Contas da prefeitura

Juíza suspende pregão da prefeitura de SP para contratar bancos

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13 de julho de 2005, 19h54

A juíza Isabel Cristina Modesto Almada, da 6ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, deu liminar que suspende os efeitos do pregão marcado para esta quinta-feira (14/7), pela prefeitura de São Paulo, para a contratação de serviços bancários. A liminar atende a pedido feito em ação popular pelo presidente do Sindicato dos Empregados de Estabelecimentos Bancários de São Paulo, Luiz Cláudio Marcolino.

O edital do pregão permitia a participação de bancos privados ou privatizados na licitação, o que, segundo Marcolino, é inconstitucional. O banco vencedor da licitação ficaria responsável pela movimentação do caixa e das aplicações financeiras da prefeitura paulistana, pelo pagamento dos servidores municipais, pelo pagamento dos fornecedores da prefeitura, entre outras atribuições.

Representado pelos advogados João Roberto Egydio Piza Fontes, José Eduardo Berto Galdiano e Fábio Costa Azevedo, o sindicato sustentou que o atendimento às contas da prefeitura é um benefício “constitucionalmente garantido às instituições oficiais, é dizer, aos bancos públicos, que têm como característica marcante atender ao interesse público — programas sociais, financiamentos e créditos com menores taxas de juros e de administração, tarifas mais acessíveis, melhores condições, etc”.

A juíza acolheu os argumentos. Segundo a liminar, “não se pode perder de vista, aliás, que o interesse público envolvido na espécie revela que a cautela aproveita à própria Administração, na exata medida em que visa a proteger as finanças públicas que se submetem em sua totalidade ao certame”.

Leia as íntegras da liminar e da inicial

PROC. Nº 829/05

I — Concedo ao autor o prazo de dez (10) dias para que, regularizando sua representação processual, traga para os autos instrumento de mandado que comprove a outorga de poderes ao subscritor da inicial, sob pena de nulidade (art. 13, I, CPC)

II — Conquanto não se possa cogitar da presença dos requisitos traçados pelo artigo 273, caput, do Código de Processo Civil, para a concessão da tutela antecipada, é certo que a fungibilidade preconizada pelo § 7º daquele mesmo dispositivo legal se erige em sustentáculo suficiente para a providência cautelar requerida.

Na espécie entendo nítida a presença do fumus boni júris, seja em razão da elasticidade relativa à natureza das entidades financeiras admitidas a licitar (item 2 do edital), seja em decorrência da opção do licitante pela modalidade de pregão, seja ainda por conta da inexistência de previsão de lance mínimo — enfim são vários os aspectos de edital que estariam, no mínimo, a exigir um aprofundamento da análise das questões suscitadas na inicial.

Já o periculum in mora decorre da própria natureza da modalidade da licitação, uma vez que o procedimento do pregão prevê uma seqüência ininterrupta de atos.

Não se pode perder de vista, aliás, que o interesse público envolvido na espécie revela que a cautela aproveita à própria Administração, na exata medida em que visa a proteger as finanças públicas que se submetem em sua totalidade ao certame.

Ademais, não se vislumbra urgência tal na licitação que pudesse ser afetada pela sua suspensão até pelo menos que se esclareçam os aspectos controvertidos; até onde se sabe, as disponibilidades financeiras e os pagamentos que constituem o objeto do certame se encontram devidamente custodiados e bem administrados, não estando sua fluência a depender de alteração do depositário.

Presentes, desta forma, os requisitos a tanto necessários. Defiro o pedido de liminar, para o fim de suspender os efeitos do edital PREGÃO CEL-SF Nº 001/2005 até final solução do litígio.

Oficie-se, instruindo o expediente com cópia desta decisão, ficando autorizada a sua transmissão via fax.

III — Após, ao Ministério Público.

Int.

São Paulo, de

ISABEL CRISTINA MODESTO ALMADA

Juíza de Direito

Em 13/7/2005

Leia a íntegra inicial

EXCELENTÍSSIMO SR. DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – SP

“(…)O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. A ratio subjacente à cláusula de depósito compulsório, em instituições financeiras oficiais, das disponibilidades de caixa do Poder Público em geral (CF, art. 164, § 3º) reflete, na concreção do seu alcance, uma exigência fundada no valor essencial da moralidade administrativa, que representa verdadeiro pressuposto de legitimação constitucional dos atos emanados do Estado. Precedente: ADI 2.600-ES, Rel. Min. Ellen Gracie.


(ADI 2.661-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/08/02)

LUIZ CLÁUDIO MARCOLINO, brasileiro, casado, bancário, presidente em exercício do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo, portador do título de eleitor n.º 172108630124, Zona 280, Seção 553 (cópia anexa (1)), inscrito no CPF/MF sob o n.º 135.774.588-52, portador do título de eleitor n.º eleitor n.º 172108630124, Zona 280, Seção 553, residente e domiciliado na Rua Aliança Liberal, 97, Bela Aliança, São Paulo – SP por seus advogados que esta subscrevem (2), vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5.º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, na Lei n.º 4.717/65 e demais dispositivos legais aplicáveis ao caso, propor a presente

AÇÃO POPULAR

COM PEDIDO LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE

em face do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público, com sede administrativa no Viaduto do Chá, n.º 15, Centro, São Paulo-SP, em razão de ato praticado por intermédio da Comissão Especial de Licitação da Secretaria Municipal de Finanças-CEL-SF, constituída pela Portaria SF 051/2005, bem como em face das demais autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à sua prática (3), quais sejam, o Presidente da Comissão Especial de Licitação/Pregoeiro, CELSO TADEU DE AZEVEDO SILVEIRA, o Secretário Municipal de Finanças de São Paulo, MAURO RICARDO MACHADO COSTA, bem como outros, que deverão ser oportunamente apontados pelo Réu Município de São Paulo, o que faz pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos.

I – DOS FATOS

Aos 01 de julho do corrente ano, foi publicado no Diário Oficial do Município de São Paulo o Edital PREGÃO CEL-SF n.º 001/2005, processo n.º 2005-0.111.124-3, por meio do qual tornaram-se públicas as condições do processo licitatório, pela modalidade pregão, para a contratação de serviços bancários pela Prefeitura do Município de São Paulo.

Conforme o item 1 do mencionado instrumento editalício, o Município Réu pretende contratar, em síntese, as seguintes espécies de serviços bancários: 1) movimentação das disponibilidades de caixa e da realização de aplicações financeiras de tais disponibilidades do Poder Executivo Municipal e da Conta Sistema de Transporte Coletivo Municipal; 2) o pagamento aos servidores e funcionários municipais; e 3) o pagamento aos fornecedores da Prefeitura. A licitação abrange não só a Prefeitura como todas as autarquias e fundações municipais – Administração Pública Direta e Indireta. Confira-se:

1. OBJETO

1.1 O presente certame tem por objeto 04 (quatro) itens distintos a serem licitados individualmente, consoante o disposto neste Edital e nos seus anexos, quais sejam:

1.1.1. Movimentação das disponibilidades de caixa do Poder Executivo Municipal, bem como realização das aplicações financeiras destas disponibilidades na própria instituição;

1.1.2. Pagamentos a servidores/funcionários ativos, inativos e a pensionistas da administração direta, autarquias e fundações;

1.1.3. Pagamentos a fornecedores da administração direta, das autarquias, das fundações, bem como dos destinatários dos recursos do item 1.1.4; e,

1.1.4. Movimentação das disponibilidades de caixa da Conta Sistema de Transporte Coletivo Municipal, bem como realização das aplicações financeiras na própria instituição.

Consta ainda no referido Edital que o pregão está marcado para o próximo dia 14 de julho, às 14:30hs, ou seja, para a próxima quinta-feira, quando deverão ser entregues e abertos os envelopes contendo as propostas e a documentação de habilitação dos licitantes, bem como adjudicados os objetos da licitação a seus vencedores.

