard do Brasil na modalidade “premium”, que garante a maior cobertura, por causa de uma viagem que faria ao exterior. Relatou que, quando viajava pela Rússia, sofreu fratura do fêmur quando uma excursão partia para Moscou.

Ela foi internada em uma casa de saúde russa com instalações precárias, onde a alimentação era fraca e racionada, além de ser servida sem talheres. A informação é do TJ gaúcho.

Depois de três dias internada em condições precárias, uma guia turística local que falava espanhol a indicou o Hospital Töölö, em Helsinque, Finlândia, para onde se transferiu por conta própria. No hospital, a segurada fez cirurgia para colocação de uma placa de platina do joelho ao quadril. Após o procedimento, um de seus filhos viajou e a trouxe de volta ao Brasil.

A primeira instância julgou parcialmente procedente o pedido da segurada, condenando a empresa a pagar indenização de 200 salários mínimos, pelos danos morais. Inconformada, a cliente recorreu da decisão, solicitando também o pagamento dos danos materiais.

A Assistencard do Brasil também recorreu. Alegou ilegitimidade passiva, afirmando que a agência de viagem é que deve ser responsabilizada pelos danos sofridos. Sustentou que agiu dentro dos limites da boa-fé e da transparência de serviços e que o valor dos danos morais foi excessivo.

O relator do processo, desembargador Guaspari Sudbrack, entendeu que a empresa é parte legítima para responder ao pedido de danos morais, uma vez que firmou contrato e não cumpriu. As cláusulas contratuais davam direito à cobertura do acidente. O desembargador sublinhou, no entanto, que a cobertura se limitava apenas à viagem de familiar em classe turismo e o filho da segurada viajou na classe executiva.

“Neste ponto, portanto, assiste razão à apelada (seguradora), porque deve indenizar o valor correspondente, à época, de passagem à Finlândia em classe turismo, valor este a ser arbitrado em liquidação de sentença”, afirmou o juiz.

Os desembargadores reduziram o valor da reparação por danos morais. “O quantum fixado na sentença, 200 salários mínimos, revela-se excessivo ao caso concreto, merecendo provimento o apelo para que seja reduzido para o equivalente a 150 salários mínimos, ou seja, R$ 39 mil”.

Acompanharam o voto do relator os desembargadores Leo Lima e Pedro Luiz Rodrigues Bossle.

Processo 70008661456

Leia a íntegra da decisão

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. SEGURO DE SAÚDE EM VIAGEM. DANO MATERIAL E MORAL. CONFIGURAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR.

Tendo a autora entabulado com a ré contrato de seguro saúde por ocasião de viagem internacional e, negando-se a demandada a cumprir com o que fora avençado, mostra-se viável, no caso, a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano material e moral.

O dano de natureza extrapatrimonial é ressarcível sempre e independentemente de sua origem, se contratual ou não, porquanto a Constituição Federal não faz distinção acerca natureza do dano.

Hipótese na qual o valor fixado na sentença para os danos morais merece redução de 150 salários mínimos para R$ 39.000,00.

Preliminar rejeitada. Apelações providas, em parte

APELAÇÃO CÍVEL — QUINTA CÂMARA CÍVEL

Nº 70008661456 — COMARCA DE VENÂNCIO AIRES

MARIA ALICE MOESCH — APELANTE/APELADO

ASSIST-CARD DO BRASIL S/A — APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em, rejeitadas as preliminares, dar provimento, em parte, às apelações.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. LEO LIMA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE.

Porto Alegre, 20 de maio de 2004.

DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK,

Relator.

RELATÓRIO

DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK (RELATOR)

MARIA ALICE MOESCH ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra ASSISTENCARD DO BRASIL S.A, aduzindo, em suma, que no mês de setembro de 1998, contratou com a ré serviços de seguro saúde, por ocasião de viagem realizada ao exterior, na modalidade premium, que garante maior cobertura contratual dentre as ofertadas pela ré.

