O dono da rua

Morador de rua ganha direito de voltar a morar em praça

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18 de julho de 2005, 19h27

O morador de rua Manoel Menezes da Silva, de 62 anos, conseguiu Habeas Corpus para que possa transitar livremente pelas ruas de São Paulo. A decisão foi tomada nessa quinta-feira(14/7), pela juiza Luciane Jabur Mouchaloite Figueiredo do Dipo —Departamento de Inquéritos Policiais e foi divulgada pelo Diário Oficial nessa segunda (18).

Menezes da Silva vivia, há 20 anos, na praça Pereira Coutinho, na Vila Nova Conceição, zona sul, onde se encontram alguns dos mais valorizados empreendimentos imobiliários de São Paulo. Há cerca de dois meses, Manoel foi retirado da praça, por ordem da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, supostamente atendendo a pedidos de moradores da região, incomodados por sua presença.

Levado ao Caism — Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental para avaliação psiquiátrica, recebeu diagnóstico de “demência” e foi encaminhado para o Pinel, um hospital estadual. No dia 30 de maio, recebeu alta do Hospício e foi levado para um abrigo municipal para população de rua.

Inconformados com o tratamento dispensado ao morador de rua, o Ministério Público e a ONG Rede Social de Justiça e Direitos Humanos entraram com pedido de Habeas Corpus para que Menezes da Silva pudesse voltar às ruas.

O advogado da Rede Social de Justiça, Athon Fon Filho diz que entrou com o Habeas Corpus alegando que ainda que o homem tivesse problemas mentais, o Estatuto da Saúde Mental determina que ninguém pode ser internado se não puser em risco a própria integridade ou a integridade alheia. E como, segundo os depoimentos, ele sempre foi uma pessoa calma e tranqüila, não haveria porque ficar internado.

Com o pedido de Habeas Corpus do Ministério Público, o juiz determinou que Menezes fosse encaminhado para um abrigo para carentes da prefeitura. Se quiser pode voltar para sua praça na Vila Nova Conceição. O pedido da Rede Social de Justiça foi julgado prejudicado porque pedia a liberdade do morador que já estava no abrigo.

HC 050.05040697-3

HC 050.05041367-8

leia a íntegra da decisão

DEPARTAMENTO DE INQUÉRITOS POLICIAIS E CORREGEDORIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA — DIPO

VISTOS

1- Quanto ao habeas corpus sob 050.05.041367-8, em apenso, considerando que o paciente Manoel Menezes Silva já foi liberado em 24 de maio de 2005, consoante informação do Hospital Psiquiátrico Pinel de Pirituba (fls.28, destes autos), julgo prejudicado o pedido fulcro no artigo 659, do Código de Processo penal. Anote-se e intime-se.

2- Quanto ao habeas corpus sob 050.05.040697-3, a decisão é diversa porquanto diferente é o pedido do impetrante. Não pede desinternação do paciente do Hospital Psiquiátrico, como é o pedido principal do habeas corpus em apenso. Pede, o Ministério Público, a concessão de salvo-conduto preventivo, para garantir ao idoso e morador de rua, Manoel Menezes da Silva, o direito de ir e vir, e permanecer onde desejar. Juntamente com a inicial vieram os documentos de fls 08/21.

A fls 23/24 foi determinada a vinda de documento comprobatório do estado de saúde mental do paciente, que ainda não aportou.

Com efeito, o caso sob apreço é sui generis

O paciente é idoso, pode ter problemas de saúde, e é também pessoa sozinha, pelo que se depreende dos autos sem lugar fixo ou próprio para moradia.

O presente remédio de habeas corpus não é via adequada para a produção de provas, para a oitiva do interessado ou de testemunhas. Também não é ação adequada à produção de laudos médicos por peritos do juízo . É, na verdade, o meio mais rápido e adequado , previsto na Constituição Federal, para coibir ameaças ou prevenir violações ao direito de locomoção de quem quer que seja, por ilegalidade ou abuso de poder.

Nos estreitos limites desta ação, e com base nas notícias veiculadas pela mídia e pela informação cartorária de fls.28 é certo que o paciente não está sendo mantido em cárcere privado. Foi liberado do Hospital Psiquiátrico e removido para o Abrigo Boracéia, em São Paulo.

Na verdade, sendo o paciente morador de rua, não há motivos para determinar a coercitiva retirada dele do Abrigo Boracéia. Não haveria razões objetivas para essa ordem, não está demonstrado o cárcere privado nem que o paciente esteja sendo maltratado. Por outro lado, não há como avaliar se o paciente quer permanecer em tal local, para onde foi encaminhado compulsoriamente, segundo a exordial.

Ademais, se foi liberado do Hospital Psiquiátrico é porque não houve conclusão médica de que o paciente representa perigo à própria saúde ou à saúde de outrem. Até que se prove o contrário, o paciente é homem livre, não interditado, que não parece oferecer risco a quem quer que seja. Por ser assim, somente a ele pode caber a decisão sobre o que seja melhor para si; se quer voltar para as ruas, se quer permanecer no abrigo ou, ainda, se prefere uma outra via pública para estar.

Posto isso e por tudo mais que dos autos consta, CONCEDO A SEGURANÇA para o fim colimado pelo impetrante para que o paciente Manoel Menezes da Silva, enquanto livre e não interditado, tenha assegurado o seu direito de ir, vir e ficar, sem qualquer restrição ou impedimento por quem quer que seja.

Nos termos do artigo 574, inciso I, do Código de Processo Penal, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para reexame necessário.

Através de oficial de justiça, se ainda no Abrigo Boracéia, entregue-se cópia desta decisão ao paciente, dando-lhe ciência de seu significado.

P.R.I.C.

São Paulo, 24 de junho de 2005.

LUCIANE JABUR MOUCHALOITE FIGUEIREDO

JUÍZA DE DIREITO

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