Ocorre, porém, que, conforme será adiante demonstrado, o referido Edital contém uma série de vícios, haja vista sua total desconformidade com a Constituição Federal e a legislação em vigor, o que compromete a validade de todo o procedimento licitatório em questão.

E – ressalte-se desde já – as referidas inconstitucionalidades e ilegalidades atingem não apenas a sua forma, como também o seu conteúdo, o que torna nulo de pleno direito o instrumento editalício em questão, trazendo sério e graves prejuízos ao patrimônio público e à moralidade administrativa.

Daí a necessidade da propositura da presente demanda, com o fim de se suspender provisória e imediatamente os efeitos do referido Edital – evitando-se a concretização de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ao patrimônio público e à moralidade administrativa – até que, finalmente, com a procedência da lide, seja o mesmo declarado nulo de pleno direito pelo Poder Judiciário, condenando-se os responsáveis pelos atos ilícitos em questão ao ressarcimento dos respectivos danos. Vejamos.


II – DO DIREITO

II.1 – Da legitimidade ativa ad causam

Conforme exposto acima, o objeto da presente ação popular é a suspensão provisória e, posteriormente, a declaração definitiva da nulidade do Edital PREGÃO CEL-SF n.º 001/2005, referente ao processo de licitação promovido pela Prefeitura do Município de São Paulo para a contratação de serviços bancários, haja vista os flagrantes vícios de conteúdo e de forma que maculam a validade do instrumento editalício.

Tratando-se de ato administrativo eivado de vícios de forma e de ilegalidade do objeto, pode-se dizer que o mesmo é lesivo ao patrimônio público do Município de São Paulo e à moralidade administrativa, na forma do artigo 2.º, ‘a’ e ‘b’ da Lei n.º 4.717/65 – Lei da Ação Popular.

Por sua vez, diz o artigo 1.º da mencionada Lei que “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio…”, norma esta que foi recepcionada pelo artigo 5.º, LXXIII, da Constituição Federal de 1988. Confira-se:

qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência

Assim, nos termos do artigo 5.º, inciso LXXIII, da CF/1988, e da Lei 4.717/65, tem o presente autor popular, como cidadão, legitimidade ativa ad causam para buscar a declaração da nulidade do edital em questão, obtendo com isso a tutela da moralidade administrativa e do patrimônio público.

II.2 – Dos vícios do Edital

A) DA FLAGRANTE INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE DO OBJETO DO EDITAL

Conforme já exposto, o objeto do certame em questão é a contratação de serviços bancários com os vencedores do pregão, a fim de que, em linhas gerais, estes passem a movimentar as disponibilidades de caixa do Poder Executivo Municipale realizar suas aplicações financeiras – incluindo-se aí a Administração Pública Indireta –, além de pagar os salários dos servidores e funcionários municipais, bem como os fornecedores da Prefeitura.

Acontece que, conforme indica o item 2 do Edital, que define as “Condições de Participação”, poderão participar da licitação, com relação aos serviços de movimentação das disponibilidades de caixa da Administração Pública Municipal Direta e Indireta e de realização das respectivas aplicações financeiras, tanto instituições financeiras oficiais como também aquelas privatizadas ou que tiverem adquirido o controle de outras privatizadas, é dizer, instituições financeiras privadas – não oficiais.

Por sua vez, com relação à contratação dos serviços para o pagamento dos servidores e funcionários municipais, bem como dos fornecedores da Prefeitura, o Edital permite expressamente a participação de quaisquer instituições financeiras. Confira-se:

2. CONDIÇÕES DE PARTICIPAÇÃO

2.1. Para os itens 1.1.1. e 1.1.4, somente poderão participar desta licitação as instituições financeiras oficiais e as que atendam ao disposto no § 1° do artigo 4° da Medida Provisória n.° 2.192-70, de 24 de agosto de 2001, em vigor nos termos do artigo 2° da Emenda Constitucional n°32, de 11 de setembro de 2001, ou seja, aquelas que tiverem sido privatizadas ou tiverem adquirido o controle de outras privatizadas.

2.2. Para os Itens 1.1.2 e 1.1.3, poderão participar tanto as instituições descritas no item 2.1. quanto as instituições bancárias privadas, regularmente em atividade, conforme legislação específica (…).”

Numa palavra, o Edital em questão permite que as contas da Prefeitura Municipal de São Paulo sejam transferidas a instituições financeiras privadas (não oficiais), seja para a movimentação das disponibilidades de caixa e realização de suas aplicações financeiras (itens 1.1.1 e 1.1.4), seja para o pagamento dos funcionários e servidores (item 1.1.2) e dos fornecedores (item 1.1.3).

A título de informação, consigne-se que, atualmente, conforme expõe o próprio Edital – e como não poderia deixar de ser –, apenas as instituições financeiras oficiais, isto é, os bancos públicos, é que prestam tais serviços à Prefeitura, movimentando as disponibilidades de caixa, realizando suas aplicações financeiras, bem como pagando seus servidores e funcionários e fornecedores.

Evidentemente, os bancos oficiais não pagam à Prefeitura qualquer valor pela realização de tais serviços. Pelo contrário, quem lhes paga, a título de contraprestação pela prestação desses serviços, é a própria Prefeitura.


Até aí poder-se-ia perguntar: mas não seria vantajoso para essas instituições administrar os enormes volumes de dinheiro da Prefeitura, movimentando suas disponibilidades de caixa, realizando suas aplicações financeiras e lhe prestando outros serviços bancários?

A resposta é naturalmente positiva, pois se está diante de uma preferência, de um benefício constitucionalmente garantido às instituições oficiais, é dizer, aos bancos públicos, que têm como característica marcante atender ao interesse público – programas sociais, financiamentos e créditos com menores taxas de juros e de administração, tarifas mais acessíveis, melhores condições, etc.

A despeito da discussão sobre o fato de representar ou não uma vantagem aos bancos públicos, a verdade é que o artigo 164, §3.º da Constituição Federal é expresso em dizer que “As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no Banco Central; a dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei”.

O comando imperativo do referido dispositivo constitucional é muito claro, e não deixa qualquer dúvida de que, ressalvados os casos previstos em lei, as disponibilidades de caixa dos Municípios devem ser depositadas em instituições financeiras oficiais, ou seja, em bancos públicos.

A norma constitucional em comento foi ainda ratificada pelo artigo 43 da Lei Complementar Federal n.º 101/2000, mais conhecida como Lei da Responsabilidade Fiscal, segundo o qual “Art. 43. As disponibilidades de caixa dos entes da Federação serão depositadas conforme estabelece o § 3o do art. 164 da Constituição”.

A respeito do tema, é de se verificar a seguinte decisão, recentemente proferida pelo E. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em caso muito semelhante ao presente, em que não apenas a licitação e o contrato foram considerados irregulares, por violação do artigo 164, §3.º da CF, como também o Prefeito foi multado em 1.000 UFESPs. Confira-se:

Contrato n.º: 2428/008/03

Interessado: MUNICIPIO DE CATANDUVA

Contatado: BANCO ITAU S/A

Relator: CONS. EDUARDO BITTENCOURT CARVALHO

(…) LICITAÇÃO – CONCORRENCIA PUBLICA. CONTRATO CELEBRADO EM 19.09.03. VALOR R$1.425.000,00. (…)