Relata que viajava pela Rússia e, estando em São Petesburgo, sofreu grave acidente no momento em que a excursão iniciava viagem para Moscou, tendo sido assistida por uma guia de turismo local, que providenciou sua remoção para um instituto de ortopedia, local em que foi constatado que a demandante havia fraturado o fêmur. Historia que, devido à gravidade da lesão, foi-lhe ministrada morfina ao chegar em tal hospital e, somente após ter acordado, percebeu a precariedade das instalações onde se encontrava. Conta detalhes acerca da casa de saúde russa afirmando, entre outras coisas, que a alimentação era racionada e sorvida sem a utilização de talheres. Conta que não foi higienizada nenhuma vez em todo o período em que ali permaneceu. Sinala o quadro de desespero que a acometeu, estando sozinha em país distante, cujo idioma não falava, em local que classificou como “terrível” e sem qualquer higiene. Após o terceiro dia de internação nestas condições, afirma que foi salva por uma guia turística local que falava espanhol, a qual promoveu os primeiros contatos com a seguradora. Por indicação de tal pessoa, afirma ter-se transferido para o Hospital Töölö, em Helsink, por via rodoviária, adimplindo todas as despesas por sua própria conta, tendo lá sido submetida à cirurgia durante a qual foi-lhe colocada uma placa de platina do joelho ao quadril. Após, relata que um de seus filhos foi a seu encontro, trazendo-la de volta ao Brasil.


Afirma que remeteu correspondência à ré para dar início ao procedimento de devolução dos valores, tendo, para seu espanto, obtido resposta desfavorável, sendo que, dos US$ 17.000,00 gastos, foram-lhe indenizados apenas US$ 500,00. Sustenta haver cobertura contratual que lhe garante o reembolso integral das despesas efetuadas, assinalando todas as cláusulas contratuais atinentes ao tema. Afirma ter cumprido com todas as obrigações contratuais que lhe eram inerentes, adimplido integralmente o contrato. Fez pedido de indenização por dano moral e material. Juntou diversos documentos.

A ré foi citada e ofertou contestação, argüindo preliminar de ilegitimidade passiva. No mérito, aduz ser apenas empresa que presta assistência a viajantes no exterior. Sustenta serem inverídicas as alegações da autora em relação ao hospital que lhe prestara atendimento na Rússia, porquanto São Petesburgo é uma das maiores cidades daquele país. Sinala que a autora poderia ter solicitado sua transferência para outro hospital na mesma cidade, sem que houvesse necessidade de translado à Finlândia. Sustenta que a transferência ocorreu por conta e risco da autora, não tendo como ser condenada ao adimplemento do valor relativo à viagem. Asseverou que, quando da contratação, a demandante tinha pleno conhecimento das cláusulas contratuais, estando contratualmente obrigada apenas pelos valores gastos na Rússia. Refere não haver cobertura contratual na Finlândia. Diz que não pode ser condenada ao pagamento das despesas que teve o filho da autora, via classe executiva, para ir buscá-la. Em relação ao dano moral, asseverou que este não restou comprovado. Colacionando jurisprudência e doutrina, requereu fosse julgado improcedente o pedido inicial.

A sentença julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando a ré ao pagamento de indenização na quantia de 200 salários mínimos.

Inconformada, recorreu a autora para que a ré seja condenada ao pagamento da quantia referente aos danos materiais. Elenca todas as cláusulas contratuais que entende sejam aplicáveis ao caso. Invoca os argumentos já relacionados nos autos.

O recurso foi contra-arrazoado nas fls. 241/254.

Também recorre a ré (fls. 255/287). Preliminarmente, aduz a ilegitimidade passiva da apelante, no tocante aos danos morais sofridos pela recorrida, uma vez que esta foi abandonada pela agência de viagem na Rússia, a qual deve ser responsabilizada pelos danos sofridos. No mérito, sustenta que agiu dentro dos limites da boa-fé e da transparência de serviços. Diz que cumpriu todos os deveres pré-contratuais, especialmente o de informação disposto no CDC. Observou, ainda, a boa-fé. De outro modo, em relação aos danos morais, sustenta que o valor foi excessivo, devendo ser reduzido para patamar condizente com o dano sofrido. Refere a inconstitucionalidade da fixação do valor da indenização em salários mínimos, a teor do que preceitua o artigo 7º, IV, da Constituição Federal. Insurge-se, ainda, quanto à distribuição dos ônus da sucumbência.

Contra-razões nas fls. 292/302 pela manutenção da sentença. O recorrido defende a ocorrência de má-fé, porquanto insiste o apelado em negar a existência de cláusula prevendo a cobertura contratual no caso.

É o relatório.

VOTOS

DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK (RELATOR)

Afasto a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada em razões de apelação.

Com efeito, a ré é parte passiva legítima para responder ao pedido relativamente aos danos morais, uma vez que firmou com a autora contrato de seguro saúde, segundo a demandante, inadimplido, o que deu causa ao ajuizamento da ação.

Assim, rejeito a preliminar suscitada.

No mérito, cuida-se de ação de cobrança e indenização por dano moral na qual postula a autora o reembolso das despesas gastas com tratamento de saúde realizado na Finlândia por ocasião de acidente sofrido na Rússia, quando em viagem turística.

A espécie versa, portanto, sobre responsabilidade de caráter contratual. Com efeito, nesta modalidade de responsabilidade civil, é o descumprimento das disposições contratuais que enseja o dever de reparar o prejuízo sofrido pelo lesado. Se uma das partes descumpre, sem motivo suficiente para tanto, aquilo que foi previamente acordado, está aí o dever de reparar o ilícito contratual praticado e os danos advindos como conseqüência deste agir contrário ao direito. Os contratos, via de regra, são onerosos e estipulam obrigações para ambas as partes. Cabe a cada uma delas, portanto, em sede de responsabilidade contratual, cumprir o que foi contratado.

Quando uma das partes deixa de cumprir aquilo a que voluntariamente se obrigou, abre a outra a possibilidade de pleitear o ressarcimento do prejuízo que lhe foi causado em decorrência do descumprimento da obrigação contratual.


Se cumpridas integralmente pelas partes as disposições do contrato, não há o que reparar. Contudo, quando a prestação das obrigações adimplidas não ocorre, ou não se satisfaz a contento do que foi pactuado, ocasionando prejuízo à parte adversa, exsurge a responsabilização.

No caso em apreço, diante destas considerações, a questão se resolve com base na análise dos limites do que fora contratado. A controvérsia se resume ao descumprimento do contrato e às conseqüências daí advindas que, na hipótese, constituem em saber se a ré deve indenizar a autora pelos gastos que esta unilateralmente desembolsou, que consistem no custeio do tratamento de saúde realizado na Finlândia e as despesas ocorridas com a viagem de um de seus familiares.

É fato incontroverso nos autos que as partes realizaram contrato de assistência à saúde na modalidade Premium pelo período no qual a autora viajaria à Rússia. Inclusive, consta no contrato ítem expresso sob a denominação de “Assistência Médica”.

Não se desconhece que a autora prestava outros serviços à ré. Contudo, tal circunstância não descaracteriza a prestação dos serviços de saúde. Deste modo, em relação a tal serviço são plenamente aplicáveis as disposições legais atinentes aos contratos desta natureza.

Assim, possível caracterizar-se o contrato firmado pelas partes como contrato de seguro saúde, tendo em vista a espécie de serviços ofertados pela ré e as características contratuais, as quais prevêem, inclusive, hipóteses de exclusão de procedimentos médicos, circunstância comum nesta espécie de contratos.