VISTOS, RELATADOS E DISCUTIDOS OS AUTOS. A E. PRIMEIRA

CAMARA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, EM SESSÃO DE 05 DE OUTUBRO DE 2004, PELO VOTO DOS CONSELHEIROS EDUARDO BITTENCOURT CARVALHO, PRESIDENTE E RELATOR, EDGARD CAMARGO RODRIGUES E ROBSON MARINHO, TENDO EM VISTA QUE O AJUSTE EM TELA ESTABELECEU UM CONJUNTO DE CONTRAPRESTAÇÕES, AS QUAIS CONFEREM EXCLUSIVIDADE A UMA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NÃO OFICIAL SOBRE TODAS AS PRINCIPAIS OPERAÇÕES BANCARIAS REALIZADAS PELA PREFEITURA, E, EM CONSEQUENCIA, SOBRE O DEPOSITO DAS MAIS RELEVANTES DISPONIBILIDADES DE CAIXA DO MUNICIPIO, EM ABSOLUTA AFROMTA AO PARAGRAFO TRES, DO ART. 164, DA C.F; DECIDIU JULGAR IRREGULARES A CONCORRENCIA PUBLICA E O CONTRATO EM EXAME, APLICANDO A ESPÉCIE O DISPOSTO NO ARTIGO DOIS, XV E XXVII, DA L.C. 709/93. DECIDIU TAMBÉM, PELA APLICAÇÃO DE MULTA AO SENHOR FÉLIX SAHÃO JUNIOR, PREFEITO E SUBSCRITOR DO INSTRUMENTO CONTRATUAL, NO VALOR EQUIVALENTE A 1.000 UFESP S, COM FUNDAMENTO NO ART. 104, II, DA SUPRA REFEREIDA LEI COMPLEMENTAR, FIXANDO-LHE O PRAZO DE 30 DIAS PARA O RECOLHIMENTO. FICAM, DESDE JA, AUTORIZADAS AOS INTERESSADOS VISTA E EXTRAÇÃO DE COPIA DOS AUTOS, EM CARTORIO. PUBLIQUE-SE. SÃO PAULO, EM 28 DE OUTUBRO DE 2004.

PUBLICADO NO DOE DE 30.10.2004

Igualmente, em consulta formulada pelo Município de Rancharia, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo também se manifestou em sentido contrário à realização de licitação com o mesmo objeto da ora impugnada, conforme se verifica pelo teor da seguinte ementa:

CONSULTA n.º:64080/026/90

INTERESSADO: PREF. MUNICIPAL DE RANCHARIA

RELATOR: JOSÉ LUIZ DE ANHAIA MELLO

ÓRGÃO JULG.: PLENO

CONSULTA DA PREFEITURA MUNICIPAL DE RANCHARIA, ACERCA DO PARAGRAFO 3 DO ARTIGO 164 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ATA DA 6 SESSÃO ORDINARIA DO TRIBUNAL PLENO, REALIZADA EM 12.2.92. DECISÃO CONSTANTE DA ATA DE 1992: O PLENARIO CONHECEU DA CONSULTA E QUANTO AO MÉRITO, DELIBEROU RESPONDÊ-LA NO SENTIDO DE QUE OS MUNICIPIOS E CONTROLADAS, NOS EXATOS TERMOS DO DISPOSTO NO PARAGRAFO 3 DO ARTIGO 164 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEVERÃO MANTER SUAS DISPONIBILIDADES DE CAIXA DEPOSITADAS EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS OFICIAIS, SEJAM FEDERAIS, OU ESTADUAIS – A SEU CRITÉRIO – RESSALVADOS OS CASOS PREVISTOS EM LEI. OUTROSSIM, QUE SE NÃO HOUVER NO MUNICIPIO ENTIDADE FINANCEIRA OFICIAL, O DEPÓSITO DEVERÁ SER EFETUADO EM QUALQUER BANCO DA REDE BANCÁRIA PRIVADA, NO PROPRIO MUNICÍPIO.

DETERMINOU, AINDA, POR PROPOSTA DO CONSELHEIRO ANTONIO ROQUE CITADINI, QUE ESSA DECISÃO SEJA AMPLAMENTE DIVULGADA JUNTO AOS ORGÃOS INTERESSADOS.

PUBLICADO NO DOE DE 20.2.92, PAGINA 35.


Não se trata de entendimento externado apenas pelo Tribunal de Contas Estadual. O próprio Supremo Tribunal Federal, intérprete maior da Constituição da República, tem exatamente o mesmo posicionamento, conforme se verifica pela transcrição da ementa e trechos de acórdão proferido em abril de 2002, referente à medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n.º 2.600-3, voltada contra alterações legislativas estaduais que visavam permitir a transferência das disponibilidades de caixa do estado para bancos privados:

A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. A ratio subjacente à cláusula de depósito compulsório, em instituições financeiras oficiais, das disponibilidades de caixa do Poder Público em geral (CF, art. 164, § 3º) reflete, na concreção do seu alcance, uma exigência fundada no valor essencial da moralidade administrativa, que representa verdadeiro pressuposto de legitimação constitucional dos atos emanados do Estado. Precedente: ADI 2.600-ES, Rel.

A senhora Ministra Ellen Gracie – (Relatora): Há plausibilidade jurídica no pedido cautelar.

O art. 164, §3.º da Constituição Federal determina que as disponibilidades de caixa da União serão depositadas no banco central. Quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como quanto aos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, tais disponibilidades deverão ser depositadas em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei.

A regra é o depósito dos recursos públicos em instituições financeiras oficiais, entendo a doutrina que essas disponibilidades, no tocante a Estados, Distrito Federal e Municípios, podem ser depositadas em instituições financeiras oficiais de qualquer esfera, sem preferência (José Cretella Júnior e Pinto Ferreira). Isso significa, por exemplo, que um Estado-membro pode depositar seus recursos em instituição federal.

O dispositivo impõe essa regra, ressalvando, no entanto, a possibilidade de lei dispor de modo diverso, em determinados casos. Essa lei exceptiva, no meu entendimento, é lei federal de caráter nacional (…)

Observo, ademais, que a Lei Complementar federal n.º 101/2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, dispõe, no seu art. 43, caput, que as disponibilidades de caixa dos entes da Federação serão depositadas conforme estabelece o § 3.º do art. 164 da Constituição.

Vejo, também, que essa regra salutar de depósito em bancos oficiais, imposta pela Constituição, vai ao encontro do princípio da moralidade previsto no art. 37, caput do seu texto…

(ADI 2.661-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/08/02)

Note-se que, para o Supremo Tribunal Federal, o desrespeito à norma constitucional em questão representa grave violação, pela Administração Pública, ao princípio da moralidade administrativa.

Por sua vez, frise-se que, no caso acima citado, o Estado do Espírito Santo pretendia transferir todas as disponibilidades de caixa do Poder Público Estadual para o Banestes – Banco do Estado do Espírito Santo, que estava sendo privatizado. Nem assim, o Supremo Tribunal Federal deixou de impor a aplicação da regra do artigo 164, §3.º da Constituição Federal, proibindo a transferência das disponibilidades financeiras do Estado a instituição privada.

Assim, não há que se falar que os bancos privatizados ou os banco privados adquirentes da maioria do capital social de bancos públicos, poderiam receber e movimentar as disponibilidades de caixa dos entes federados, sob o argumento de que a medida provisória n.º 2.192-70 o permitiria, tal como procedeu o Réu no presente caso. Frise-se que a ADIN 2.600 foi julgada em 2002, portanto após a vigência da referida medida provisória.

Além disso, tal ato normativo jamais teria o condão de alterar a definição de “instituições financeiras oficiais”. Os bancos oficiais são sempre os bancos públicos. Se o banco público foi privatizado, então se trata logicamente de banco privado, que não pode receber as disponibilidades de caixa, na forma do artigo 164, §3.º.


Portanto, é evidente que não basta que uma medida provisória venha dizer que o banco privado que adquiriu o banco público, ou o próprio banco privatizado (se foi privatizado é porque se tornou privado), são equiparados a instituição financeira oficial, para que a regra constitucional caixa no vazio.