Neste ponto, porque oportuno, colaciono trecho do livro Saúde e Responsabilidade, de Claúdia Lima Marques e outros, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 29:

Em primeiro lugar, o consumidor de plano de saúde, ou de seguro saúde, continua a ter o direito a ver reconhecida sua vulnerabilidade (art. 4º, I) tanto na esfera da regulamentação administrativa quanto na esfera judicial. Tem, ainda, aplicação muito relevante no inciso V do artigo 4º, já que os fornecedores de planos e seguros se responsabilizam pela qualidade de seus serviços (…).

Continua tendo plena aplicação também, o artigo 6º, em todos os seus incisos, mas especialmente relevantes são alguns deles. O inciso II, por exemplo, que obriga a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços”, vale dizer, informação adequada e clara sobre todas as restrições de atendimento, sobre os critérios de reajustes e sobre as diferenças entre plano-referência e outros planos. Na mesma ordem de idéias, publicidade enganosa abusiva, assim como práticas e cláusulas abusivas são sujeitas a invalidação. (…)

Da mesma maneira, continuam a valer também as regras de proteção contratual. A disposição do art. 47 prescreve que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. E valem simultaneamente as regras do artigo 51, cujos objetivos fundamentais podem ser resumidos em preservar a comutatividade das prestações.”

Analisando-se as cláusulas anexadas aos autos, a única conclusão a que se chega é no sentido de que havia cobertura contratual acerca dos procedimentos médicos contratados, mesmo em relação à Finlândia.

Prevê o contrato, expressamente, que, estando o assistido impossibilitado para a comunicação acerca do evento ocorrido, todas as despesas por ele gastas relativamente aos procedimentos médicos com cobertura prevista contratualmente serão indenizadas pela seguradora.

No caso dos autos, ao que se lê da leitura da inicial, a autora foi praticamente abandonada à sua própria sorte, na Rússia, após a ocorrência do acidente. Não se discute, nestes autos, a responsabilização da agência de turismo, mas é fato incontroverso que a autora foi internada em hospital russo, sem qualquer assistência. Senhora idosa, com 73 anos à época do evento, sozinha, em país distante, de cultura diversa e idioma ininteligível para quem não o estuda por largo espaço de tempo, sem possibilidade, portanto, de comunicação e, ainda, com a perna fraturada do joelho ao fêmur, impossibilitada de movimentar-se. Esta era a situação da autora. Resta clara, portanto, a impossibilidade de comunicação “com urgência” com a empresa do seguro, tal como exigido.

Registro, ainda, que a autora sequer conseguiu comunicar-se com sua família no Brasil, pessoalmente, mas teve que remeter sedex por boa vontade de terceiro, sem possibilidade alguma de elucidação do ocorrido, limitando-se, apenas, a pedir socorro:

O Sedex enviado constou nos seguintes termos:

“Estou desesperada numa clínica.

Imobilizada urge mandar dinheiro para a Finlândia.

Médicos querem operar a perna não da telefonar da clínica impossível sair daqui sozinha.


Telefone guia, fala espanhol”.

O descumprimento contratual da ré é notório, ainda mais ao reconhecer que havia sido comunicada do evento, sem tomar qualquer providência para socorrer a autora, nem sequer contatando sua família para auxiliá-la. Não nega a ré que tenha sido comunicada do evento, mas limita-se a aduzir que tal ocorreu de modo intempestivo, uma vez que apenas recebeu comunicação do ocorrido no terceiro dia de internação da autora.

A própria apelada confessa ter recebido telefonema relatando o fato descrito na inicial e o hospital no qual fora hospitalizada a demandante.

Contudo, manteve-se inerte.

Sequer efetuou diligência, a fim de comprovar as alegações feitas acerca do hospital e suas condições. Não há qualquer indício nos autos de que a ré, em algum momento, tentado transferir a demandante para outro hospital russo condizente com o plano Premium contratado.

Registre-se que a autora manteve contato com o plano de saúde muito antes de conseguir contatar sua própria família. Saliente-se, ainda, que a demandante resolveu ir à Finlândia um dia após o contato efetuado com a ré, o que atesta a inércia desta em socorrer a autora, porquanto não houve qualquer manifestação de sua parte. Pontuo que um dia é tempo suficiente para se providenciar uma transferência hospitalar.

A autora enquadra-se, perfeitamente, na hipótese contratual que assim prevê:

III- A ASSISCARD arcará igualmente com serviços prestados ao Titular por outros profissionais e/ou estabelecimentos hospitalares nas seguintes suposições excepcionais:

a) Se o titular se encontrar impossibilitado de requerer assistência a uma Centra ASSISTCARD.”

(…)

Em tais situações, o Titular poderá contratar os serviços médicos que se façam necessários, cujo custo será diretamente pagos aos prestadores…

Como se vê, há expressa disposição contratual prevendo que, na impossibilidade de o titular requerer assistência a uma Central ASSISTCARD, poderá ele, em tais casos, contratar os serviços médicos que se façam necessários.

Assim, a negativa da seguradora em indenizar a autora porque não teria ela comunicado o ocorrido em tempo hábil não encontra respaldo nas disposições contratuais porque a situação vivenciada pela autora enquadra-se em disposição contratual diversa.

A demandada defende, ainda, que o cartão teria sido emitido apenas para viagem a tal país, não havendo cobertura contratual na Finlândia. A cláusula contratual invocada consta nos seguintes termos:

Condições Gerais – Cartão Assistcard Premium

“Os serviços se prestarão unicamente nos países indicados na Relação de Países, correspondentes a cada área anexa a este voucher e que faz parte integrante do mesmo. Os gastos ocorridos por assistência em outros países que não figuram em dita Relação, serão reembolsados, se corresponder, segundo as normas das presentes Condições Gerais.”

(…).

Em análise do documento de fl. 17 dos autos, vê-se que não há qualquer indicativo de que o contrato contemple hipótese de restrição da cobertura apenas para tal país. Ao revés, lendo o documento se percebe que as áreas de cobertura contratual são divididas em blocos, da seguinte forma, a título exemplificativo:

“Área 01 – América do Norte:

Usa e Canadá”.

“Área 02 – Europa – Oriente Médio – Norte da África do Sul.

Alemanha, Andorra, Áustria, Bélgica, , Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Egito, Escócia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Inglaterra (…)”. (Grifei).

A reprodução das disposições contratuais constantes nos autos é clara e não dá margem a qualquer dúvida de interpretação. A ré divide a cobertura do contrato em blocos geográficos, havendo previsão específica de cobertura contratual na Finlândia, local em que a autora realizou a cirurgia.

Outrossim, não há nos autos qualquer indício de que a demandante teria contratado seguro saúde apenas em relação à Rússia, ou que inexiste cobertura contratual relativamente à Finlândia, ônus este que lhe incumbia, consoante determina o artigo 333, I, do CPC.

É importante salientar a peculiaridade do caso em comento, a fim de que não sejam cometidas injustiças, ou de que não seja dada solução inadequada à lide. No caso dos autos, a autora não foi a Helsink apenas com o intuito de obter vantagem às custas da seguradora, porquanto seria fácil contratar seguro internacional de viagem, deslocar-se e lá realizar tratamento de saúde, às expensas da companhia.

A hipótese em tela é diversa, porquanto a autora deslocou-se à Finlândia por sugestão da guia turística russa que a socorreu, a qual falava espanhol, única pessoa a auxiliar-lha por ocasião do evento. É natural, pela própria fragilidade em que se encontrava, que confiasse plenamente em tal pessoa. Registre-se, ainda, que a demandante só conseguiu comunicar-se com seus familiares no país nórdico.