A corroborar com tal raciocínio, vejamos o voto do Ministro Nelson Jobim no julgamento da medida cautelar acima referida:

…o art. 148 da Constituição do Estado do Espírito Santo, embora possa ter um sentido econômico para valorizar o banco do Estado no processo de privatização, porque asseguraria ao banco um fluxo de caixa constante e a possibilidade de movimentar toda a disponibilidade de caixa do Estado bem como das entidades do serviço público indireto, fere o §3.º do art. 164 da CF, e, além disso, estabelece uma retirada do Estado, da possibilidade de obter os seus depósitos de caixa.

Afora isso, importante e relevante – primária, no caso –, é o §3.º do art. 164, acrescida a circunstância de que a própria lei de responsabilidade fiscal dirime o problema, no sentido de determinar o depósito dos bancos oficiais. A parte final do §3.º destaca: ‘ressalvados os casos previstos em lei’. É exatamente a hipótese que se deixou aberta para a possibilidade de não haver bancos oficiais em um determinado local do País ou capital do Estado.

Com as privatizações dos bancos estaduais, se reduz o espectro dos bancos oficiais, então, abre-se uma janela para a possibilidade de que, não havendo bancos oficiais em determinado local, a lei autorize, sempre como regra de exceção.

Verifique-se que, ao afirmar que “Com as privatizações dos bancos estaduais, se reduz o espectro dos bancos oficiais” o entendimento do Supremo Tribunal Federal não deixa dúvidas de que o banco privatizado não pode ser considerado instituição financeira oficial, além do que a exceção autorizada pela parte final do §3.º do artigo 164 da CF é apenas para os casos em que não houver banco oficial em determinado local, ou seja, é apenas “uma janela para a possibilidade de que, não havendo bancos oficiais em determinado local, a lei autorize, sempre como regra de exceção”.

Ainda com relação ao julgamento da referida provisória, vale citarmos também o voto do Ministro Sepúlveda Pertence:

Aqui, é a primeira vez que chegamos ao cúmulo da privatização: é o futuro banco privado que terá exclusividade em detrimento de todos os outros bancos, oficiais e privados. Também acompanho a Sra. Ministra-Relatora, deferindo a liminar

Por fim, citamos a ementa referente a caso análogo ao acima mencionado, em que também se concedeu medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n.º 2.661-5, na qual atuou como Relator o Ministro Celso de Mello:

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade – lei estadual que autoriza a inclusão, no edital de venda do Banco do Estado do Maranhão S/A, da oferta do depósito das disponibilidades de caixa do tesouro estadual – impossibilidade – contrariedade ao art. 164, §3.º da Constituição da República – ausência de competência normativa do Estado-membro – alegação da ofensa ao princípio da moralidade administrativa – plausibilidade jurídica (…)

Como se vê, o Supremo Tribunal Federal não admite que bancos privatizados movimentem as disponibilidades de caixa dos entes federados, porque o artigo 164, §3.º da Constituição Federal e 43 da Lei Complementar federal n.º 101/2000 dispõem expressamente que tais valores serão depositados exclusivamente nas instituições financeiras oficiais, isto é, nos bancos públicos.

Por tal razão, são flagrantemente inconstitucionais e ilegais os objeto do Edital ora impugnados no que diz respeito a seus itens 1.1.1 e 1.1.4, os quais permitem a participação de bancos privados no certame – bancos privatizados ou em privatização ou que bancos privados que tenham adquirido a maioria do capital social de banco público.

Passemos agora a analisar os itens 1.1.2 e 1.1.3, em combinação com o item 2.2 do Edital, que permitem que quaisquer instituições financeiras – públicas ou privadas – participem da licitação com relação aos serviços de pagamento dos servidores e funcionários municipais e pagamento dos fornecedores da Prefeitura.

Poder-se-ia imaginar que tais serviços poderiam ser perfeitamente licitados a instituições financeiras não oficiais, tal como pretende o Edital ora impugnado, já que a imposição do artigo 164, §3.º da Constituição Federal e do artigo 43 da Lei Complementar n.º 101/2000 fala apenas em “disponibilidades do caixa”. Assim, a exigência abrangeria apenas as movimentações e aplicações financeiras (itens 1.1.1 e 1.1.4 do Edital).

No entanto, a questão não é tão simples. Isso porque, para que uma instituição financeira assuma a obrigação de efetuar o pagamento de todos os milhares de servidores e funcionários da Administração Direta e Indireta Municipal, bem como de todos os seus fornecedores, teria de haver depósito das disponibilidades de caixa do Município nesta mesma instituição financeira não oficial.


Acontece que a norma constitucional em análise fala que os “depósito das disponibilidades de caixa” serão efetuados exclusivamente em instituições oficiais.

Assim, os comandos dos artigos 164, §3.º da Constituição Federal e 43 da Lei de Responsabilidade Fiscal não se restringem aos serviços de movimentação das disponibilidades de caixa e da realização das respectivas aplicações financeiras. Eles abrangem também quaisquer serviços que importem na necessidade dos entes federados depositarem suas disponibilidades de caixa em instituições financeiras, tais como o pagamento de funcionários, servidores e fornecedores.

Não se trata de tese nova. Além da exigência clara de que qualquer depósito de disponibilidade de caixa seja efetuada exclusivamente em instituições financeiras oficiais, ou seja, em bancos públicos, o E. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo vem considerando, reiteradamente, que os salários dos servidores devem ser igualmente depositados em bancos oficiais, sendo vedada a realização do serviço por instituições privadas. Confira-se:

Representação: 35255/026/04

Interessado: BANCO NOSSA CAIXA S.A

Representada: PREFEITURA MUNICIPAL DE BRAGANÇA PAULISTA

Relator: CONSELHEIRO EDUARDO BITTENCOURT CARVALHO

EMENTA:

CENTRALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES BANCARIAS RELACIONADAS A FOLHA DE PAGAMENTO DOS FUNCIONARIOS E SERVIDORES PUBLICOS MUNICIPAIS – CONSTITUI AFRONTA AO ARTIGO 164, PARAGRAFO 3, DA CARTA MAGNA, A POSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO DO OBJETO POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PRIVADA – (…)

ACORDA O E. PLENARIO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, EM SESSÃO DE 16 DE FEVEREIRO DE 2005, (…) DECIDIR PELA PROCEDENCIA PARCIAL DA REPRESENTAÇÃO FORMULADA PELO BANCO NOSSA CAIXA S.A., PARA DETERMINAR A COMPLETA REVISÃO DO EDITAL, RESTRINGINDO O PROCEDIMENTO LICITATORIO APENAS E TÃO SOMENTE AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS OFICIAIS, NOS TERMOS DO ARTIGO 164, PARAGRAFO 3, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL(…)PUBLIQUE-SE.

SÃO PAULO, 16 DE FEVEREIRO DE 2005.

PUBLICADO NO DOE DE 17.02.2005. TRANSITADO EM JULGADO EM 04.03.2005

Vejamos mais duas ementas resumidas do E. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo no mesmo sentido:

NÚMERO DO PROCESSO: 35110/026/04 MATÉRIA: EXAME PRÉVIO DE EDITAL INTERESSADO: REPRESENTANTE: BANCO NOSSA CAIXA S/A REPRESENTADA: PREFEITURA MUNICIPAL DE APIAI RELATOR: CONSELHEIRO FULVIO JULIÃO BIAZZI (08.12.2004/23.12.2004) ÓRGÃO JULGADOR: PLENO

O BANCO NOSSA CAIXA S/A, EM 06 DE DEZEMBRO DE 2004, COM FUNDAMENTO NO S1. DO ARTIGO 113 DA LEI FEDERAL NUMERO 8666/93, PROTOCOLOU NESTE TRIBUNAL REPRESENTAÇÃO CONTRA O EDITAL DA TOMADA DE PREÇOS NUMERO 007/2004, INSTAURADA PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE APIAI, OBJETIVANDO A CONTRATAÇÃO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, PARA CENTRALIZAR AS ATIVIDADES BANCARIAS DE FOLHA DE PAGAMENTOS DE TODOS OS FUNCIONARIOS/SERVIDORES REGIMES CELESTISTAS E ESTATUTARIOS (ATIVOS, INATIVOS E PENSIONISTAS) DA PREFEITURA MUNICIPAL DE APIAI-.INSURGE-SE TAMBÉM CONTRA O OBJETO LICITADO QUE PERMITE, EM DESACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 164, S 3 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 43 DA LC-101/2000, QUE QUALQUER INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARTICIPE DO PRESENTE CERTAME LICITATORIO (…)

EMENTA:

“O OBJETO DO CERTAME LICITATORIO, INFRINGE AS DISPOSIÇÕES DO PARAGRAFO 3, DO ARTIGO 164, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

(…) JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO AUTUADA NO TC 35110/026/04. PUBLIQUE-SE. SÃO PAULO, 22 DE DEZEMBRO DE 2004. RENATO MARTINS COSTA – PRESIDENTE FULVIO JULIÃO BIAZZI – RELATOR PUBLICADO NO DOE DE 23.12.2004.