No que se refere ao translado de familiar, assiste razão, em parte, à demandada, na medida em que o contrato assim contempla, dentro das cláusulas de condições gerais:

“Translados e Garantias de Viagem de Regresso:

A ASSISTACARD arcará com a passagem de classe turística do familiar internado, sempre que o mesmo se encontre só no lugar da hospitalização.”

A cobertura contratual existente limitava-se apenas à viagem de familiar em classe turismo. No caso em apreço, o filho da autora viajou via classe executiva. Neste ponto, portanto, assiste razão à ré, porque deve indenizar o valor correspondente, à época, de passagem à Finlândia em classe turismo, valor este a ser arbitrado em liquidação de sentença.

Quanto aos danos morais, creio que o recurso da demandada merece ser parcialmente provido.

O prejuízo psicológico ou a dor sofrida pela demandante nos dias em que desamparada, em país distante, de cultura diversa, sem possibilidade de comunicação ou locomoção, sequer sabendo ao certo o que consigo se passava, são inerentes a tais fatos, não necessitando de prova.

Mesmo que assim não fosse, a prova da ocorrência do dano moral é dispensável, uma vez que se caracteriza como dano in re ipsa.

A jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que a prova do dano moral é prescindível e desnecessária para respaldar o dever de indenizar.

Neste sentido, RESP 23575/DF, da 4ª Turma, Relator Ministro Asfor da Rocha, publicado no DJ em 01/09/1997, p. 40838:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DANOS PATRIMONIAL E MORAL. ART. 602 DO CPC.

1. A CONCEPÇÃO ATUAL DA DOUTRINA ORIENTA-SE NO SENTIDO DE QUE A RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE CAUSADOR DO DANO MORAL OPERA-SE POR FORÇA DO SIMPLES FATO DA VIOLAÇÃO (DANUM IN RE IPSA). VERIFICADO O EVENTO DANOSO, SURGE A NECESSIDADE DA REPARAÇÃO, NÃO HAVENDO QUE SE COGITAR DA PROVA DO PREJUÍZO, SE PRESENTES OS PRESSUPOSTOS LEGAIS PARA QUE HAJA A RESPONSABILIDADE CIVIL (NEXO DE CAUSALIDADE E CULPA). ASSIM, O FATO DE O R. ACORDÃO GUERREADO TER RECONHECIDO A PERDA EM 30% DA CAPACIDADE LABORATIVA DA RECORRENTE, CONSEQÜENTE DE ATO CULPOSO ATRIBUÍDO A RECORRIDA, JÁ E BASTANTE, POR SI MESMO, PARA SE TER COMO EXISTENTE A LESÃO MORAL E, POR DECORRÊNCIA, O DIREITO DAQUELA A SER INDENIZADA E DESTA DE ARROSTAR COM O ÔNUS DA REPARAÇÃO.

2. TEM NATUREZA ALIMENTAR, PARA FINS DO ART. 602 DO CPC, A INDENIZAÇÃO A SER PAGA MENSALMENTE PELA EMPRESA PARTICULAR DE TRANSPORTE A PASSAGEIRO SEU QUE SOFRER DANOS POR ACIDENTE CUJA CULPA SEJA A ELA ATRIBUÍDA, POIS OBJETIVA A COMPLEMENTAR SALÁRIO E A POSSIBILITAR, A VITIMA, OS MEIOS NECESSÁRIOS PARA O SEU SUSTENTO E/OU DE SUA FAMÍLIA. ESTA SUBSUMIDA, NA EXPRESSÃO “ATO ILÍCITO”, INSERTA NO CAPUT DO ART. 602 DO CPC, A INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE NAS CONDIÇÕES ACIMA COGITADAS. A EXPERIÊNCIA COMUM PREVINE SER TEMERÁRIO, EM FACE DA CELERIDADE DAS VARIAÇÕES E DAS INCERTEZAS ECONÔMICAS NO MUNDO DE HOJE, ASSEVERAR QUE UMA EMPRESA PARTICULAR, POR SÓLIDA E CONFORTÁVEL QUE SEJA A SUA SITUAÇÃO ATUAL, NELA SEGURAMENTE PERMANECERA, POR LONGO PRAZO, COM O MESMO “STATUS” ECONÔMICO EM QUE PRESENTEMENTE POSSA ELA SE ENCONTRAR.