Representação n.º 32512/026/04

EMENTA: EXCLUSIDADE NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DA FOLHA DE PAGAMENTO DOS SERVIDORES PUBLICOS MUNICIPAIS – CONSTITUI AFRONTA AO ARTIGO 164, PARAGRAFO 3, DA CARTA MAGNA, A POSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO DO OBJETO POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PRIVADA

PUBLICADO NO DOE DE 09.12.2004

Como se vê, a jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo é pacífica no sentido de que também os serviços bancários em questão não podem ser prestados por instituições financeiras não oficiais ou privadas, uma vez que isto representaria violação do artigo 164, §3.º da Constituição Federal e do artigo 43 da Lei Complementar n.º 101/2000.

Portanto, as previsões dos itens 1.1.2 e 1.1.3, combinadas com o item 2.2 do Edital, também são flagrantemente inconstitucionais e ilegais.

Aliás, é curioso, data vênia, que o Tribunal de Contas do Município tenha respondido à consulta TC 2.471.05-77 de forma a aprovar na integralidade do Edital em questão, sem a devida fundamentação e sem fazer qualquer ressalva quanto ao bem fundamentado e consubstancioso entendimento do Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo quanto a tais questões.


Por isso, caso o Edital prevaleça, ter-se-á no Município de São Paulo, e apenas neste Município em todo o Estado, a situação esdrúxula de instituições financeiras não oficiais (privadas) prestarem serviços bancários em total discrepância com os ditames constitucionais e legais a respeito do tema, o que não pode ser tolerado pelo Poder Judiciário, data venia.

B) DOS VÍCIOS DE FORMA

Não bastasse a total desconformidade do objeto do Edital com a Constituição Federal e com a Lei de Responsabilidade Fiscal – o que acarreta a total inviabilidade do procedimento em questão – o mesmo contém graves vícios de forma que, por si só, são suficientes para a nulificação de toda a licitação.

Isso porque, conforme se observa no Edital, a modalidade de licitação escolhida pela Comissão Especial de Licitação – Secretaria das Finanças (CEL-SF) foi o pregão, quando, na verdade, a leitura dos diversos itens do instrumento editalício, especialmente os que dizem respeito à classificação e julgamento das propostas, revelam que não se trata, nem de longe, de pregão, mas sim de uma nova modalidade de licitação inventada pela Prefeitura do Município de São Paulo, a qual viola flagrantemente as regras da Lei Federal n.º 10.520/02.

A leitura do primeiro parágrafo do Edital já revela que o Edital desrespeita a Lei Federal, haja vista nele constar que se trata de “licitação na modalidade PREGÃO, com critério de julgamento de melhor oferta de preço a ser pago pelos vencedores do certame”. No mesmo sentido, vale transcrever os seguintes itens do instrumento convocatório, relativos aos critérios de classificação e julgamento das propostas, onde resta claro que, para a contratação de serviços bancários, os licitantes deverão formular proposta de “melhor preço”:

6.1.2 As demais propostas serão classificadas provisoriamente, em ordem decrescente de valor, para cada item.

7. JULGAMENTO DAS PROPOSTAS

7.1. Serão consideradas classificadas para a fase de lances verbais, individualmente por item, as propostas de melhor preço, e todas aquelas com preços situados no intervalo de 10% abaixo daquele.

7.3. O Pregoeiro abrirá de maneira ordenada e seqüencial, para cada item, a oportunidade para oferecimento de lances verbais aos representantes das proponentes, vedados lances com diferenças de valores inferiores a R$ 1 (um) milhão de reais, podendo este valor ser alterado no decorrer da fase de lances e com a concordância de todos os participantes da fase.

7.3.1. A ordem em que serão apregoados os objetos do certame será:

– 1º: o descrito no item 1.1.4 deste Edital;

– 2º: o descrito no item 1.1.1 deste Edital;

– 3º: o descrito no item 1.1.3 deste Edital;

– 4º: o descrito no item 1.1.2 deste Edital.

7.3.2. Não serão aceitos lances cujos valores forem menores ao último lance que tenha sido anteriormente ofertado, bem como dois lances do mesmo valor.

7.4.Serão declaradas vencedoras, de cada item, ao final do pregão, as propostas de melhor preço pertinente, em decisão motivada, após o exame da aceitabilidade, quanto aos critérios estabelecidos no Edital.

Está claro que o vencedor do certame em questão será aquele participante que fizer uma proposta de maior preço para a contratação com a Prefeitura.

Ora, como se sabe, o pregão consiste em modalidade de licitação – criada por diversas medidas provisórias e, depois, consolidada pela Lei Federal n.º 10.520/02 – que pode ser utilizada para a aquisição de bens e serviços comuns mediante o critério de classificação e julgamento de proposta com menor preço. O texto legal é expresso ao estabelecer esta característica marcante do pregão:

Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

VIII – no curso da sessão, o autor da oferta de valor mais baixo e os das ofertas com preços até 10% (dez por cento) superiores àquela poderão fazer novos lances verbais e sucessivos, até a proclamação do vencedor;

(…)

X – para julgamento e classificação das propostas, será adotado o critério de menor preço, observados os prazos máximos para fornecimento, as especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos no edital;

Apesar da clareza do texto legal, o Município de São Paulo, por meio da CEL-SF, instituída por portaria da Secretaria Municipal de Finanças, decidiu instaurar o procedimento licitatório em questão pela modalidade pregão, prevendo, contudo, sem qualquer fundamento legal, que será seu vencedor aquele que efetuar a oferta de maior preço.

É dizer, segundo o Edital, as instituições financeiras participantes deverão formular propostas de pagamentos ao Município de São Paulo para a aquisição do direito de assinar cada um dos contratos de prestação dos serviços especificados nos itens 1.1.1 a 1.1.4 do instrumento editalício. Neste sentido, os bancos interessados em movimentar as disponibilidades financeiras e realizar as respectivas aplicações financeiras do Município, prestar serviços de pagamento dos funcionários e servidores municipais e pagar os fornecedores, deverão formular – sem absolutamente qualquer critério e partindo-se de um valor zero (ausência de valor mínimo) – uma proposta de pagamento à Prefeitura. Enfim, quem pagar mais com relação a cada item, ganha o direito de realizar aquele contrato.


Vale, aqui, abrir um parêntese para consignar que a ausência de estipulação criteriosa, e a partir de dados técnicos, de um valor mínimo inicial, representa, por si só, evidência de que o procedimento licitatório em questão foi instaurado às pressas pela Administração Pública Municipal, de forma totalmente irresponsável e ilegal, com violação flagrante do princípio da moralidade administrativa.

Desta forma, tem-se que o procedimento em questão viola a essência da modalidade de licitação optada pela Administração, o pregão, cuja marca é a estipulação de critério de menor preço.

Ao desnaturar as características instituídas por Lei Federal com relação ao procedimento em questão, a Prefeitura Municipal de São Paulo, data vênia, violou não apenas o princípio da legalidade estrita, como também o princípio do pacto federativo, posto que, sendo competência privativa da União Federal legislar sobre normas gerais de licitação, é manifestamente vedado a qualquer ente federado desrespeitá-las (artigos 2.º e 22, XXVII da Constituição Federal).

Mas, independentemente destas irregularidades, o Edital também violou o próprio princípio da proposta mais vantajosa, pois prevê outra espécie de pagamento, além do acima especificado: o pagamento do vencedor à Prefeitura.

Tal valor, segundo o Edital, será de, no máximo, R$ 0,40 (quarenta centavos de real) por documento arrecadado. Confira-se:

13. PAGAMENTO

13.1 Da Prefeitura aos vencedores

13.1.1. O pagamento da taxa de administração anual incidente sobre o patrimônio líquido em fundos exclusivos será calculado e deduzido diariamente.

13.1.2. O valor fixo de no máximo R$ 0,40 (quarenta centavos de reais) por documento arrecadado, independentemente do meio utilizado, será pago no décimo dia útil do mês subseqüente à prestação do serviço, cuja planilha deverá ser apresentada até o terceiro dia útil do mês subseqüente.

13.2 Das vencedoras à Prefeitura

13.2.1 O valor ofertado na licitação pela proponente vencedora do item será pago em moeda corrente nacional (R$) de forma à vista e sem qualquer desconto, seja a qualquer título, devendo ser realizado na conta indicada pela Secretária Municipal de Finanças, no prazo máximo de 05 dias úteis após a assinatura do contrato.

É que, como prestador de serviços bancários à Prefeitura, o vencedor deverá receber um valor a título de contraprestação, valor este que, segundo o Edital, não será maior do que R$ 0,40 por documento arrecadado.

ACONTECE, PORÉM, QUE O EDITAL NÃO CONSIDERA TAL VALOR PARA FINS DE CLASSIFICAÇÃO DO BANCO PARTICIPANTE.

Ou seja, não prevê o Edital, nem mesmo a título de segundo critério de classificação, a adoção do critério “menor preço” para os bancos que se dispuserem a receber menos da Prefeitura por documento arrecadado. Confira-se o anexo do Edital referente à proposta de preço a ser elaborada pelos licitantes:

ANEXO XI – PROPOSTA DE PREÇOS

PAPEL TIMBRADO DA PROPONENTE

PREGÃO SF/CEL Nº 001/2005

PROCESSO Nº 2005-0.111.124-3

A empresa ……,

estabelecida na ……………, nº ……………, bairro……………………., cidade ……., Estado de

……….inscrita no CNPJ sob nº ……..,

apresenta a seguinte proposta comercial:

A- Oferta para fins de classificação provisória:

Para o item 1.1.1 a instituição financeira oferece o valor de R$……,xx (por extenso), sendo o pagamento, em parcela única e à vista, até o quinto dia útil após a assinatura do contrato.

Para o item 1.1.2 a instituição financeira oferece o valor de R$……,xx (por extenso), sendo o pagamento, em parcela única e à vista, até o quinto dia útil a assinatura do contrato.

Para o item 1.1.3 a instituição financeira oferece o valor de R$……,xx (por extenso), sendo o pagamento, em parcela única e à vista, até o quinto dia útil a assinatura do contrato.

Para o item 1.1.4 a instituição financeira oferece o valor de R$……,xx (por extenso), sendo o pagamento, em parcela única e à vista, até o quinto dia útil úteis após a assinatura do contrato.

B- Taxas e tarifas a serem praticadas de acordo com o Edital:

Ciente e concordando que as taxas abaixo discriminadas não serão utilizadas para efeito de classificação e julgamento das propostas, oferecemos:

1. Taxa de administração de__________ (máximo 0,10% ao ano), sobre valores aplicados em fundos, com aplicação e resgate automático, de perfil conservador, lastreados em títulos públicos federais, para o Itens 1.1.1 e 1.1.4;

2. Taxa de administração de_____________(máximo 0,10% ao ano), sobre valores aplicados em fundos de médio e longo prazos, sem aplicação e resgate automático, de perfil conservador, lastreados em títulos públicos federais, para os Itens 1.1.1 e 1.1.4;


3. A remuneração devida pela Prefeitura do Município de São Paulo será de

_________(máximo de R$ 0,40), por documento de arrecadação, independentemente do seu tipo ou meio utilizado.

Note-se que a oferta especificada no item B deixa claro que o ofertante está “CIENTE E CONCORDANDO QUE AS TAXAS ABAIXO DISCRIMINADAS NÃO SERÃO UTILIZADAS PARA EFEITO DE CLASSIFICAÇÃO E JULGAMENTO DAS PROPOSTAS”.

Assim, ainda que a instituição financeira participante ofereça uma proposta de valor inferior ao máximo exigido no Edital (R$ 0,40), caso em que estaria cobrando menos pela realização de cada uma das operações bancárias, este valor não será considerado para fins de classificação da proposta.

Isso significa que pouco importa que o banco participante ofereça um valor menor do que R$ 0,40 pela prestação dos serviços, porque tal proposta, ainda que menor do que outras, será absolutamente ignorada, e não será levada em consideração para a classificação do participante.

Portanto, o único critério do Edital é o seguinte: quem pagar mais à Prefeitura, conquistará o direito de realizar cada um dos serviços especificados nos itens 1.1.1 a 1.1.4.

Data venia, nada mais absurdo. Embora o Edital tenha intitulado tal modalidade de licitação como sendo “pregão”, as regras da Lei n.º 10.520/00 estão sendo descaradamente violadas. Isso porque, embora fosse perfeitamente possível adotar o critério de “menor preço”, ao menos quanto ao item “pagamento da Prefeitura às vencedoras”, o Edital optou por ignorá-lo.

Por isso, nem se argumente que o procedimento descrito no Edital ora impugnado seria mais vantajoso para a Administração Municipal, muito pelo contrário, ele não privilegia o participante que elabora proposta de menor preço descrita na letra B do anexo XI, ou seja, para as taxas a serem praticadas como contraprestação pelos serviços prestados. Ao ignorar a validade de tal item, dizendo que a proposta não será levada em consideração para fins de classificação, o Edital viola o princípio da proposta mais vantajosa.

Como se vê, são graves as irregularidades formais do Edital:

De um lado, o mesmo viola as regras da Lei Federal n.º 10.520/02, prevendo critério “maior preço” para fins de classificação, desnaturando o pregão e, com isso, criando nova e inédita modalidade de licitação. Tudo sob o argumento de que se está buscando a proposta mais vantajosa.

De outro lado, porém, o Edital simplesmente, e de forma paradoxal, infringe o princípio da proposta mais vantajosa, aos deixar de levar em conta, ao menos como um segundo critério de classificação, a proposta de “pagamento da Prefeitura às vencedoras”

Convenhamos, fosse suficiente o argumento – pretexto – de que o procedimento elaborado é mais benéfico para a Administração, cada um dos milhares de Municípios – assim como a União, os Estados, a Administração Indireta, enfim, todos que estão obrigados e licitar – poderia inventar uma nova modalidade de licitação, para cada objeto, simplesmente alegando – e às vezes até demonstrando – que o procedimento pode ser mais benéfico.

É exatamente para evitar tais situações que a Constituição Federal diz que é privativa da União a competência para legislar sobre normas gerais de licitação.

Por isso, em matéria de licitação, a Administração Pública não tem escolha: deve seguir uma das modalidades de licitação – a mais adequada –, sem desnaturar o procedimento fixado na Lei Federal. A obediência a tal norma é imposta pelos princípios da legalidade estrita e do pacto federativo, bem como, de forma expressa e incontestável, pela regra da obrigatoriedade à observância fiel ao procedimento licitatório, insculpida no artigo 4.º e parágrafo único da Lei n.º 8.666/93. Confira-se:

“Art. 4.º Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.