A FINALIDADE PRIMORDIAL DA NORMA CONTIDA NO “CAPUT” E NOS PARS. 1. E 3. DO ARTIGO ACIMA MENCIONADO E A DE DAR AO LESADO A SEGURANÇA DE QUE NÃO SERÁ FRUSTRADO QUANTO AO EFETIVO RECEBIMENTO DAS PRESTAÇÕES FUTURAS. POR ISSO, A CAUTELA RECOMENDA A CONSTITUIÇÃO DE UM CAPITAL, OU A PRESTAÇÃO DE UMA CAUÇÃO FIDEJUSSÓRIA, PARA GARANTIA DO RECEBIMENTO DAS PRESTAÇÕES DE QUEM NA CAUSA FOI EXITOSO.

4. “A PRETENSÃO DE SIMPLES REEXAME DE PROVA NÃO ENSEJA RECURSO.

ESPECIAL.” (SUM. 7/STJ).

5. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSAS PARTES,

PROVIDO.

Não se desconhece a posição jurisprudencial, inclusive desta Câmara, que entende pela inexistência do dano moral quando advindo de descumprimento contratual, mas há que se salientar que o dano de natureza extrapatrimonial é ressarcível, em realidade, sempre e independentemente de sua origem, se contratual ou não.

Esta é a lição de Yussef Said Cahali, no livro Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição, São Paulo, 1999, p. 462/463.

“No Direito Brasileiro, não obstante a ausência de disposição legal explícita, a doutrina é uniforme no sentido da admissibilidade de reparação do dano moral tanto originário de obrigação contratual quanto decorrente de culpa aquiliana, uma vez assente a indenização do dano moral, não há fazer-se distinção entre dano moral derivado do fato ilícito absoluto e dano moral que resulta de fato ilícito relativo; o direito à reparação pode projetar-se por áreas as mais diversas das sociais, abrangendo pessoas envolvidas ou não no liame jurídico de natureza contratual: assim, tanto pode haver dano moral nas relações entre devedor e credor quanto entre caluniador e o caluniado, que em nenhuma relação jurídica se acha, individualmente com o ofensor.

Na realidade, conforme assinala Viney, toda a forma de responsabilidade, qualquer que seja a causa ou a natureza, induz, a cargo do responsável, o desgosto, os sofrimentos e frustrações provocados pelo seu autor: sob esse aspecto, impõe-se constatar que a distinção, se ainda posta em confronto, entre responsabilidade contratual e responsabilidade delitual, não são hoje senão uma importância mínima; a obrigação de reparar os danos extrapatrimoniais, tendem quase toda, a assumir o domínio contratual, com a mesma importância que em matéria delitual.”

Com efeito, o dano de natureza moral encontra previsão no artigo 5º, V e X da Constituição Federal. Da leitura do artigo citado, vê-se que, pela ótica Constitucional, não há distinção quanto à origem do dano, se delitual ou contratual.

O que importa, portanto, nos termos da Constituição, é que o dano tenha ocorrido, surgindo daí uma obrigação sucessiva para o lesante de prestar indenização.

Deste modo, pela ótica constitucional, tem-se clara a possibilidade do ressarcimento do dano moral decorrente de relação contratual.

No caso em tela, há que ponderar que a autora contratou os serviços prestados pela ré justamente com a expectativa de que caso lhe acometesse algum problema de saúde, seria amparada.

No caso, como já alhures salientado, o dano extrapatrimonial restou evidenciado, em razão do contexto fático no qual estão inseridos os acontecimentos.