Parágrafo único. O procedimento licitatório previsto nesta lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da Administração Pública.

Em comentário a tal artigo, Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Dialética, 9.ª edição, p. 88) leciona que:

O dispositivo acentua a natureza procedimental da licitação. Ratifica que os atos da licitação não são independentes entre si, nem pode ser enfocados isoladamente. A licitação é uma série ordenada de atos. Mais ainda, é uma série preordenada de atos. A lei e o edital estabelecem a ordenação a ser observada. O descumprimento das fases ou seuqências estabelecidas acarreta o vício do procedimento como um todo.

(…)

É imperioso destacar que o formalismo não é uma garantia a favor da Administração e contra os administrados. A procedimentalização não é instrumento de exclusão relativamente aos cidadãos. Sua função é precisamente oposta: restringe-se o poder estatal e dificulta-se a adoção de atos arbitrários


Não se nega que uma das finalidades da licitação é a busca por uma proposta mais vantajosa. Isso não autoriza, porém, que a Administração possa violar a essência das regras legais que definem cada um dos procedimentos licitatório, haja vista a sua submissão ao princípio da legalidade. Confira-se:

No procedimento licitatório, desenvolve-se atividade vinculada. Isso significa ausência de liberdade (como regra) para a autoridade administrativa. A lei define as condições da atuação dos agentes administrativos, estabelecendo a ordenação (sequência) dos atos a serem praticados e impondo condições excludentes de escolhas pessoas ou subjetivas”.

Nesta linha, o citado doutrinador afirma também que “É certo que a Administração deverá obter a proposta mais vantajosa. Mas selecionar a proposta mais vantajosa não é suficiente para validar a licitação. A obtenção de vantagem não autoriza violar direitos e garantias individuais. Portanto, deverá ser selecionada a proposta mais vantajosa mas, além disso, têm de respeitar-se os princípios norteadores do sistema jurídico…”.

Note-se que, no caso em questão, não se trata de um mero ajuste do procedimento a certa peculiaridade do caso. Trata-se, isto sim, de criação de nova e inédita modalidade licitatória, em que, de um lado, o vencedor do certame paga à Administração um valor a fim de que ela lhe adjudique o objeto da licitação e, de outro lado, a Administração também paga ao vencedor do certame, a título de contraprestação pela prestação dos serviços bancários. A oferta do primeiro pagamento – critério maior preço – é considerado para fins de classificação, enquanto que o segundo – que seria “menor preço” – é simples e inexplicavelmente ignorado.

Como se vê, o Edital desrespeita regras básicas do pregão, criando nova modalidade de licitação, não prevista no ordenamento jurídico, o que também é vedado pelo artigo 22, §8.º da Lei n.º 8666/93, segundo o qual “É vedada a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação das referidas neste artigo.”, lembrando-se que tal artigo deve ser interpretado sistematicamente com a Lei n.º 10.520/02.

Pelo exposto, restam evidenciados os vícios de forma do Edital, por violação explícita das Leis Federais n.º 10.520/02, n.º 8.666/93 e dos artigo 2.º, 22 e 37 da Constituição Federal, a importar em sua nulidade absoluta.

II.3 – Conclusão

Como visto acima, está claro o flagrante vício de conteúdo do Edital, haja vista que todas as contratações almejadas pelo mesmo são manifestamente inconstitucionais e ilegais. Assim, não há dúvidas quanto a sua nulidade, tampouco quanto a sua lesividade ao patrimônio público e à moralidade administrativa, na forma do artigo 2.º ‘c’ da Lei da Ação Popular.

Assim, não poderia sequer haver licitação para a contratação dos serviços bancários em questão, que devem ser prestados exclusivamente pelas instituições financeiras oficiais, na forma dos artigos 164, §3.º da Constituição Federal e 43 da Lei n.º 101/2000.

De qualquer forma, ainda que assim não fosse, é de se verificar que o Edital desrespeitou, quanto à sua forma, os ditames das Leis Federais n.º 10.520/02, n.º 8.666/93 e da Constituição Federal (artigos 2.º, 22 e 37).

Isso porque, em primeiro lugar, o instrumento editalício previu critério de classificação das propostas pelo maior preço, o que é proibido quando se trata de pregão. Esta é a modalidade de licitação criada expressa e exclusivamente para objetos em que se pode estabelecer o critério do “menor preço”.

Além disso, o sistema jurídico proíbe que a Administração Pública inove, mudando a essência de cada modalidade de licitação, de modo a criar novos procedimentos, ainda que sob o pretexto de se buscar a proposta mais vantajosa, que, evidentemente, está subordinada ao princípio da legalidade estrita.

Porém, foi também demonstrado que, ainda que se admitisse a invenção de nova modalidade de licitação pela Prefeitura de São Paulo, o Edital contém outras irregularidades, igualmente graves, que o acarretam sua nulidade. Isso porque, de forma inconstitucional e ilegal, o instrumento editalício não considera a proposta de “preço pago pela Administração ao vencedor” (que seria pelo “menor preço”) como critério para classificação do participante. Com isso, além de se distanciar da essência do pregão, tem-se uma violação do princípio da melhor proposta.

Portanto, tais irregularidades quanto à forma do ato em questão também acarretam a sua nulidade e, por consequência, a lesão ao patrimônio público e à moralidade administrativa, na forma do artigo 2.º, ‘b’ da Lei da Ação Popular.

III – DA LIMINAR

O artigo 5.º, §4.º da Lei da Ação Popular autoriza expressamente ao juiz a concessão de mandado liminar para a defesa do patrimônio público. Tal liminar, evidentemente, pode ter natureza cautelar ou antecipatória, conforme o caso concreto.


No presente caso, tem-se que a suspensão dos efeitos do Edital PREGÃO e, por conseqüência, de todo o procedimento licitatório em questão, representa nada menos do que um dos efeitos da futura sentença de procedência da ação, que deverá declarar definitivamente a nulidade do Edital.

Noutras palavras, entende o Autor que a tutela jurisdicional liminar ora pleiteada tem natureza antecipatória dos efeitos da sentença, aplicando-se a ela, portanto, o artigo 273 do Código de Processo Civil.

Sem prejuízo, merece destaque o parágrafo 7.º do referido artigo 273, acrescido à legislação processual civil pela Lei n.º 10.444/02, o qual prevê expressamente a fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, nos seguintes termos:

§7.º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”

É dizer, caso Vossa Excelência entenda trata-se de cautelar, ao invés de tutela antecipada, a própria lei autoriza o deferimento da medida.

Pois bem. A presença dos requisitos relativos à prova inequívoca da verossimilhança da alegação e ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é manifesta no presente caso.

Com relação à presença do primeiro requisito, tem-se que todos os fatos estão comprovados pelos documentos ora juntados, restando a ser apreciada matéria unicamente de direito.

Outrossim, foi demonstrado cabalmente pelos argumentos acima expostos, inclusive no item II.3 – Conclusão, não sendo necessário aqui repisá-los, que o Edital em questão tem vícios de conteúdo e de forma que o eivam de nulidade absoluta, sendo manifestamente ilegal e inconstitucional a continuidade do procedimento licitatório em questão.

Por sua vez, não há qualquer dúvida quanto à presença do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Isso porque, caso não sejam imediatamente suspensos os efeitos dos Edital de Venda, o pregão, que está marcado para o dia de amanhã, 14 de julho, será realizado, adjudicando-se no mesmo ato o objeto da licitação aos vencedores.

Com isso, ao arrepio dos inúmeros e graves vícios apontados, ter-se-á consumado o prejuízo irreparável ao patrimônio público e à moralidade administrativa que se buscam tutelar com a presente demanda.

Realizado o pregão, os envelopes contendo as propostas de preço serão abertos chegando-se aos vencedores do certame. Feito isso, a sentença a ser proferida poderá ser ineficaz, sendo muito difícil, quiçá impossível, a concretização de seus efeitos.

Imagine-se, por exemplo, que a sentença seja no sentido da nulidade do Edital. Até lá, os contratos já terão sido firmados, inclusive iniciada a sua execução. As instituições financeiras vencedoras da licitação já terão feito investimentos e praticado diversos atos com relação à execução dos contratos, etc., tendo sido modificada a situação fática de forma possivelmente irreversível.

Ainda a título de exemplo, imagine-se também a eventual hipótese de não se conceder a liminar ora pleiteada e, com isso, permitir-se a realização do pregão, dando-se início à execução dos contratos.

Feito isso, as disponibilidades de caixa da Prefeitura e de toda a Administração Indireta Municipal poderão ser transferidas a instituições financeiras não oficiais – bancos privados – de forma flagrantemente inconstitucional. Agora imagine-se que, algum tempo após essa transferência, mas antes da sentença, ocorra com a instituição financeira privada vencedora do certame algo parecido com o que ocorreu recentemente, e para a surpresa de todos, com o Banco Santos, que chegou a sofrer intervenção federal. Os prejuízo ao patrimônio público seriam certamente catastróficos.

Por isso mesmo é que a concessão de medida liminar para suspender os efeitos do Edital, impedindo-se a realização do pregão e das fases subsequentes do complexo, duvidoso e arriscado procedimento licitatório em questão é medida razoável, que se impõe, no mínimo, para se acautelar o patrimônio público e a moralidade administrativa.

De fato, uma vez não concedida a liminar nos moldes ora pleiteados é certo que o objeto da alienação poderá ocorrer em total desconformidade com a Constituição Federal e a Lei, gerando prejuízos ao patrimônio público, à moralidade administrativa e aos próprios terceiros que terão participado da licitação, de forma que a reversibilidade ao statu quo ante, por certo, será praticamente impossível.

Por outro lado, a eventual sentença de improcedência não causaria qualquer dano às partes, de forma que a liminar de suspensão dos efeitos do Edital é absolutamente reversível.


Além do mais, em se tratando dos vícios acima apontados, imperioso ressaltar que o fundado receio de dano irreparável reside no fato de que, se o processo licitatório for levado a cabo, na forma ilegal e inconstitucional com que vem se realizando, ocorrerá também grave e evidente lesão à própria ordem jurídica, o que, num Estado Democrático de Direito, é inadmissível.

Portanto, é imperiosa a concessão da liminar aqui pleiteada a tempo de se suspender a realização do pregão marcado para o dia de amanhã, 14 de julho, – ou caso este já tenha se efetivado, a suspensão de todos os atos dele decorrentes – a fim de que a prestação jurisdicional não perca a sua razão de ser, em razão da execução do contrato já ter sido concretizada, trazendo-se, por conseqüência, inúmeros prejuízos ao patrimônio público, à moralidade administrativa e, o que é pior, em verdadeiro desrespeito à Constituição Federal e à Lei.

IV – DOS PEDIDOS

Ante o exposto, diante da premência do tempo e face à impossibilidade objetiva da oitiva da parte contrária, sem que se frustre a medida, requer-se a este MM. Juízo que conceda a tutela jurisdicional antecipada, liminarmente e inaudita altera pars (4) (5), para o fim de:

a) determinar-se a suspensão dos efeitos do Edital PREGÃO CEL-SF n.º 001/2005, processo n.º 2005-0.111.124-3, vedando-se por conseqüência a prática de quaisquer atos previstos no referido instrumento editalício;

b) ou, na hipótese de já haver sido efetivado o pregão ou quaisquer das etapas posteriores previstas no Edital ora impugnado, sejam suspensos todos os seus efeitos, até a efetiva regularização do procedimento pelos Co-réus segundo a legislação que rege a matéria ou, se estes não o fizerem, até decisão de mérito a ser oportunamente proferida em sentença; e

c) face a premência do tempo, seja determinada a expedição de ofício aos requeridos, via fax, com a comunicação do deferimento do pleito liminar para que tomem as providências cabíveis no sentido de cumprirem a decisão judicial, sob pena de desobediência, sem prejuízo da aplicação de medidas coercitivas previstas na legislação processual civil.

Caso esse MM. Juízo não entenda tratar-se de tutela antecipada mas sim de tutela cautelar, tendo-se em vista a concomitante presença dos requisitos para a concessão desta última (fumus boni iuris e periculum in mora), até mesmo porque são requisitos mais brandos que os da tutela jurisdicional antecipada, e também em face da fungibilidade expressamente prevista pelo §7.º do artigo 273 do Código de Processo Civil, requer-se alternativamente a concessão liminar da medida cautelar, para os mesmos fins acima especificados.

Requer-se também seja determinada a citação dos Co-réus, expedindo-se os competentes mandados, para que, querendo, apresentem a defesa que tiverem, sob pena de revelia. Outrossim, requer-se a intimação do representante do Ministério Público para que o mesmo atue no presente processo, nos termos do artigo 6.º da Lei da Ação Popular.

Ao final, requer-se SEJAM JULGADOS PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação popular, confirmando-se expressamente a liminar concedida, bem como declarando-se a nulidade do Edital PREGÃO CEL-SF n.º 001/2005, processo n.º 2005-0.111.124-3, e consequentemente de todos os atos dele decorrentes eventualmente praticados, condenando-se, ainda, os Co-réus e eventuais beneficiários ao ressarcimento dos prejuízos decorrentes dos atos ilícitos apontados na presente ação, bem como ao pagamento das verbas de sucumbência e honorários advocatícios a serem arbitrados por este MM. Juízo.

Requer-se a produção de todas as prova em Direito admitidos, em especial pela oitiva de testemunhas, perícias, juntada de novos documentos, o que desde já se requer, bem como de outras que se fizerem necessárias ao bom deslinde da controvérsia.

Dá-se à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Nestes termos,

pede deferimento.

São Paulo, 13 de julho de 2005

JOÃO ROBERTO EGYDIO PIZA FONTES

OAB/SP 54.771

JOSÉ EDUARDO BERTO GALDIANO

OAB/SP 220.356

FÁBIO DA COSTA AZEVEDO

OAB/SP 153.384

Notas de rodapé

(1)Artigo 1.º, §3.º da Lei da Ação Popular: “a prova da cidadania para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a este corresponda”.

(2)Tendo em vista a urgência na interposição da presente medida, requer-se a juntada do instrumento original de mandato judicial no prazo legal.

(3)Artigo 6.º da Lei da Ação Popular.

(4)“MEDIDA LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PODER DE CAUTELA DO JUIZ QUE PODE SER EXERCIDO COM OU SEM JUSTIFICAÇÃO PRÉVIA. I. Se o juiz, com base na prova documental que lhe foi apresentada firma a convicção da existência de um “ fumus boni juris” e de “periculum in mora” e, com base em tais pressupostos, concede medida liminar em ação civil pública, deve ser prestigiada a sua posição, salvo se ficar dem

onstrada a existência de direito com características de liquidez e certeza para ilidí-la. II. Discricionariedade outorgada pela lei ao julgador, a qual, se exercida dentro da prudência imposta pela conveniência e oportunidade, não merece reparo”.(AG 89.05.071872, TRF 5ª Região, Rel. Juiz José Delgado)

(5) “SE A QUESTÃO EXIGE PRONTA E RÁPIDA ATUAÇÃO DO JUIZ, sob pena de causar dano ao autor, evidentemente que o art. 2º da Lei 8.437/92 não deve ser obedecido. Tudo tem limite. O direito e a justiça estão acima da lei, ainda mais quando se trata de lei casuística. Ademais, a liminar já foi concedida e os réus já foram citados”. (AG nº 010003991-9/MG, TRF/1ª Região, Terceira Turma, Relator Juiz Tourinho Neto, DJ de 21/11/97, p.100023)

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