Em relação ao quantum, a indenização por danos morais tem função diversa daquela exercida pelos danos patrimoniais, não podendo ser aplicados critérios iguais para sua quantificação, uma vez que a reparação de tal espécie de dano procura oferecer compensação ao lesado para atenuar o sofrimento havido e, quanto ao causador do dano, objetiva infringir-lhe sanção, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem.

Tal ocorre porque interessa ao direito e à sociedade que o relacionamento entre os cidadãos se mantenha dentro de padrões de equilíbrio e de respeito mútuo. Assim, em hipótese de lesão, cabe ao agente suportar as conseqüências do seu agir, desestimulando-se, com a atribuição de indenização, atos ilícitos tendentes a afetar os já referidos aspectos da personalidade humana.

Esta é a posição de Caio Mário da Silva Pereira, conforme se constata no livro Responsabilidade Civil, Forense, 6ª ed., 1995, Rio de Janeiro, p. 65:

“O problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do dano moral, a par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório. Sem a noção de equivalência, que é própria da indenização do dano moral, corresponderá à função compensatória pelo que tiver sofrido. Somente assumindo uma concepção desta ordem é que se compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação do dano moral. A isso é de se acrescer que na reparação do dano moral insere-se uma atitude de solidariedade à vítima”.

Tal diretriz vem há muito tempo sendo adotada na jurisprudência. As APCs nº. 70007789985 e 70007513732 desta Corte são recentes exemplos práticos da aplicação das idéias contidas na da lição doutrinária invocada.

Assim, na fixação do montante indenizatório por gravames morais, deve-se buscar atender à duplicidade de fins a que a indenização se presta, atentando para a condição econômica da vítima, bem como para a capacidade do agente causador do dano, amoldando-se a condenação de modo que as finalidades de reparar a vítima e punir o infrator (caráter pedagógico) sejam atingidas.

Diante destas considerações, o quantum fixado na sentença, 200 salários mínimos, revela-se excessivo ao caso concreto, merecendo provimento o apelo do réu neste ponto para que seja reduzido para o equivalente a 150 salários mínimos, ou seja, R$ 39.000,00.

Por final, saliento que não há como se reconhecer a litigância de má-fé, por parte da demandada, uma vez que não foi preenchida nenhuma das hipóteses previstas no artigo 17 do CPC.

Diante destas razões, dou provimento, em parte, ao apelo interposto pela autora, condenando a ré ao pagamento do valor relativo à indenização por danos materiais, consistentes no custo do tratamento realizado pela autora no exterior, excluindo-se os valores já adimplidos. A título de dano material, condeno, ainda, a demandada, ao pagamento das despesas gastas com a viagem do filho da demandante à Finlândia,na classe turismo, nos termos do exposto na fundamentação da decisão, valores que devem ser arbitrados em liquidação de sentença por arbitramento, com a incidência de juros devidos a contar da citação, no percentual de 6% ao ano, até a data da entrada em vigor do Código Civil de 2002 e, a partir de então, em 1% ao mês, a teor do disposto no artigo 406, combinado com o artigo 161, § 1º, do CTN, e correção monetária desde a data do fato.

Dou provimento, em parte, ao apelo da ré, reduzindo o valor fixado em relação ao dano moral para R$ 39.000,00, com a incidência de juros de mora devidos, a contar da citação, no percentual de 6% ao ano, até a data da entrada em vigor do Código Civil de 2002 e, a partir de então, em 1% ao mês, a teor do disposto no artigo 406, combinado com o artigo 161, § 1º, do CTN, e correção monetária desde a data da sentença.

Em face do desenlace da ação, redistribuo os ônus da sucumbência. Tendo em vista o julgamento de procedência dos pedidos iniciais, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em proveito do patrono da parte adversa, arbitrados em 15% do valor da condenação.

DES. LEO LIMA (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo.

DES. PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE – De acordo.

Julgador(a) de 1º Grau: JOAO FRANCISCO GULARTE BORGES

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